Suzi vem apresentando problemas respiratórios ligados à alimentação desde 11 de agosto e ficou quatro dias hospitalizada. A mãe só foi informada na última quarta-feira (18), no dia da alta.

Em 16 de agosto, a assistente social responsável pelo abrigo onde a bebê de Andrielli Amanda dos Santos, 21 anos, encontra-se acolhida institucionalmente, enviou ofício à Vara da Infância e da Juventude da Comarca da Capital, no qual informa que Suzi vem “apresentando grande desconforto ao mamar”. Desde 11 de agosto a bebê tem sido levada a emergências médicas por ter “regurgitado, voltando leite pelo nariz, duas horas após a mamada”, o que tem causado dificuldades respiratórias. Nesta quarta-feira (18), após quatro dias da hospitalização, que ocorreu em 14 de agosto, Suzi recebeu alta do Hospital Infantil Joana de Gusmão, em Florianópolis. Ainda nesta semana será submetida a uma traqueoscopia, exame realizado em Centro Cirúrgico.

Andrielli só descobriu sobre os problemas de saúde da filha nesta terça-feira (17), seis dias após os primeiros sintomas. Com a camiseta molhada de leite que ainda jorra do seu peito, recebeu a notícia logo após ter realizado uma entrevista de emprego. A jovem teria direito ao benefício da licença maternidade não fosse a separação compulsória.

“Informavam que ela estava bem, que se alimentava normalmente, que mal chorava. Faz dois dias que não me atendem. Por que negar para família as informações relacionadas à saúde dela? Por que mentir para nós? Eu e meus familiares estamos muito indignados com tudo isso”, relatou Andrielli.

Ainda segundo conta Andrielli, a sua cunhada, irmã do pai de Suzi, havia sido informada pelo abrigo de que nas próximas semanas não seriam mais repassadas informações a respeito da bebê, o que gerou desconfiança. Nesta quarta-feira (18), após a jovem ter ligado para o hospital para se informar do estado de saúde da filha, o abrigo comunicou que a bebê “está passando por baterias de exames, mas sem nenhum diagnóstico”. “Por hora todos os exames realizados estão dentro do padrão de normalidade”. No mesmo dia, porém, a mãe recebeu a informação, após contato feito pelo defensor que a assiste, sobre um possível diagnóstico de “laringomalácia”, que é uma anomalia congênita da laringe.

Andrielli havia preparado o enxoval para receber a bebê/Foto: reprodução Instagram

Mamadeira leva a maior risco de broncoaspiração

Esse tipo de sintoma relacionado à alimentação é chamado de broncoaspiração, como nos explicou a pediatra Amanda Ibagy, especialista em aleitamento materno. A laringomalácia aumenta as chances de broncoaspiração, que é a entrada de alimentos na via respiratória, e em situações graves pode levar a apneia. O fato da bebê ter sido submetida à alimentação artificial também acarreta maior risco de broncoaspiração, como explica a médica.

“Uma criança pode broncoaspirar também mamando, mas diminui a chance, porque quando mama no seio ela vai ingerir um volume de em média 8 milímetros por minuto, na mamadeira o fluxo aumenta 3 a 4 vezes, a chance de se engasgar é maior”, detalha.

A pediatra avalia que a fórmula dada à criança, conforme o relato do abrigo, apresenta baixa qualidade nutricional. “A composição nutricional não chega nem aos pés do leite materno. Em comparação com outras fórmulas, há algumas com composição protética melhores. Se eu for tirar uma criança do leite materno, então não vou dar um leite tão ruim, eu vou dar um leite um pouco melhor”, analisa.

Ainda, de acordo com a médica, o fato do bebê tomar mamadeira aumenta a chance de desenvolver vários problemas de saúde.

“Leite materno protege de alergia, de infecções e muito mais. Tiraram dessa criança o direito de receber essa proteção via leite materno, foi negado o direito de ser amamentada e por causa disso foi para o hospital, onde há maior chance de pegar infecção hospitalar e outros problemas decorrentes de internação”, enfatiza.

A traqueoscopia agendada para esta quinta-feira (19) é um exame realizado para identificar o grau da anomalia congênita, se for grave a criança precisa ser operada para a desobstrução da via área.

Justiça nega recurso para Andrielli visitar a filha no abrigo

Três dias após os primeiros sintomas da bebê, em 13 de agosto, o desembargador Fernando Carioni negou o recurso da defesa de Andrielli para que ela fosse autorizada a visitar a filha no abrigo. O argumento central do defensor público que a assiste, Marcelo Scherer da Silva, é justamente a necessidade do aleitamento materno e o reforço dos laços afetivos na fase inicial da vida, por serem “indispensáveis ao desenvolvimento sadio da criança”.

“Para além do entendimento de que a administração exclusiva do leite materno é a melhor maneira de alimentar as crianças até os seis meses de vida, a bibliografia também registra que a amamentação é o modo mais seguro, eficaz e completo de assegurar o crescimento e o desenvolvimento sadio de uma criança”, afirma na peça.

