Por melhores dias para as mães
Catarinas entrevistou duas mães trabalhadoras para contar um pouco da sobrecarga de trabalho com as triplas jornadas e quais alternativas elas encontram diante das dificuldades no mundo do trabalho, da falta de creche e assistência, mas também para reforçar os laços de afeto familiar.
A escola prepara uma noite especial para celebrar o dia das mães. Palestrantes falam de cuidados com as crianças, especialistas falam sobre educação. Diante de tantas orientações essenciais para que se seja uma mãe ideal, uma mulher levanta o braço e desabafa: “Como ser essa mãe, se chego só a noite do trabalho, tenho que cuidar da casa, do marido, dos filhos? Não tenho tempo para cuidar de mim, muito menos descansar. Eu não sei o que fazer, me sinto cobrada”.
O desabafo reflete o cotidiano de boa parte das mulheres brasileiras. Distante do que se considera “uma mãe perfeita”, estereótipo construído pelo sistema patriarcal-capitalista, ser mãe neste contexto é conviver também com sentimentos de cobrança e julgamento, é acumular funções e jornadas exaustivas. Na pesquisa A nova mãe brasileira de 2016, 70% das entrevistadas dizem se sentir julgadas ou cobradas pela sociedade. Assumir a situação de sobrecarga revela a disparidade nas relações e denota que as mulheres ainda são as principais responsáveis pela educação da prole e pela execução das tarefas domésticas.
“Embora as mulheres realizem as mesmas jornadas externas de trabalho que os homens, elas ainda têm uma tarefa imensa a cumprir em casa. Essa situação é reconhecida pelo estado quando permite que elas se aposentem antes deles porque trabalham mais horas ao longo da vida, direito contestado hoje pela atual proposta de reforma da previdência. Toda essa sobrecarga de trabalho, constituída culturalmente, em que os homens não se sentem de fato responsáveis pela divisão do trabalho doméstico e de cuidado com os demais membros da família, acarreta em esgotamento físico, mas também psíquico às mulheres. Não a toa, 70% da medicação psiquiátrica distribuída no SUS são para mulheres, adoecidas pelo sistema patriarcal-capitalista”, destaca Carmen Lucia Luiz, coordenadora da Comissão de Saúde das Mulheres do Conselho Nacional de Saúde (CNS).
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De acordo com a pesquisa Mulher e trabalho: avanços e continuidade, divulgada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em 2010, as mães dedicam em média 25,9 horas semanais com cuidados com a casa, enquanto os pais apenas 15,5 horas. Corrobora com estes dados o estudo “Situação da Paternidade no Brasil”, de 2016, do Instituto Promundo. Ela demonstra que brincar (72%) e trocar fraldas (42%) são as principais atividades executadas pelos pais no cuidado com os filhos.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio (PNAD), de 2013, 88% da população feminina adulta do Brasil realiza atividades de trabalho não remunerado. Por outro lado, a participação dos homens adultos neste tipo de atividade é de 46%. Quando são analisados os dados relacionados ao trabalho pago, a situação se inverte: 52% das mulheres adultas realizam trabalho pago, enquanto 77% dos homens adultos estão envolvidos em atividades remuneradas.
A realidade das mães se distancia de um ideal construído sobre a maternidade também por não representar os arranjos contemporâneos das novas famílias brasileiras, formadas por mães solo, mães-avós, mães lésbicas ou bissexuais. De acordo com o último censo demográfico realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, 50,1% dos lares brasileiros não de enquadram no modelo tradicional de ‘casal heterossexual com filhos/as’.
A fiscal pública Emanuelle Carvalho, mãe solo e bissexual, destaca que a sociedade não enxerga as mães bissexuais. Para ela, o patriarcado que coloca o ‘parir’ como a única função da mulher., precisa ser superado. “Precisamos de mudanças estruturais para garantir amparo. Para que a gente possa ser vista, os professores estejam preparados para essas novas estruturas, para que não violentem nossos filhos e filhas. É preciso que a gente paute o estado e que derrube essas estruturas conservadoras para que a gente possa se ver livre”, argumenta. “A vida das mães bissexuais é matar um leão por dia. Tem as suas felicidades, como quando seu filho diz que a sua família é a melhor família do mundo, que você luta por uma sociedade mais justa, essas pequenas felicidades fazem a roda girar”, conta.
Diagnosticar a realidade das mães brasileiras é buscar também, em meio à omissão do Estado, as alternativas encontradas pelas mães trabalhadoras em seu cotidiano. Catarinas entrevistou duas mães trabalhadoras para contar um pouco da sobrecarga de trabalho com as triplas jornadas e quais alternativas elas encontram diante das dificuldades no mundo do trabalho, da falta de creche e assistência, mas também para reforçar os laços de afeto familiar. “A gente sabe no olhar se o filho está triste ou alegre, se está com uma lágrima entalada. Dá um abraço que ele quer colocar pra fora”, diz a entrevistada Diva Maria do Nascimento Carlos.
Assista ao Especial
Mãenifesto por dias melhores para as mães
Mães moradoras de rua, trabalhadoras, acadêmicas. Não existe um tipo de mãe, mas várias. E muitas delas são contempladas no Mãenifesto. O documento foi formulado coletivamente e aprovado por dezenas de mães que se reuniram em torno da organização da Greve Internacional de Mulheres (8M) em Florianópolis. O grupo, autodenominado coletivo Mãenifestantes, denuncia e reivindica mudanças que dêem conta das múltiplas necessidades das mães. Ouça a íntegra do Mãenifesto.