Por conta da epidemia de coronavírus a região do Parque Indígena do Xingu (PIX) está isolada. Esta área está localizada na região nordeste do estado do Mato Grosso, na parte sul da Amazônia brasileira, onde habitam 16 etnias: Aweti, Ikpeng, Kaiabi, Kalapalo, Kamaiurá, Kĩsêdjê, Kuikuro, Matipu, Mehinako, Nahukuá, Naruvotu, Wauja, Tapayuna, Trumai, Yudja e Yawalapiti, sendo mais de 7 mil pessoas – Dados do Instituto Socioambiental (ISA). A venda de artesanato caiu bruscamente e muitas famílias estão com dificuldade de acesso ao dinheiro, para comprar itens de necessidades básicas necessários nos dias atuais. Em alguns povos há jovens estudantes indígenas que estão em áreas urbanas e precisam de auxílio para a compra de comida e materiais de higiene.

Kaiti Suelem Yawalapiti, filha do cacique Aritana do Povo Yawalapiti do alto Xingu, que hoje mora em Canarana, tem um ateliê de arte indígena e vende artesanato de algumas artesãs e artesãos de outros povos na entrada do Parque do Xingu. Ela conta que o vírus começou a chegar aos povos indígenas da região, o que vem causando muitas preocupações. Em todo o Xingu, de acordo com boletim divulgado (06/07) pela Plataforma de monitoramento da situação indígena na pandemia do novo coronavírus no Brasil,  há dois óbitos por Covid-19, com 50 casos diagnosticados e outros suspeitos.

Povos Indígenas do Xingu/ Imagem: Instituto Socioambiental (ISA)

“Aqui no Parque do Xingu todas nós mulheres vivemos de arte, o povo vive de arte, e por causa da pandemia agora a (venda) de arte enfraqueceu muito, muito mesmo a situação. Eu represento e pego arte das minhas primas, primos e parentes Wauja, Mehinako, Yawalapiti, e assim eu vou passando a arte. Na minha cultura eu não posso falar que a arte é minha porque essa arte é de um povo em geral. Então eu tento ajudar de todas as formas para o ganho entrar para a aldeia. A forma de ganhar dinheiro na comunidade do Parque do Xingu é em arte indígena e agora nessa pandemia está todo mundo parado. Lá na aldeia as pessoas estão querendo trazer arte, estão precisando de comprar coisas e não tem como comprar. E eu também não estou conseguindo ter aquela venda boa por causa do corona”, explica a indígena Yawalapiti.

A filha de Kaiti Suelem Yawalapiti foi diagnosticada com CID E23.0 Hipopituitarismo, um transtorno que afeta o crescimento, causa dores e ataques epiléticos. Elas buscam apoio em um financiamento coletivo ou pelo @kaiti_artes para o tratamento de saúde da menina. “Eu vivo aqui no ateliê porque eu tenho uma filha especial, eu faço até uma vaquinha para ela, para arrecadar dinheiro. Hoje ela está pesando 26 kg e vai fazer 15 anos. Então esse é o motivo. E mesmo assim com meus problemas eu tento fortalecer a minha cultura, o meu costume, e mostrar para a sociedade do branco. Nós vivemos na arte, nós vivemos no canto, vivemos nas lutas, nós estamos aqui, nós estamos em todos os lugares indígenas que são vivos no Brasil”, relata.

Kaiti e sua filha Fabieli Yawalapiti do Xingu/ Foto: arquivo pessoal

Kaiti comenta que muito da cultura dos Povos do Xingu tem continuidade pelos modos de vida, mas para ela, a pandemia está apagando a memória da tradição por meio da morte dos mais velhos nas Terras Indígenas. “Já chegou sim na região e esse é o medo. Esse Covid já chegou. Está muito preocupante, e no Brasil em geral, porque a gente sabe de um e outro parente, nós estamos perdendo muito ansião, perdendo um livro, uma história viva da gente, porque uma perda de um senhor, de uma pessoa mais velha pra gente é muito, é muito forte, uma sabedoria, ensinamento que eles passam para a gente”, fala a indígena.

