Apenas duas mulheres disputam nestas eleições o cargo da presidência da República, Vera Lúcia (PSTU) e Marina Silva (REDE). Dando continuidade à cobertura do pleito, com enfoque na participação e visibilidade das candidaturas de mulheres, o Portal Catarinas entrevistou a candidata do PSTU para saber sobre as suas propostas, sua visão de sociedade, assim como a sua trajetória de vida e política. Vera Lúcia, mulher negra nascida no sertão de Pernambuco, tem 51 anos, foi operária no setor de calçados e, atualmente, é formada em Ciência Sociais. “E a minha vida na política começou na fábrica. Eu trabalhava na fábrica e a exploração era muito grande”, conta ela sobre a seu ingresso no movimento sindical. Para a candidata, o capitalismo utiliza as desigualdades e torna-as muito lucrativas, justificando, por exemplo, uma mulher ter a mesma função do que um homem no trabalho e receber menos do que ele. Assim, como justifica um homem negro ganhar menos do que um homem branco ou que uma mulher negra ganhe menos do que uma mulher branca e do que um homem negro e, assim, sucessivamente. “Os transexuais a maioria nem sequer tem acesso ao trabalho. Todos esses mecanismos são utilizados para garantir o lucro de um punhado de empresários, que é a classe dominante no nosso país”, afirmou. Revogar todas as reformas do governo de Michel Temer e organizar a classe trabalhadora para uma revolução socialista fazem parte do projeto de Vera Lúcia se eleita.

Portal Catarinas – Conte um pouco sobre a trajetória de vida, sobre ser uma mulher na política.
Vera Lúcia – Eu sou a mulher mais normal do mundo. Eu sou negra, nem preciso dizer, basta olhar. Sou como milhões de mulheres da classe trabalhadora que é negra, que é pobre, que vive nas periferias das cidades. Comecei a trabalhar desde cedo, vim do sertão nordestino, mais especificamente do sertão de Pernambuco, e fui morar em Sergipe. O lugar onde nasci, não é que não tenha água no sertão, no sertão tem água para quem é rico. Tanto é assim que hoje o agronegócio está lá produzindo frutas para a exportação. E também porque não tem escola e eu precisava estudar. E na cidade eu comecei a trabalhar desde cedo, eu e meus irmãos, eu com 14 anos de idade, fiz várias coisas. A gente costuma dizer que pobre não tem o direito de ter só uma profissão, a gente trabalha no que aparece para sobreviver. Fui faxineira, fui garçonete, sou costureira de sapatos. Hoje sou graduada em Ciências Sociais, mas isso muito mais recentemente. E a minha vida na política começou na fábrica. Eu trabalhava na fábrica e a exploração era muito grande. Quando eu comecei a trabalhar lá, a jornada era de 48 horas. Até 1988 a jornada no Brasil era de 48 horas semanais. Na fábrica que eu trabalhava a gente trabalhava fazendo compensação de hora, então, era uma jornada de dez horas diárias. Pegava de 15h até 1h da manhã. Foi assim durante muito tempo. E foi lá que eu encontrei os companheiros do sindicato e também do partido. No PSTU eu estou desde 1992, quando rompe com o PT, no auge daquela polêmica sobre o fora Collor, e sou militante até hoje. Tenho muito orgulho de ser do PSTU. É um partido que ensina pra gente aquilo que você não aprende em lugar nenhum que é o de desalienar, compreender a sociedade que você vive e saber que é produtora da riqueza, que só a classe trabalhadora pode mudar essa realidade. Como ela produz, ela também pode se apropriar do resultado do seu trabalho. Isso a gente aprende no partido.

