Por Basuras Coletiva.

Hoje é o Dia Mundial da Água. Diante de um cenário neoliberal que prioriza o lucro e não a vida, a água vem sendo tratada como uma mercadoria. Mas a profunda conexão que temos com este elemento literalmente vital para nós está muito além da bolsa de valores. Procuramos rios, cachoeiras e mares quando precisamos espairecer, pensar ou simplesmente nos divertir. Também consideramos sagradas aquelas águas que passaram por algum ritual e nos abençoam.

Então, mesmo diante deste cenário político que entende o que é a água e como ela deve ser usada em prol de seu próprio benefício por meio de leis, a nossa relação com este elemento é vibrante e se manifesta em resistência. Protagonizada por povos originários, trabalhadoras rurais, ribeirinhas, pescadoras, curandeiras e demais pessoas realmente tensionadas pela questão hídrica, a  proteção da água é ancestral e presente de diferentes formas no cotidiano. 

Ação de lambe lambe

O Rio Belém corta 36 (dos 75) bairros de Curitiba. Nos 64 km que suas águas percorrem da nascente até o deságue no Rio Iguaçu, muitas paisagens são vividas: parques, ocupações, vilas, centro e ciclovias. Das casas que ficam alagadas quando chove um pouco mais até as pessoas que sequer enxergam que na frente de seus apartamentos passa um rio, conforme o Rio Belém cruza a cidade, ele revela contradições.

Ali na Avenida Cândido de Abreu, embora o rio Belém ainda não tenha percorrido nem metade de sua extensão total, ele desaparece em uma canalização submersa que se estende por todo Centro de Curitiba. Esse ponto é ao lado do local que os poderes burocráticos exercem seus interesses pessoais em formato de políticas públicas no palácio das araucárias (sede do governo), ALEP (deputados) e palácio 29 de março (prefeitura). Canalizar um rio é, além de matá-lo, ocasionar uma série de pontos negativos para a sociedade, como as enchentes.

O Rio Belém permanece invisível por todo o centro de Curitiba

Escolhemos esta encruzilhada para montar o lambe “proprio território”, feito pelas coletivas Basuras (BR) e Avivar (Chile). A colagem mescla desenhos, pinturas e informações sobre os processos de privatização da água e questões simbólicas deste elemento vital que nos atravessa diariamente de diferentes formas, seja bebendo um copo dágua, tomando banho, mergulhando no mar, em rituais sagrados, lavando a louça, puxando a descarga…

Colado no dia de mãe Iemanjá (2 de fevereiro) a mescla de mensagens propõe um convite a pensar a água, escutar seus barulhos, se informar sobre seus processos de privatização, refletir para onde foi o rio a partir daquele ponto, perguntar quem é o dono da chuva, compartilhar ideias, reivindicar o próprio território.

Equipe que participou desta ação: Bea Lake, Gabizira, Mari Tolentino, Nara e Tonho.

A situação de Curitiba e Região Metropolitana: Água não é mercadoria! 

Ao longo de 2020, Curitiba e Região Metropolitana passaram por uma grave crise hídrica. Com rodízios que ainda estão acontecendo, boa parte da população da cidade (52 bairros) tem água um dia e meio sim e outro não. Mesmo diante dessa situação, a companhia que gerencia os serviços de saneamento do Paraná, a Sanepar, lucrou mais em 2020 do que em 2019 e quis lucrar mais ainda, ao tentar aplicar um aumento na tarifa de 9,28% que foi barrado pelo governo do estado em outubro de 2020.

Entretanto, a anulação não persistiu. Mesmo diante do racionamento de água, um aumento de 5,11% foi implementado a partir de 5 de fevereiro na conta dos paranaenses. É importante ressaltar que o racionamento vem acontecendo há mais de um ano durante a pandemia de Covid-19, momento em que “lavar as mãos” significa evitar o contágio e salvar vidas.

No âmbito nacional, o PL 4.162/2019 aprovado pela câmara dos deputados e senadores obriga que os municípios realizem licitações para contratação dos serviços de saneamento (que compreende gestão da água, esgoto e resíduos sólidos) com empresas públicas E privadas, com facilidades para empresas privadas. E o PL 495/2017, avança na privatização das águas, tanto de rios, como de lençóis freáticos. 

As consequências da privatização da água são muitas, como falta de cobertura em regiões mais pobres e aumento constante de tarifa. Afinal, com foco no lucro, a população fica em segundo plano. Diante destas consequências, vários estados brasileiros e países em que os serviços de água foram privatizados estão passando por um processo de desprivatização. Atualmente no Brasil, 77 cidades estão passando pelo processo de desprivatização do serviço de saneamento. O que nos rende o 2º lugar de “país que mais desprivatiza a água no mundo”, atrás apenas da França.

Fontes, referências e movimentações para acompanhar:

Informações sobre o Rio Belém: http://www.cuidedosrios.eco.br/rio-belem/ e
https://www.memoriaurbana.com.br/matadouro-municipal-guabirotuba/o-rio-belem/.

Paisagens do Rio Belém de sua nascente até o deságue: https://retratosdobelem.blogspot.com/search/label/2%20Conjuntos%20paisag%C3%ADsticos

Sobre a privatização da água no Brasil: https://www.brasildefato.com.br/2020/06/24/senado-aprova-novo-marco-legal-do-saneamento-que-abre-setor-para-privatizacoes

Sobre a privatização da Sanepar: https://www.brasildefatopr.com.br/2019/04/26/coluna-poremnet-or-tarifa-da-sanepar-subiu-11125-desde-2012

Sobre a água na bolsa de valores:
https://brasil.elpais.com/economia/2020-12-09/o-que-significa-a-agua-comecar-a-ser-cotizada-no-mercado-de-futuros-de-wall-street.html

Desenhamos fatos sobre qualidade da água no Brasil: https://www.aosfatos.org/noticias/desenhamos-fatos-sobre-qualidade-da-agua-no-brasil/

Movimento Atingidos por Barragens:
https://mab.org.br/2020/10/30/artigo-torneira-seca-e-tarifa-cara-sao-os-custos-da-privatizacao-da-agua-no-parana/#

Liga Mulheres pelo Oceano
https://www.mulherespelosoceanos.com.br/

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