Sem o amparo do Estado Brasileiro para realizar um aborto de forma segura e legal, Rebeca Mendes da Silva Leite, de 30 anos, recebeu apoio da rede latino-americana CLACAI (Consorcio Latino-Americano Contra o Aborto Inseguro) para interromper a gravidez na Colômbia, onde a prática é permitida quando a gravidez coloca em perigo a saúde física ou mental da mulher, é resultado de estupro ou incesto e em caso de malformações do feto incompatíveis com a vida fora do útero. No país, Rebeca participou de reunião com o grupo La Mesa por La Vida y La Salud de Las Mujeres para falar sobre o seu litígio no Brasil.

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Após ter seu pedido do direito ao aborto negado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), Rebeca entrou com um habeas corpus no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Aluna do 5º semestre de Direito com bolsa do Programa Universidade para Todos (Prouni), alegou não ter condições econômicas e emocionais de levar a gravidez adiante. Ela é responsável pela criação de dois filhos, um de 9 anos e o outro de 6, e vive com recursos de um trabalho temporário. Com nove semanas de gestação, a estudante não podia esperar.

“É uma situação dramática e que deveria nos constranger. Foi preciso um país estrangeiro reconhecer seu sofrimento e a violação ao seu direito à saúde, como os tribunais brasileiros não fizeram. Mas ao mesmo tempo é bonito ver o que a Colômbia nos ensina. Lá existe o reconhecimento do direito ao aborto em caso de risco à saúde, física ou mental, desde a decisão da Corte Constitucional em 2006. Foi nesse permissivo que Rebeca foi incluída”, afirma Gabriela Rondon, advogada da Anis – Instituto de Bioética.

O pedido para garantia do direito ao aborto à Rebeca, apresentado em novembro, é uma reiteração do pedido liminar da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), proposta em março pelo PSOL e pelo Anis. A ADPF é fundamentada no argumento de que a criminalização do aborto fere princípios e direitos fundamentais garantidos na Constituição, como dignidade, liberdade e saúde.

A relatora, ministra Rosa Weber, não chegou a analisar o mérito do pedido. “Foi uma reiteração do pedido liminar da ação principal, mas que também mencionava Rebeca. Ou seja, pedia decisão de urgência para Rebeca e todas as mulheres. A ministra disse que o andamento do processo já estava acontecendo e não cabia decidir com urgência só por Rebeca”, explica Gabriela.

No Brasil, a lei só permite aborto em caso de estupro e risco de vida para a mãe. Uma decisão do STF também permitiu a possibilidade de interrupção de gravidez em diagnóstico de anencefalia.

A Anis preparou um guia com perguntas e respostas sobre o caso Rebeca: 

O que aconteceu com Rebeca desde que teve o pedido de aborto negado?
Depois da resposta Supremo Tribunal Federal, Rebeca estava em espera pela decisão do habeas corpus impetrado diante da justiça de São Paulo. Seu objetivo era receber amparo judicial para realizar o aborto legal e seguro no país. Neste intervalo, Rebeca foi convidada por organizações que trabalham pelos direitos das mulheres para ir à Colômbia falar sobre sua experiência de litígio no Brasil. Sabendo que o aborto na Colômbia é permitido nos casos de risco à saúde mental da mulher, e considerando o silêncio do STF e do TJSP sobre sua demanda, Rebeca decidiu realizar o procedimento durante a viagem.

Rebeca pretendia fazer o aborto na Colômbia desde o início?
Não. Rebeca procurou a Anis em busca de uma forma de interromper a gestação que não colocasse sua saúde em risco e que não fosse crime. Por isso decidiu expor sua história em pedidos ao Supremo Tribunal Federal e ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Havia planos para atender a demanda de Rebeca em um país onde o aborto é legal se ela não conseguisse a autorização judicial até perto de completar 12 semanas de gestação. Mas o convite para a viagem à Colômbia veio antes desse prazo, e Rebeca decidiu realizar o procedimento assim que possível.

Onde Rebeca fez o procedimento?
Em uma clínica da organização privada e sem fins lucrativos Profamilia, que oferece diversos serviços de planejamento familiar e cuidado à saúde sexual e reprodutiva na Colômbia.

Quem pagou pelo procedimento?
A Profamilia tem uma atuação assistencial, por meio da qual oferece o procedimento gratuito à mulheres que não podem pagar.

Quem pagou pela viagem de Rebeca?
A viagem foi realizada a convite e financiada pela rede latino-americana CLACAI (Consorcio Latino-Americano Contra o Aborto Inseguro). Na Colômbia, Rebeca participou de reunião com o grupo La Mesa por La Vida y La Salud de Las Mujeres.

Como foi o procedimento?
Rebeca foi acolhida na clínica e, após receber explicações sobre métodos para realizar o aborto, optou pelo cirúrgico. Também foi orientada sobre diversos métodos contraceptivos e escolheu o de sua preferência. Tudo transcorreu bem, ao longo de uma manhã, e Rebeca saiu da clínica já com o implante subcutâneo.

Ter feito o procedimento fora do país coloca Rebeca em risco diante da lei brasileira?
Não. A lei brasileira só é aplicável no país. Rebeca fez o aborto amparada pelas leis colombianas e não pode ser punida por isso.

O que acontecerá com o habeas corpus impetrado em São Paulo?
Rebeca solicitará que a ação não tenha mais seguimento, porque já não há propósito.

Isso significa que Rebeca desistiu da decisão judicial antes da hora?
Talvez seja preciso recolocar a pergunta: o pedido de Rebeca era de urgência, e não foi respondido no tempo que sua situação crítica exigia. Ela foi desamparada pelo silêncio da justiça brasileira. Cada dia de espera representava uma ameaça crescente à sua saúde. Rebeca tomou a decisão que considerou mais correta diante da emergência e das condições que tinha. Mas o debate judicial que levantou no Brasil sobre o sofrimento imposto pela criminalização do aborto na vida concreta das mulheres seguirá à sua história.

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