Após 67 dias de greve, categoria decidiu, em votação no dia 29, retornar às atividades presenciais. Semana foi marcada por início da vacinação dos profissionais da educação no município.

Ao longo dos últimos 67 dias, profissionais de educação do município de Florianópolis pararam as suas atividades devido à falta de condições de trabalho diante da pandemia da Covid-19, que vitimou, até o momento, mais de 460 mil vidas brasileiras. “Essencial é a vida” foi o mote da mobilização da categoria, que também saiu às ruas para dialogar com a sociedade.

Em votação encerrada no último sábado, 29, após assembleia realizada no dia anterior, 86,73% das/os trabalhadoras e trabalhadores ligadas/os ao Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal de Florianópolis (Sintrasem) decidiram pelo encerramento da greve. Dois dias antes da deliberação (27), representantes da categoria participaram de uma audiência de conciliação mediada pelo Ministério Público e com a presença da Prefeitura. A decisão afeta as mais de 30 mil crianças, adolescentes e estudantes da educação de Jovens, Adultos e Idosos (EJA) do município.

Prefeitura e Sindicato divergem quanto ao número de servidoras/es em greve. Sindicato afirma que mais de 60% dos/as mais de 5.900 professores/as da rede municipal aderiram à greve, já a Prefeitura, via Secretaria Municipal de Educação, informou que eram 1.846 professores/as em greve, o que representa 30,8%. “Esse é o número que as/os diretoras/es das escolas repassam para a Prefeitura”, informou ao Portal Catarinas o secretário municipal de educação, Maurício Fernandes Pereira.

A proposta colocada em votação foi de retorno das atividades no sistema híbrido a partir desta segunda-feira (31), com compromisso de vacinação das trabalhadoras e trabalhadores das unidades de educação até a próxima quarta-feira (2 de junho), reposição no sistema híbrido dos dias letivos não trabalhados, com prazo para entrega de proposta pelas unidades em até 15 dias. Além isso, a Prefeitura Municipal de Florianópolis assumiu o compromisso de não descontar nenhum dia de salário, nem instalar nenhum tipo de processo nas esferas civil, administrativo ou criminal contra os trabalhadores grevistas, assim como a sua entidade sindical e seus dirigentes, garantindo que não haja punição ou perseguição ao movimento, entre outras condições.

Durante a greve, categoria foi às ruas pedir que o prefeito negociasse o retorno com segurança e vacinação/Créditos: Sintrasem.

Em vídeo divulgado no sábado pelo Sintrasem, o presidente do Sindicato, Renê Marcos Munaro comemorou o que considerou o avanço conquistado pela greve. “Nós avançamos na pauta durante a nossa greve, e a principal conquista da nossa greve é que no dia de hoje temos o companheiros e companheiras que trabalham nas unidades de educação, não somente da nossa categoria, mas também os terceirizados, com a vacina no braço”, avaliou.

Início da vacinação para profissionais da educação de Florianópolis

A Prefeitura começou a vacinação no dia 25 de maio, com as/o profissionais de educação que trabalham em Instituições de Educação Especial, na APAE de Florianópolis. No dia 26, foi a vez de professoras/es e auxiliares de sala da educação infantil (de 0 a 3 anos), tanto de unidades de ensino públicas quanto privadas. Na sexta, 28 de maio, começou a vacinação de trabalhadoras/es da educação infantil e ensino fundamental (até 5º ano). Isso inclui professoras/es, auxiliares, profissionais de limpeza, segurança, merenda, entre outras áreas.

Seguindo o cronograma, na terça, 1 de junho, será a vez de trabalhadoras/es da educação pública e privada do 6º ao 9° ano. De acordo com o Luciano Formigueri, secretário adjunto da Secretaria de Saúde de Florianópolis, a previsão é que todos os profissionais da educação sejam vacinados nos próximos dias.

No início de maio, a Secretaria de Educação realizou um levantamento dos profissionais da área da educação do Município (já vacinados ou não) para mensurar o universo de pessoas que precisariam de vacina. A coordenação dessa ação foi do Comitê Estratégico de Retorno às Aulas no Município de Florianópolis. Segundo o secretário Maurício Fernandes Pereira, cerca de 19 mil professoras/es e funcionários de unidades de educação preencheram o formulário, não só da rede municipal, mas de todas as escolas, creches, universidades e demais unidades, públicas e privadas.

Risco de contaminação nas escolas motivou a greve

A greve teve início no dia 24 de março, quando o Decreto de Ensino Remoto deixou de valer e os/as profissionais da educação passavam a ser obrigados a fazer a transição para o ensino híbrido. No entanto, naquele momento, Santa Catarina passava pelo momento de maior gravidade da contaminação de Covid-19, quando os índices de internação atingiram recordes, com colapso dos serviços de saúde, falta de leitos, Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) se tornando hospitais, pessoas morrendo sem aceso à UTI e, ainda, sem qualquer perspectiva de vacinação para a categoria.

