No último sábado (1), Bolsonaro fez campanha em Joinville, cidade mais populosa de Santa Catarina e majoritariamente bolsonarista – no dia seguinte, 68,98% dos votos válidos dos joinvilenses seriam dedicados a ele. O candidato puxava a motociata quando a professora Maria Elisa Máximo cruzou seu caminho. Ela, o marido e os dois filhos ocupavam um carro adesivado com o rosto de Lula e sofreram ataques dos apoiadores do presidente. 

“Foram muitos xingamentos e gestos de hostilidade, era esse o espírito da cidade naquele momento”, relembra. “Eu cheguei em casa muito tomada por essa experiência e fiz um tweet de duas ou três linhas dizendo que Joinville era o esgoto do bolsonarismo, por onde escoavam os resíduos finais da campanha, e que tinha gente feia, brega e fascista para todos os lados.”

A publicação furou a bolha de Elisa e rapidamente ganhou muito engajamento. “Eu sempre me manifestei politicamente no Twitter, é uma rede pessoal sem qualquer vínculo institucional, e naquele momento fiz um desabafo sobre o meu sentimento. Porém, quando vi a repercussão, apaguei a postagem pra não polemizar, mas ela já havia sido printada.”

Em grupos de WhatsApp bolsonaristas, a imagem passou a circular em montagens que associavam o texto de Elisa à instituição onde ela trabalha. O que se seguiu foi uma enxurrada de insultos e ameaças nas redes sociais. Em outras palavras, violência política.

Na segunda-feira após as eleições, ela recebeu uma ligação do trabalho e foi informada de que seria afastada. A pressão se estendeu à escola das crianças – muitos pais ameaçaram cancelar a matrícula de seus filhos para evitar a convivência com a família de Elisa. 

Perseguição

Elisa é doutora em antropologia e pesquisa sobre o ciberespaço e as sociedades complexas, logo, não teve dificuldades de avaliar criticamente o cenário de violência política imposto a ela.

“Eles agem pelo poder econômico. Um dos focos é inviabilizar a existência de pessoas como eu, e existem muitas formas de se fazer isso, inclusive tirando o trabalho. Teve gente que me escreveu dizendo que eu preciso sair da cidade e que não posso mais ser professora. Eu sequer estou saindo de casa e os meus filhos não estão frequentando a escola”, afirma.

A docente atua há mais de 15 anos na mesma instituição de ensino, onde acumula o cargo de Coordenadora de Ação Comunitária e Responsabilidade Social e Ambiental. Nada disso pareceu contar em seu favor quando a empresa se posicionou sobre o tema. 

Em nota, a Faculdade Ielusc disse que enviou um comunicado a todos os funcionários em 12 de agosto deste ano, em razão das eleições, onde consta a citação: “Evitar que posicionamentos pessoais possam ser vinculados como sendo de nossa instituição educacional, sobretudo na sala de aula ou em mídias e grupos acessados por estudantes e/ou pais; e evitar deixar-se influenciar pelas emoções ingressando em debates improdutivos, em especial quando você ou seu interlocutor utilizam achismos e generalizações como argumentos”.

Segundo a assessoria, o posicionamento da Ielusc é de “neutralidade política”. “A professora está afastada e o assunto está sendo tratado pelos órgãos superiores da Associação Mantenedora, formado por lideranças locais, pais e colaboradores do BOM JESUS IELUSC, para as corretas providências diante desse fato”, informou.

Via Facebook, o ex-aluno Felipe Silveira classificou o posicionamento da faculdade como “censura” e “covardia”. Sua publicação dividiu opiniões e recebeu novos ataques.

“A Faculdade Ielusc impor censura a uma professora de um curso de comunicação social é a institucionalização do fim da liberdade de expressão”, opinou Marquinhos Fernandes.

“Fora militante, lugar de esquerdistas militantes é no manicômio!!!”, respondeu Jean Marangoni.

Discurso de ódio

“Há uma série de direitos e garantias fundamentais previstas na Constituição, dentre os quais a livre manifestação do pensamento. As instituições privadas também têm o dever de respeitar e promover essas garantias, em virtude do princípio de eficácia horizontal dos direitos fundamentais, que estabelece a necessidade de observância desses direitos nas relações entre particulares”, fala a advogada e professora de direito constitucional Caroline Godoi.

A especialista pensa que as empresas devem adotar políticas de conduta para evitar a disseminação de discurso de ódio, mas não foi o que ocorreu na publicação da professora. “O discurso de ódio é uma limitação legítima da liberdade de expressão, e corresponde à incitação à discriminação e violência em face de determinado grupo social, especialmente minorias, mas este não é o caso”, avalia.

O Sinpronorte, sindicato que representa os trabalhadores da educação nas instituições particulares de Joinville, prestou solidariedade à Elise e também se posicionou sobre a gravidade do cerceamento à sua liberdade de expressão, seu posicionamento político e sua insatisfação com a atual política nacional em sua rede social privada. 

“Para a manutenção de um Estado Democrático de Direito, é imprescindível assegurar o direito fundamental à liberdade de expressão enunciada na Constituição Federal e na Declaração Universal dos Direitos Humanos”, reitera o texto.

Quanto ao afastamento da docente, Caroline Godoi entende que foi uma “atitude desmedida”. “Pela nota divulgada, foi enviado um comunicado aos professores e funcionários restringindo a veiculação de opiniões que os relacionasse à instituição, o que também não ocorreu. A professora divulgou opinião em perfil pessoal, sem qualquer menção ao local onde trabalha. Assim, não violou qualquer norma ou código de conduta que pudesse justificar a sua suspensão.”

A advogada ainda chama a atenção para o viés criminoso dos ataques sofridos por Elisa nas redes sociais.

“A internet não é uma terra sem lei. Há regras específicas que regem o ambiente digital, além da necessidade de observância de todas as normas em vigor, especialmente as que regulamentam a punição a formas de discriminação e discurso de ódio”, observa.

“No entanto, na maioria das vezes não é tão fácil conter esses ataques ou responsabilizar quem os propaga. Ao contrário, acaba sendo muito difícil, especialmente quando publicações viralizam e fica impossível conter seu alcance.”

Embora seja possível mobilizar ações individuais dentro do espectro legal, a especialista acredita que a estratégia seria custosa e difícil, já que é comum o anonimato de perfis. Sua sugestão para quem enfrenta cenário similar é reportar os ataques à plataforma da rede social em questão e portais como o Safernet, que recebe denúncias de violações de direitos humanos e as encaminha às autoridades competentes para investigação.

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  • Jess Carvalho

    Jess Carvalho é jornalista e pesquisadora da bissexualidade. Atua como editora, repórter e colunista no Portal Catarinas...

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