Suzi foi acolhida institucionalmente pelo Conselho Tutelar de Florianópolis em medida caracterizada de urgência, logo após o parto no Hospital Universitário, em 28 de julho, como se a mãe oferecesse risco ao seu desenvolvimento e à própria vida da recém-nascida. Ainda que o caso só tenha sido judicializado seis dias após a separação compulsória, a juíza de Direito Brigitte Remor de Souza May, da Vara da Infância e da Juventude da Comarca da Capital, acolheu o pedido de tutela de urgência, em decisão liminar. A decisão mantém o acolhimento institucional, suspende o poder familiar e veda à criança o recebimento de visitas de sua mãe e família ampliada.

Segundo consta na peça do recurso, a decisão da juíza levou em conta relato do Conselho Tutelar de que a mãe teria sido negligente durante a gestação ao não realizar corretamente o pré-natal, fazer uso de drogas e/ou álcool e viver em alguns momentos da gestação em situação de rua. Fatos que são contestados pelo defensor.

Conforme elencou Scherer, a justiça não considerou que Andrielli atualmente tem residência fixa e se preparou para o nascimento da filha com um enxoval. Além disso, a jovem está matriculada em um centro de Educação de Jovens e Adultos (EJA), onde tem 100% de frequência.

“Evidentemente, este comprometimento em participar de todas as aulas é incompatível com pessoa usuária de drogas, o que torna ainda mais equivocada essa hipótese”, defendeu.

O defensor alegou que os princípios da intervenção mínima, da proporcionalidade e atualidade da medida de proteção não têm sido aplicados desde o acolhimento de urgência, o que torna a decisão da justiça “tão grave e tão excepcional”.

A peça sustenta, ainda, que a família ampliada paterna também está disposta a dar apoio nos cuidados de Suzi e já se movimentou para requerer a guarda, com o intuito de evitar que o tempo de institucionalização prejudique o desenvolvimento dela.

Nesta quinta-feira (19), Andrielli se junto ao ato do Dia Nacional da População em Situação de Rua, realizado em frente à Alesc, em Florianópolis, na luta pelo direito à moradia/Foto: Gabriel Amado

Além da situação atual de Andrielli não oferecer riscos ao desenvolvimento da criança, todos os organismos internacionais de direitos humanos, assim como pesquisas científicas, apontam para a necessidade do convívio entre mãe e filha. “Nem mãe nem família ampliada adotou qualquer conduta no sentido de ofender propositalmente os direitos da criança e, por isso, não há risco algum em Suzi receber a visita da mãe e família extensa. Aliás, as visitas ocorrerão na própria casa de acolhimento”, apontou o defensor no pedido em defesa da visita.

“O Estatuto da Criança e do Adolescente adotou como princípio a convivência familiar, o que recomenda que, na promoção de direitos e na proteção da criança e do adolescente, deve ser dada prevalência às medidas que os mantenham ou reintegrem na sua família natural ou extensa”, acrescentou no recurso.

O desembargador negou a súplica da mãe e família paterna de Suzi com a justificativa de “ausência dos requisitos do artigo 300 do Código de Processo Penal (CPC), segundo o qual “a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”. Ou seja, o magistrado entendeu que não havia urgência ou indícios fortes que sustentassem o pedido.

Nesta semana a jovem tentou realizar o registro de nascimento de Suzi/Foto: Gabriel Amado

Mobilização em defesa da jovem

A criança ainda está sem o registro de nascimento. Andrielli foi informada do despacho para liberação do registro, mas ainda não houve comunicação oficial aos cartórios. Além de ter a filha retirada, Andrielli também foi submetida a uma laqueadura sem o seu consentimento no Hospital Universitário, fato informado nos autos do processo por meio do relatório do Conselho Tutelar.

A vereadora Carla Ayres (PT) encaminhou requerimento para a realização de Reunião Ampliada na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher e da Promoção da Igualdade de Gênero, em conjunto com a Comissão de Saúde, para debater e buscar esclarecimentos sobre a atuação do Conselho Tutelar nas gestações das mulheres em situação de rua e/ou usuárias de drogas.

A Frente Parlamentar Feminista Antirracista com Participação Popular repudiou em nota, na terça-feira (17), as “práticas discriminatórias e atentatórias aos direitos das mulheres que têm seus filhos retirados de sua guarda”. “Que o estado se responsabilize por esta ação ilegítima e ilegal de proibição da amamentação e da laqueadura compulsória, sem prévio consentimento. O Estado já lhe roubou o direito a uma opção futura pela maternidade, o que já é inadmissível. Negar-lhe a maternidade presente é desumano”, afirmaram as parlamentares na nota.

Cartaz da nota publicada pela Frente Parlamentar Feminista Antirracista.

No mesmo dia, a Comissão de Direitos Humanos Comitê de Antropólogas/os Negras/os Comitê de Gênero e Sexualidade da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) se solidarizou em nota favorável à garantia do direito de mãe e filha à amamentação e registro oficial, enquanto direitos fundamentais à vida e ao nome.

“Chamamos a atenção para as graves violações de direitos que sofrem mulheres vulnerabilizadas nas suas condições de sobrevivência econômica, social e de saúde, sobretudo mulheres negras que são ou foram usuárias de drogas e/ou estiveram em situação de rua, quando se trata de exercer o direito à maternidade e os cuidados associados a ela para com seus bebês”, afirmam.

*Atualizada às 14h03, em 19 de agosto.

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  • Paula Guimarães

    Paula Guimarães é jornalista e cofundadora do Portal Catarinas. Escreve sobre direitos humanos das meninas e mulheres. É...

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