Profissionais em ato na rua, obedecendo distanciamento social e pedindo condições seguras de trabalho/Créditos: Sintrasem.

Assim, como a categoria discutia desde o início da pandemia, em março de 2020, como atuar diante das condições das escolas e da falta de imunização, foram feitas assembleias para definir se fariam uma greve remota, que manteria as atividades do ensino remoto, ou uma greve com cessação dos trabalhos. Na votação, a cessação dos trabalhos venceu.

Desde então, a prefeitura de Florianópolis se negou a negociar com os profissionais em greve. De acordo com o Secretário de Educação do município, Maurício Fernandes Pereira, trata-se de uma política de governo não sentar com grevistas. “O governo não senta com grevista, é determinação de governo não sentar com grevista. Acabou a greve, se senta no outro dia. Com grevista nós não sentamos”.

Para o Sindicato, o motivo de a greve perdurar por tanto tempo foi a intransigência do governo de Gean Loureiro que se negou a negociar com as/os trabalhadores durante 67 dias.

“É uma prática antissindical, autoritária, já vem se evidenciando desde a Greve da Comcap. É uma prática que ele tem desde o primeiro mandato dele, desde a primeira greve, do Pacotão, em 2017. Então estamos nessa disputa”, relata Izabele Cristini da Silva, professora ACT de língua portuguesa da E.B.M. Mâncio Costa.

De acordo com professora, que fez parte do comando de greve, a proposta sempre foi o retorno do ensino presencial, desde que com condições sanitárias seguras. “Não estamos defendendo o ensino remoto, porque entendemos que também é um problema até para nós trabalhadoras, devido à sobrecarga, especialmente das mulheres, porque a categoria é composta majoritariamente por mulheres. Então, é a sobrecarga de uma jornada quádrupla por trabalhar em casa. Além disso, há a defasagem, a desigualdade social entre as/os estudantes. Então, a gente entendeu que não poderia fazer uma defesa do ensino remoto, mas fazer uma defesa do retorno presencial com condições seguras para voltar, com o controle da pandemia. E o controle da pandemia se dá com isolamento, com testagem em massa e o rastreamento pelo menos da comunidade escolar. Isso seria o mínimo. Mas a Prefeitura insistiu todo esse tempo que era impossível fazer testagem, que não tem testes, ao mesmo tempo que dizem na imprensa que testam muito, que é a cidade que mais testa”, argumenta Izabele.

Em audiência pública para discutir o retorno das aulas presenciais no município, realizada pela Comissão de Educação, Cultura e Desporto da Câmara de Vereadoras/es de Florianópolis, e ocorrida no dia 20 de maio, a Gerente de Vigilância Epidemiológica da Prefeitura de Florianópolis, Ana Cristina Vidor, informou que, desde a abertura das escolas em abril até aquele momento, haviam sido 556 casos positivos em Florianópolis envolvendo as escolas, sendo 205 de alunos, 153 de professoras/es e 105 casos de colaboradoras/es de outras áreas (limpeza, cozinha, entre outras).

Segundo Ana Vidor, isso demonstra que mesmo que existam protocolos adotados pelo Estado e pelo Município, chamados de Plancons, há “fragilidade no seguimento dos protocolos e necessidade de aprimoramento dentro das escolas. Tiveram muitos casos dentro das escolas municipais, mesmo com o fechamento das escolas” informou. Segundo a gerente, dos casos em que se conseguiu fechar o vínculo epidemiológico, ao menos 20% dos casos foram surtos que aconteceram dentro das escolas. A profissional também mencionou a necessidade de fazer a testagem dentro das escolas, algo que não tem sido adotado, segundo ela, em diversos municípios.

Foi nesta audiência que o secretário de saúde do município apontou que iriam levar a necessidade de antecipação da vacinação para os profissionais de educação.

Algumas escolas não têm condições para atender estudantes

Além da questão da testagem, da necessidade equipamentos de proteção individual (EPIs) e da urgência em vacinar toda a comunidade escolar, professoras e professores denunciam a falta de condição estrutural de algumas escolas. “Tem escolas que estão impraticáveis, como a Albertina Madalena Dias, a Paulo Fontes, que ficaram um ano abandonadas. Então chove dentro da escola, há janelas que não abrem, todo um descaso”, conta Izabele.

Na audiência pública da Comissão de Educação, Cultura e Desporto, em 20 de maio, a vereadora Maryanne Mattos relatou sua visita à Escola Básica Municipal Paulo Fontes, no bairro Santo Antônio de Lisboa, onde foi fiscalizar a situação após denúncias da comunidade. O vídeo, publicado nas redes sociais da vereadora, mostra inúmeras necessidades de reforma da escola.

Embora a vereadora Maryanne questione a demora nas reformas da escola que, segundo ela, não faz parte da estrutura que está tombada (que seria o terreno da Igreja de Santo Antônio de Lisboa), a Prefeitura informa que falta autorização dos órgãos para a realização da obra.

