Uma em cada quatro mulheres no país sofre violência durante a gestação ou parto, de acordo com a pesquisa “Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado”, feita pela Fundação Perseu Abramo em parceria com o SESC. “Estima-se que esse número seja ainda maior já que intervenções e condutas inadequadas e agressivas por parte de médicos e profissionais de saúde que configuram a violência obstétrica são desconhecidas”, afirma Angela Albino, autora do Projeto de Lei 0482.9/2013, aprovado por unanimidade, na última semana, na Assembleia Legislativa de Santa Catarina. A lei prevê que o Estado deve garantir às gestantes informação e proteção contra esse tipo de violência, que de tão naturalizada no Brasil, não é percebida como tal.

Entre as ações estão a elaboração de Cartilha dos direitos da Gestante e da Parturiente e cartazes que informem os órgãos e trâmites para denúncias. A lei dispõe ainda sobre medidas de divulgação da Política Nacional de Atenção Obstétrica e Neonatal que, entre outras ações, garante o direito à assistência ao parto e ao puerpério de forma humanizada e segura.

“É uma referência jurídica nacional, assim como a lei Nº 208/2013 que obriga maternidades e hospitais públicos e privados a permitirem a presença de doulas no estado. Santa Catarina passa a ser pioneiro em humanização do parto”, afirma Mariana Mescolotto, assessora jurídica da Associação de Doulas de Santa Catarina (Adosc), criada há três meses em Florianópolis.

A lei cita as formas mais comuns de violência em 21 parágrafos e pode ser utilizada como base para ações judiciais, como explica a advogada. “Vai ajudar a efetivar indenizações contra esse tipo de prática, tanto contra profissionais de saúde, quanto instituições. E claro, esperamos que haja fiscalização do Estado em relação às práticas inadequadas”, afirma.

A violência obstétrica passa a ser entendida como uma violência de gênero, que ancorada no controle do corpo da mulher, se manifesta em todo o processo reprodutivo. “Que em algum dia todas as mulheres sejam respeitadas, principalmente nesse momento maravilhoso, de colocar um novo ser no mundo”, afirmou a deputada Ana Paula Lima (PT).

Parto normal não deve ser violento
O Brasil é campeão mundial em cesariana. Enquanto pela recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), o índice devia ser de 15%, mais da metade dos nascimentos no país acontece por meio desse tipo de cirurgia invasiva, indicada somente para salvar vidas. Conforme a presidenta da Adosc, Gabriela Zanella, submeter uma mulher a uma cesariana sem necessidade ou sem que ela tenha sido devidamente esclarecida é uma violência obstétrica.

Procedimentos que aumentam chances de risco durante o trabalho de parto, como o uso rotineiro de ocitocina e o método de empurrar o fundo do útero para o bebe nascer também caracterizam uma agressão. “A violência já está tão naturalizada que a mulher associa o parto normal ao soro, ao empurrão na barriga e ao corte na vagina. Esperamos que se crie uma cultura de empoderamento das mulheres frente a essas questões para que elas possam planejar o próprio parto. É preciso pressão para que profissionais mudem esse modelo, essa forma de entendimento do processo de parto”, afirma a doula.

De acordo com Gabriela, há no Brasil apenas dois tipos de parto o cirúrgico e o “normal”, que longe do que o nome sugere, é violento e cheio de intervenções. Associado ao sofrimento, o parto normal é muitas vezes um processo traumático. Segundo a pesquisa “Nascer no Brasil – Inquérito Nacional sobre Parto e Nascimento”, da Fio Cruz, apenas 5% das mulheres brasileiras tem parto realmente normal, ou seja, sem nenhuma intervenção.

“A primeira grande intervenção foi deitar a mulher. A partir disso vieram todas as outras, como o corte e o soro. Pratica-se parto violento para fazer cesariana. Há um mito que no parto normal a mulher sofre muito. Não precisamos encarar como se fosse só isso. Existe parto prazeroso, respeitoso em que a mulher se sente protagonista. A violência obstétrica coloca em evidência a falta de autonomia da mulher sobre o próprio corpo. Como a mulher não conhece seu próprio corpo e fisionomia do parto, ela o entrega para profissionais, na maioria das vezes formados num modelo de parto totalmente medicalizado”, afirma.

De acordo com o dossiê Violência Obstétrica “Parirás com dor”, elaborado pela Rede Parto do Princípio para a CPMI da Violência Contra as Mulheres, frases como “Na hora que você estava fazendo, você não tava gritando desse jeito, né?”, “Cala a boca! Fica quieta, senão vou te furar todinha” foram relatadas por mulheres que deram à luz em várias cidades do Brasil e resumem um pouco da dor e da humilhação que sofreram na assistência ao parto. Outros relatos frequentemente incluem: comentários agressivos, xingamentos, ameaças, discriminação racial e socioeconômica, exames de toque abusivos, agressão física e tortura psicológica.

 

 

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  • Paula Guimarães

    Jornalista e co-fundadora do Portal Catarinas. Formada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo, pós-graduada...

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