“Mulher, não aceite pouco amor / Nem tampouco quem te machucou / Use a roupa que quiser”. O amor a partir da narrativa feminina se completa somente com o direito a ser quem se é. Assim, é possível sentir a poesia e a melodia de “Sou mulher“, composição de Lilian, inspirada nas ideias de Simone de Beauvoir. A cantora e compositora catarinense, natural de Lauro Müller, vive no Rio de Janeiro desde 2011 e vem a Florianópolis para o pré-lançamento de seu segundo álbum “Presente”.

A artista se firma no cenário musical brasileiro, participa de diversos festivais, segue uma agenda intensa de trabalho e dedica-se ao estudo contínuo. No entanto, reconhece que o caminho das pedras é duro, seja pelo trabalho extra além da criação, como o esforço empreendido para a campanha de financiamento coletivo de seu primeiro álbum autoral “Motivo”, seja pela condição de mulher e as formas como o machismo se apresenta no cotidiano. “Adolescente, eu era muitas vezes mais cuidadosa que qualquer outra amiga da mesma idade, pois como eu ‘cantava na noite’ meu comportamento era julgado o tempo todo. Frases como: ‘a Lilian canta na noite, mas é de família’ ouvi muitas vezes. Fui crescendo e passaram a me perguntar se eu tinha ‘caso’ com meus colegas de trabalho, afinal eram em sua maioria homens, mais velhos e casados. Fora o assédio que a gente passa diariamente”, conta.

Em entrevista ao Portal Catarinas, Lilian fala sobre suas composições e seu processo criativo, sobre os obstáculos para consolidar a carreira profissional no campo da arte e os desafios das mulheres que atuam na cena musical. “Eu mesma me compreendi compositora bem tardiamente, já tinha uns 28 anos, na música desde os 14, muitas vezes me perguntei: por que demorei tanto? Eu não tinha amigas compositoras, cantoras sim. E como visibilidade importa. Já participei de festivais como autora e que das vinte músicas selecionadas apenas quatro eram de mulheres”.

Lilian faz show em Florianópolis, no Teatro Álvaro de Carvalho, quinta-feira (11). Foto: Alice Venturi

CATARINAS: A música “Sou mulher” faz menção às ideias de Simone de Beauvoir. O que inspira você a tratar de temas relacionados ao feminismo e ao empoderamento feminino na sua criação musical?
LILIAN: O que inspira minhas composições e as canções que escolho interpretar são minhas vivências, o que sou, o que acredito. Temas relacionados ao feminismo e empoderamento fazem parte de minhas conversas com amigas, com meus parceiros de trabalho, com meu marido… Felizmente temos conversado mais, desconstruído mais. A canção nasceu no início de março deste ano, período de carnaval, vésperas do Dia Internacional da Mulher, o assunto fervia na minha cabeça. Desde que lancei o vídeo e a música nas plataformas digitais recebo relatos fortes sobre ela e quando canto ‘Sou Mulher’ nos shows sinto a plateia muito comovida, como artista fico realizada.

CATARINAS: As mulheres enfrentam obstáculos para se firmar no campo das artes, como em qualquer outra área. De que forma, você observa as questões de gênero no dia a dia de sua carreira?
LILIAN: Eu canto profissionalmente desde os 14 anos. Tão jovem, não entendia bem como isso me afetava, mas quando olho pra trás, mais madura e com mais informação, vou compreendendo as situações que vivi e até as escolhas que fiz. Primeiro foi ser artista tão novinha sendo menina, morando em cidade de interior… Adolescente, eu era muitas vezes mais cuidadosa que qualquer outra amiga da mesma idade, pois eu “cantava na noite”, meu comportamento era julgado o tempo todo. Frases como “a Lilian canta na noite, mas é de família” ouvi muitas vezes. Fui crescendo e passaram a me perguntar se eu tinha “caso” com meus colegas de trabalho, afinal eram em sua maioria homens, mais velhos e casados. Fora o assédio que a gente passa diariamente e precisa sorrir amarelo e fazer de conta que não percebeu, desconversar e seguir trabalhando.

Outra coisa que ouvi a vida toda: “Cantora? É bonitinha, vamos ver se canta mesmo?” A velha história de se esforçar além pra mostrar que é capaz.

Como foi bem dito na pergunta, no campo das artes como em todas as áreas, nós mulheres ainda passamos por isso, mas acredito que estamos na melhor época da nossa história. Agora é seguir lutando por esse mundo melhor e mais igual.

CATARINAS: Há pouco menos de um ano, o Sonora Ciclo Internacional de Compositoras reuniu mulheres em diversos países do mundo em prol da divulgação da produção de compositoras. Você sente diferença na valorização e visibilidade das composições criadas por mulheres? De que forma isso acontece?
LILIAN: O Sonora foi uma iniciativa linda, não pude participar, mas acompanhei principalmente através da minha amiga e super cantora e compositora Flávia Ellen, lá de Belo Horizonte. Eu mesma me compreendi compositora bem tardiamente, já tinha uns 28 anos, na música desde os 14. Muitas vezes me perguntei: por que demorei tanto? Eu não tinha amigas compositoras, cantoras sim. E como visibilidade importa! Já participei de festivais como autora e que das 20 músicas selecionadas apenas 4 eram de mulheres.