Foto: divulgação

Portal Catarinas – Como o PSTU, a partir da sua visão de sociedade, entende a relação entre o capitalismo e as opressões de gênero, raça, etnia e sexualidade?
Vera Lúcia – O PSTU é um partido socialista, um partido revolucionário. Ele tem por objetivo organizar a classe trabalhadora para fazer a revolução socialista. Entendemos que nos marcos do sistema capitalista as condições de vida da nossa classe não se resolvem. O sistema capitalista se utiliza de coisas combinadas para além da exploração, também a opressão. Então o machismo, o racismo, a LGBTfobia, a xenofobia, são todos elementos que combinados servem apenas para intensificar a exploração que garante o lucro na sociedade capitalistas, que é uma sociedade baseada no lucro e no trabalho assalariado. A nossa luta é em defesa de uma sociedade socialista. Tem exatamente os pressupostos contrários. A socialização dos meios de produção e, consequentemente, o fim da exploração e de todos os tipos de opressão.

Portal Catarinas – Dentro do seu programa, existem pautas específicas para combate da LGBTfobia, do machismo, do racismo etc. Quais mecanismos são necessários para que esses objetivos se efetivem, entendendo que essas opressões apresentam fatores culturais?
Vera Lúcia – A luta contra a opressão das mulheres e ao racismo são lutas que se combinam com a luta contra a exploração. Nós não podemos esperar que acabe a exploração do sistema capitalista.

Nós não somos daqueles que defendem que primeiro você faz uma revolução socialista para depois lutar contra a opressão, mas também não achamos que é possível resolver o problema da opressão do racismo, da xenofobia, da LGBTfobia, nos marcos do sistema capitalista.

Porque o sistema capitalista ele transforma as nossas diferenças em desigualdades. Ao utilizá-las como desigualdades isso é altamente lucrativo porque justifica, por exemplo, uma mulher ter a mesma função do que um homem no trabalho e receber menos que ele. De que um homem negro ganhe menos do que um homem branco. De que uma mulher negra ganhe menos do que uma mulher branca e do que um homem negro e, assim, sucessivamente. Os transexuais a maioria nem sequer tem acesso ao trabalho. Todos esses mecanismos são utilizados para garantir o lucro de um punhado de empresários, que é a classe dominante no nosso país. Para atender essas necessidades nós temos que combinar essa luta. Nós dizemos o seguinte: ‘os homens da classe trabalhadora nas suas práticas machistas dividem a classe trabalhadora’.

Então, nós mulheres na vanguarda da luta fazemos um chamado aos homens da nossa classe a lutar contra o seu machismo porque nós precisamos da unidade da nossa classe para lutar contra a exploração capitalista, que é o nosso principal inimigo, do mesmo jeito que fazemos o chamado para lutar contra o seu racismo.

O racismo divide a nossa classe e, consequentemente, nós precisamos dessa unidade, dos pretos e dos brancos para lutar contra a exploração capitalista. Do mesmo jeito que chamamos héteros, homo, trans para lutarem contra o sistema capitalista. Então, toda essa luta nós fazemos de forma combinada. Ao mesmo tempo em que achamos que ela não é possível de ser resolvida nos marcos do sistema capitalista, achamos também que não podemos travar a luta contra a exploração sem que levemos junto com ela a luta contra todo o tipo de opressão. Elas são indissociáveis.

