Por Samantha Lodi, especial para Catarinas.

Cada caso um nome, uma polêmica que tentam singularizar, apresentar como exceção, como um susto, mas são várias ocorrências nesse “Brasilzão” que precisam ser relacionadas. Não importa o nome, a forma como se dá, o fato é que estamos convivendo há anos com o fascismo por aqui.

Precisamos parar de separar os casos e entender esse fenômeno em seu todo, enxergar esse monstro por inteiro, compreender todos os seus braços e como eles sufocam os princípios de uma sociedade democrática.

Há quem defenda publicamente a formação de um partido nazista, certo de sua impunidade. Impunidade declarada e aberta desde o processo de impeachment de Dilma Rousseff, quando ouvimos discursos criminosos de ódio como se isso fosse liberdade de expressão. Dois conceitos que estão claramente definidos por nossa Constituição, mas que, na prática dos últimos tempos, misturam-se diretamente, ao bel prazer do interlocutor.

É crime defender o extermínio de qualquer grupo que seja, cercear a liberdade do outro, atentar contra sua vida, como fizeram em relação aos judeus na semana passada em um podcast defendendo um partido nazista no Brasil (oi?).  O nazismo que perseguiu e matou judeus, negros, ciganos, comunistas, anarquistas, homossexuais, testemunhas de jeová, prisioneiros políticos, deficientes e pessoas consideradas socialmente inadaptadas.

Essa apologia ao crime não nasceu em 2016, longe disso, pelas ruas interioranas, pelas capitais estaduais as suásticas já estavam espalhadas em roupas, acessórios ou tatuadas na pele. Bizarramente carregadas por aqueles/as que seriam mortos em um regime nazista, por sua raça não pura. Na base do nazismo, o fascismo é isso que precisamos entender para combater.

Não é possível estabelecer um debate com fascistas, pois estão tão fascinados em suas ideias e crenças, por seu autoritarismo que não conseguem raciocinar fora do que lhe foi imposto e é bravamente repetido.

O fascismo ancora-se na ideia de um inimigo que precisa ser combatido e propaga-se amarrado em alguma crise real ou criada, que geram medo e incerteza.  Um nacionalismo de base chauvinista é sempre evocado, colocando a pátria amada acima de tudo e de todos, convidando à atitude bélica e militarizada para defender a nação. Essa estratégia é amplamente utilizada na manipulação das massas, buscando conferir uma característica popular ao processo. O tipo de “argumento” empregado é uma retórica agressiva, com intuito de causar agitação e violência.

Os meios de comunicação ajudam na difusão do discurso enérgico. Aliás, os meios de comunicação sempre foram aliados da retórica agressiva de todo fascista. Atualmente, com redes sociais e a velocidade do whatsapp, as notícias falsas, com intuito de confundir, foram viralizadas causando grandes danos – como por exemplo sobre vacinação.

Na retórica fascista, retoma-se uma ideia de tradição idealista e irreal como o conceito de família tradicional baseada em pai, mãe e filhas/os opondo-se raivosamente às famílias reais, que, em sua maioria, estão bem distantes deste modelo. Até porque esse modelo familiar era calcado no silenciamento da mulher e na sua submissão econômica, social e cultural.

O lugar da mulher na concepção fascista é o mesmo lugar que a mulher é colocada no machismo, um local de subordinação, pois ela deve ser “recatada e do lar”. Deve fazer sacrifícios por sua família, abdicar ao pessoal em nome de sua composição familiar. Aliás, a hierarquização das pessoas, não só entre mulheres e homens é fundamental nesse tipo de ideologia, assim difundem-se os preconceitos generalizados que são completamente antidemocráticos.

Clara Zetkin, revolucionária comunista alemã, em 1923, fez uma interessante análise do perigo do fascismo e dos caminhos que ele poderia tomar, apontando suas características e a necessidade de uma frente única de combate à sua ideologia de forma internacional.

Aqui nas Américas, Maria Lacerda de Moura é considerada uma das primeiras mulheres a se posicionar contra o fascismo no início dos anos 1930 com clareza da relação direta que este movimento de extrema direita com a igreja e o capital. Maria Lacerda também aponta o machismo fortemente colocado pelas ideias fascistas.

Entre momentos históricos específicos e atualidade, entre pequenas nuances de diferenciação, sua base permanece intacta, precisamos compreender que o fascismo está entre nós.  Fascismo posto como ideologia e como prática cotidiana como reflete a filósofa Marcia Tiburi ao debater o tema hoje, em nosso contexto.

A compreensão deste processo, deste monstro com vários braços, nos dará força para mobilizações e para exigir a criminalização de atos fascistas. Combater o fascismo é ir contra os preconceitos, os discursos de ódio, a violência, a banalização da morte e uma série de atos que uma sociedade democrática não pode e não deve corroborar.

Pela humanidade, fascistas não passarão!

Referências

MOURA, Maria Lacerda. Fascismo: filho dileto da igreja e do capital. São Paulo: Entremares, 2018.

________. Clero e fascismo: horda de embrutecedores! São Paulo: Centro de Cultura Social, 2021.

TIBURI, Márcia. Como conversar com um fascista. Rio de Janeiro: Record, 2018.

ZETKIN, Clara. Como nasce e morre o fascismo. São Paulo: Autonomia literária, 2019.

*Samantha Lodi é doutora em Educação pela UNICAMP, na área História da Educação. Historiadora e Pesquisadora. Professora na Escola As Pensadoras.

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