Hoje, venho colocar para vocês um pouco dos anseios de uma parcela da população que sempre foi tratada como se não devesse ser ouvida nem vista. Falo como mulher negra que sou.
A população negra é maioria, quantitativamente, mas, quando se fala em acesso a direitos, deve ser tratada enquanto minoria. Neste sentido, pelo histórico racista de violações e negações de direitos, somos as pessoas que mais vão sofrer com a atual pandemia. Estamos em maior número nas favelas e cárceres Brasil afora. Infelizmente, seremos, também, os que mais morrerão por Covid-19.
O pronunciamento do Presidente na última quarta-feira traduziu, em novos contornos, o que há de mais perverso na política deste país.
Ao afirmar que a economia não poderia ser afetada pelos cuidados com a saúde, Bolsonaro escancara a sua necropolítica, tratando as mortes que virão como meros números numa fria tela de computador.
A Constituição fala que todos são iguais perante a lei, mas de que igualdade estamos falando? Podemos dizer que as pessoas das diferentes classes sociais estão expostas aos mesmos riscos? Não nos esqueçamos que trabalho braçal e doméstico, para ficarmos apenas nestes dois exemplos, não podem ser feitos via home office.
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Os movimentos, grupos e núcleos de mulheres negras, há 30 anos, falam da nossa importância dentro dos núcleos familiares, exercendo o papel de pilar em todos os aspectos: sustento; saúde; cuidado; companheirismo; afeto.
A partir de todo este entendimento, nasce um grupo específico em 2003: mães e familiares de jovens que cumprem medidas socioeducativas, encarcerados ou mortos pelo braço armado deste Estado racista e genocida.
Essas mães e familiares se apoiam mutuamente, sofrem juntas e seguem em frente com o respaldo umas das outras. Neste momento de isolamento social, nos tornamos ainda mais vulneráveis emocionalmente, o que reflete na nossa saúde física, uma vez que muitas desenvolvemos (eu inclusive) hipertensão, diabetes e outras doenças crônicas após as violações que sofremos.
Agora, esperamos que, finalmente, a opinião pública passe a enxergar, de uma vez por todas, a favela e seus moradores como seres humanos e parte integrante da sociedade. Queremos que a solidariedade, necessária no combate ao coronavírus, não acabe junto com ele. Lutamos para que esta crise humanitária nos permita ter mais humanidade, porque nós, mulheres negras, somos diversas, mas não dispersas, e faremos a nossa parte, como estamos fazendo durante a pandemia, para parir um novo país quando ela passar.
*Mônica Cunha é fundadora do Movimento Moquele e coordenadora da Comissão de Direitos Humanos da ALERJ.