Portal Catarinas – Como você analisa esse cenário político nacional, com uma mobilização reacionária muito forte e que tem apresentado grande expressão na disputa?
Vera Lúcia – O sistema capitalista passa por uma crise econômica muito profunda. Essa é uma crise sistêmica e internacional. Tem desdobramentos muito fortes, são catastróficos em países como o Brasil. Não só no Brasil, na Venezuela, na Argentina, o caos na Nicarágua. Todos os países subdesenvolvidos. Os países semicoloniais. E junto com isso tem uma crise política muito grande também para além da exploração ainda tem todo o tipo de falcatrua por meio da corrupção na relação das empresas com o Estado. Com o Parlamento, com o Executivo, com o Judiciário. O que existe hoje, fruto dessa realidade, de crise econômica profunda e de crise política também de grandes proporções, existe uma polarização da luta de classes no Brasil, que também não é só no Brasil. Você olha para o mundo inteiro ele tem se levantado, na Europa os planos de austeridade, na África, na Ásia, até nos Estados Unidos. E aqui também na América Latina, você vê o Chile se levantando, a Argentina se levantar, o Paraguai que colocou fogo no parlamento. E aqui no Brasil que desde 2013, a classe trabalhadora tem se lançado em várias lutas. Isso é fruto do descontentamento como resultado das suas condições de vida. O índice de desemprego é muito grande, é a precarização dos serviços públicos, consequentemente o aumento da violência, o encarceramento em massa da nossa juventude, a criminalização da pobreza. A criminalização de quem é preto e quem é pobre, geralmente quando você olha para um jovem que é negro e que é pobre, ele é visto como um bandido em potencial, ele tem que provar que não é bandido. Então como um resultado dessa realidade que é muito dura, muito cruel para a nossa classe, ela teve que se levantar e lutar bastante. Negando toda essa estrutura. Por exemplo, ela não acredita no Parlamento, não acredita no Executivo, não acredita no Judiciário, ela tem medo e tem ódio da polícia. E como consequência ela está buscando uma saída. E nesses momentos a burguesia também quer se apresentar como saída. A burguesia tem uma unidade, quando ela se junta para tirar aquilo que é nosso. E todo mundo está apresentando uma saída para o sistema. Nós estamos apresentando uma saída para a nossa classe e de ruptura com esse sistema. Porque a realidade que nós vivemos hoje é produto do funcionamento da sociedade capitalista, da natureza desse sistema.

Para nós lutar não é uma escolha, é uma necessidade para sobreviver.

Vera destaca que os espaços formais para o PSTU apresentar suas pautas à sociedade é muito restrito/Foto: divulgação

Portal Catarinas – A revogação das reformas seria o primeiro passo da sua atuação como presidenta?
Vera Lúcia – E a revogação de todas as leis e reformas que foram feitas contra a classe trabalhadora. A lei da terceirização é um absurdo. A reforma trabalhista, que nem começa no governo Temer, é bom que a gente coloque. A reforma trabalhista começa no governo Dilma, no auge da crise econômica, quando estava se desempregando absurdamente nesse país. As medidas 664 e 665 dificultaram o acesso dos trabalhadores ao seguro desemprego e ao PIS e ao direito à pensão por morte. Quem mais precisa dessa pensão por morte, que veem seus companheiros morrerem, muitas vezes cedo, por acidente de trabalho ou por adoecimento nos locais de trabalho, são as mulheres mais pobres. E foi Dilma quem fez isso. E agora Temer que era seu vice e que joga a pá de cal e retira direitos da classe trabalhadora, que foram resultado da luta desde o início do século passado e tudo isso para atender aos interesses dos grandes empresários. A reforma que eles querem fazer da previdência é para garantir os interesses dos bancos e o pagamento da dívida pública. E nós vamos tirar de quem tem, que é deles. E o que eles tem nem é produto do trabalho deles, mas do nosso. E nós vamos buscar o que é nosso, o que é justo.

Portal Catarinas – E como é possível construir essa unidade proposta?
Vera Lúcia – Só tem uma forma, a classe trabalhadora só tem força se estiver junta. Inclusive uma das centralidades do sistema capitalista é a luta pelo indivíduo. Ele diz que o indivíduo se basta. Nós só podemos mudar essa realidade com a classe trabalhadora unida e voltando para o seu inimigo que é a burguesia, identificando seus diques de contensão, que nós chamamos de reformistas. Os setores da classe trabalhadora, que se colocam como uma barreira, dificultam muito o acesso às nossas lutas. Nós já poderíamos ter derrubado o Temer se não tivesse os traidores no movimento, que ao invés de fazer o enfrentamento direto com o governo para derrubar esse Congresso e suas medidas apostam em uma eleição que são jogos de cartas marcadas, em que os mesmos vão ganhar.

O PSTU tem um projeto de sociedade, mas nós temos cinco segundos nos veículos de comunicação.

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