Iniciativas como o Sonora ampliam os encontros, mostram a nossa cara e aumentam a confiança não só pra mulheres compositoras, mas também produtoras, instrumentistas, arranjadoras e como é bom ver mais mulheres criando e conquistando espaços.

CATARINAS: Você é uma artista de uma nova geração da música nacional. Como você vê este momento para música brasileira? Quais os obstáculos para conseguir se consolidar neste cenário?
LILIAN: Sou uma artista conectada e vejo este momento de maneira muito positiva. A internet, a tecnologia, me oferecem ferramentas que há duas décadas eu só teria acesso se estivesse em uma grande gravadora.

Eu aproveito cada oportunidade que tenho de mostrar o meu trabalho, seja num concurso musical, seja estudando mídias sociais pra me comunicar melhor com meus fãs.

Recentemente recebi meu primeiro pedido para gravarem uma música de minha autoria. O Padre Fábio de Melo acaba de lançar em seu disco ‘Clareou’ minha composição ‘Prece’ e ele recebeu a canção por Whatsapp depois que postei um vídeo no youtube. Não é fantástico? Eu acho! Obstáculo para se consolidar neste cenário pra mim é o mesmo que qualquer empreendedor tem ao abrir seu próprio negócio. Desenvolvimento de diferenciais, identidade, fortalecimento de marca, muito estudo, dedicação, paciência, pois o retorno vem a longo prazo e pra mim tudo isso está ligado à minha verdade como artista, tudo caminha junto.

CATARINAS: Você vem a Florianópolis para o pré-lançamento do seu CD “Presente”. O que esperar desse novo álbum?
LILIAN: Eu sou natural de Lauro Müller no sul do estado, mas com 18 anos fui pra Floripa. Tenho muito carinho pela cidade e um fã clube muito fiel que cresce a cada ano. Desde que mudei pro Rio, em 2011, volto pelo menos uma vez por ano pra fazer show na cidade e sempre que tem novidades eu faço o possível pra lançar em SC. Meu novo disco já vem sendo preparado há alguns meses, mas antes de entrar em estúdio eu vou mostrar as novas composições no palco do TAC pra uma plateia que sempre me recebe com muito carinho. Em dezembro, fiz um show inesquecível no SESC Prainha e o público cantava em coro comigo minhas músicas, tenho certeza que sairei energizada depois do show pra gravar o disco. E “Presente” é tempo, é presentear e é presença.

Eu espero que este álbum encontre os ouvidos atentos em sintonia com meu trabalho. Eu falo na música “Motivo” que intitula meu primeiro disco: “Meu canto me leva aonde eu quiser / Eu canto pra te encantar!” e em “Presente” eu digo: “Inteira sou parte de você / Não tenho medo se você está / Passinho por passinho eu conquistei / teus olhos meu presente a me mirar”.

CATARINAS: Você tem formação em Letras. De que forma a poesia e a literatura influenciam nas suas composições?
LILIAN: A poesia, a literatura e minhas vivências na faculdade de Letras influenciam diretamente em quem sou e no que escrevo. A menina que veio da roça e se encantou pela UFSC, morou na Moradia estudantil, foi bolsista do Pet Letras, professora… Fui amadurecendo nesse meio e como foi importante cada experiência. Eu tenho contato com alguns professores até hoje e são referência pra mim.

CATARINAS: O seu primeiro CD de músicas autorais foi viabilizado por financiamento coletivo. De que forma você vê essas novas modalidades de viabilizar iniciativas no campo da arte e da cultura? Acredita que é uma ruptura com modelos tradicionais de financiamento?
LILIAN: Sim, eu acredito que a economia colaborativa é uma alternativa para modelos tradicionais de financiamento. Quando lancei minha campanha em 2015, estudei o tema e planejei cada detalhe, arrecadei o valor que custeava meu primeiro disco com participação de mais de 200 fãs de todo o Brasil, além do dinheiro eu recebi também um retorno afetuoso muito especial, pois o público se sente parte e é parte. Acredito que quanto mais o público e até os artistas entenderem que financiamento coletivo não é vaquinha, não é doação, não é favor e sim que os fãs unidos podem investir num projeto, tirá-lo do papel e, após concluído, receber as devidas recompensas, quanto mais isso for divulgado, realizado, teremos mais diversidade na produção artística, mais gente produzindo, mais gente realizando sonhos, mais oportunidades.

Serviço:
Show e pré-lançamento do disco “Presente”
Data: 11 de Maio de 2017
Horário: 20h
Local: TAC – Teatro Álvaro de Carvalho
Rua Marechal Guilherme, 26 – Centro, Florianópolis – SC, 88015-000

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