A Yawalapiti diz que muitas doenças foram provocadas em outros tempos pela política colonial, genocida e desenvolvimentista com a derrubada da floresta. “É a mesma coisa de quando o Brasil foi atacado. As pessoas costumam dizer que o Brasil foi quando os portugueses chegaram, mas o Brasil sempre existiu, às vezes não estava escrito ‘Brasil’, mas nossos povos existiam aqui. Naquela época que mataram muito também, foi o sarampo, foi a gripe, e novamente, o Covid, que é uma doença de fora e está acabando com meu povo, matando geral”, denuncia.

Para Kaiti muitos não indígenas pretendem destruir os biomas brasileiros como a Caatinga e a Amazônia para obter recursos particulares, desconsiderando toda a coletividade dos modos de vida dos povos que vivem na e da floresta. “Ainda tem Amazonas que as pessoas querem a destruição dela, quer acabar com ela e a Caatinga também, não é só Amazonas. Em geral o olho do homem branco, do mundo do branco, é destruir o Amazonas. Não o branco em geral também. A minha carne está fraca, uma tristeza muito grande o que está acontecendo, a perda de ancião é uma perda de uma ancestralidade. Com essa doença do Covid estamos perdendo todos os dias. Eu estou tendo notícia de um parente morrendo, é Pataxó, no Brasil geral, é perdendo no Amazonas, no estado de Rio Branco (Acre). Perdendo muitos parentes, então isso mexe muito com meu povo. A gente vive na luta, vive dizendo ‘chega de nosso sangue derramado nessa terra’, ‘chega de sofrimento’. Chega. Mais amor no coração de cada um. O meu povo está assustado. Isso é para assustar qualquer pessoa”, lembra.

Almanaque Socioambiental Parque Indígena do Xingu 50 anos/ Imagem: ISA

O Parque Nacional do Xingu concentra uma grande diversidade sociocultural e foi criado pelo Decreto nº 50.455, de 14/04/1961 por uma mobilização de artistas ativistas articulada pelos irmãos Villas Bôas. De acordo com o relatório Povos Indígenas do Brasil (2018) entre 1600 e 1750 os indígenas que residem hoje no parque enfrentaram os bandeirantes que adentravam à mata para capturar indígenas para o trabalho escravo e para inspecionar novas terras para os membros da Colônia. No percurso até os dias atuais pescadores, caçadores, madeireiros utilizaram a floresta de maneira predatória, invadindo as terras indígenas com o apoio do Estado. Por conta do crescimento demográfico com a população regional alguns rios foram poluídos, modificando a paisagem.

Segundo dados da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) estima-se que atualmente no território brasileiro estão presentes 305 etnias, falantes de mais de 274 línguas diferentes. O Censo IBGE 2010 demonstrou que cerca de 17,5% da população indígena não fala a língua portuguesa num total de 817.963 pessoas. Destes, 315.180  vivem em áreas urbanas e  502.783 em áreas rurais. Segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), na América Latina vivem cerca de 45 milhões de indígenas em 826 povos que representam 8,3% da população.

 

 

*A série do Portal Catarinas Filhas da Terra: Mulheres indígenas em luta contra a pandemia Covid-19 irá publicar textos que irão abordar o contexto de como as mulheres indígenas estão vivendo na atualidade e de que forma a pandemia de coronavírus vem afetando o cotidiano dos povos indígenas. Acompanhe nossas postagens quinzenais e conheça o que as mulheres indígenas têm a dizer.

Equipe: Vandreza Amante (jornalista), Inara Fonseca (jornalista), Paula Guimarães (jornalista), Pietra Dolamita Kuawa Apurinã (conselho editorial) e Bruna Mairatã (ilustradora).

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  • Vandreza Amante

    Jornalista feminista, antirracista e descolonial atua com foco nos olhares das mulheres indígenas. A cada dia se descobr...

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