“O projeto arquitetônico de reforma da unidade EBM Paulo Fontes encontra-se na FCC (Fundação Catarinense de Cultura) em análise desde 22/04/2021, quando foi encaminhada nova versão em atendimento às últimas solicitações. Em 21/05/2021 recebemos o retorno do PHAN (Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) com nove solicitações de alteração que estão sendo atendidas para novo retorno ao órgão”, informou o secretário Maurício Fernandes Pereira.

Com o fim da greve, as atividades na unidade devem retornar, segundo o secretário de educação. “Se não abrir, os profissionais vão receber falta. Por que que ela não iria abrir? Os problemas não são impeditivos, tanto é que ela funcionava antes da pandemia, por que que não vai funcionar agora? Não há nenhum impedimento para o retorno das aulas na Paulo Fontes”, informou.  

Já em vídeo publicado pelo Sintrasem, a comunidade escolar da Escola Básica Municipal Albertina Madalena Dias, localizada no bairro Vagem Grande, relata a falta de condições da escola receber estudantes neste momento.

Entre os principais problemas estão a falta de ventilação na salas e outros problemas na estrutura que são, em muitos casos, anteriores à pandemia. No entanto, segundo o secretário de educação do município, Maurício Pereira Fernandes, nenhuma escola está sem condições de funcionar. “Todas as escolas têm protocolos e estão seguindo. Nenhuma com problema. Todas estão adequadas. Pode ter uma ou outra dificuldade, que a gente vai corrigindo, mas nenhuma está sem possibilidade de funcionar”, informou em entrevista.

Mobilizações da greve envolveram panfletagem e entrega de carta à população com o apelo “Sua família não precisa virar estatística do coronavírus”/Créditos: Sintrasem.

Para os profissionais da educação entrevistados, há um descaso que envolve tanto a falta de investimento em educação nos últimos anos quanto a falta de estrutura dada pela prefeitura durante o ensino remoto.

“Foram os próprios professores que subsidiaram seu trabalho no ensino remoto, com material, internet, computadores, assim como os pais tiveram que encontrar formas de seus filhos seguirem estudando. As escolas realizaram campanhas de solidariedade para arrecadar celular, computador e tablet para os alunos poderem ter acesso e, no final do ano, a Prefeitura distribuiu chips para usar para o ensino híbrido, mas que não funcionam em áreas como Ratones, por exemplo, ou que não adiantam nada se a família não tem celular… então tem esses supostos chips, que também iriam para os professores, mas que não resolvem o problema da estrutura para garantir o ensino remoto de qualidade”, avalia a professora Izabele Cristini da Silva.

Decisão do Tribunal de Justiça pressionou pela conciliação e fim da greve

Apesar de a greve ter sido considerada legal pela 3ª Câmara de Desembargadores do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, a juíza Bettina Maria Maresch de Moura decidiu, em 19 de maio, em resposta a uma “Ação de Procedimento Comum – Dissídio Coletivo de Greve com pedido de tutela de urgência” ajuizada pelo Ministério Público de Santa Catarina, pela retomada, em até três dias úteis a contar da publicação da decisão, o retorno das atividades de ensino presencial das turmas do 1º ao 3º ano e, também, do 9º ao do ensino fundamental no município de Florianópolis, sendo os demais anos, por ora, com ensino por videoconferência.

Na mesma decisão, a juíza designou audiência conciliatória para 27 de maio, às 14h, após a qual o Sindicato realizou Assembleia Extraordinária que colocou em votação o fim da greve das/os servidoras/es da educação do município.

A seguir, a proposta, na íntegra, discutida na assembleia e aprovada pelas/os servidores:

  • Retorno das atividades no sistema híbrido a partir da próxima segunda-feira;
  • Vacinação dos trabalhadores das unidades de educação disponibilizado integralmente até a próxima quarta-feira (1 de junho);
  • as denúncias relativas a descumprimento dos Plancons serão enviadas ao Ministério Público e anexadas à ação civil pública de retorno das atividades presenciais em Florianópolis;
  • Reposição no sistema híbrido dos dias letivos não trabalhados, com prazo para entrega de proposta de reposição pelas unidades em até 15 dias;
  • Formação de comissão com nomes apresentados na assembleia para discutir a reposição;
  • Reunião com diretores e supervisores para discutir a reposição;
  • Os R$ 40 mil bloqueados pela justiça serão revertidos em compra de máscaras PFF2/N95, compra de livros e formação para a categoria;
  • A Prefeitura Municipal de Florianópolis não poderá descontar nenhum dia de salário, nem instalar nenhum tipo de processo nas esferas civil, administrativo ou criminal contra os trabalhadores grevistas, assim como a sua entidade sindical e seus dirigentes, garantindo assim nenhum processo de punição ou de perseguição ao movimento paredista.

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  • Morgani Guzzo

    Jornalista, mestre em Letras (Unicentro/PR) e doutora em Estudos de Gênero pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Hu...

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