Os pronunciamentos de Michel e Marcela Temer no Dia Internacional da Mulher seguem gerando repercussão. Até mesmo espaços midiáticos que não costumam se posicionar sobre temas feministas explicitaram surpresa com as colocações desajustadas do presidente substituto.

Em absoluto contraste com a realidade social, Temer reduziu a atuação feminina ao campo doméstico, restringindo o papel das mulheres como educadora única dos filhos e filhas e dona de casa. “Tenho absoluta convicção, até por formação familiar e por estar ao lado da Marcela (a esposa), do quanto a mulher faz pela casa, pelo lar. Do que faz pelos filhos. E, se a sociedade de alguma maneira vai bem e os filhos crescem, é porque tiveram uma adequada formação em suas casas e, seguramente, isso quem faz não é o homem, é a mulher”, afirmou.

Apenas considerando o mercado formal, as mulheres ocupam 44% das vagas, segundo o último Cadastro Geral de Emprego e Desemprego (Caged) e da Relação Anual de Informações Sociais (Rais). Mas considerável parte das mulheres está no mercado informal. Metade delas ao redor do mundo, segundo a Organização das Nações Unidas. Mas para Temer, a atuação feminina na economia se reduz à suposta propriedade para comparar a variação dos preços no supermercado. “Ninguém mais é capaz de indicar os desajustes, por exemplo, de preços em supermercados mais do que a mulher. Ninguém é capaz melhor de identificar eventuais flutuações econômicas do que a mulher, pelo orçamento doméstico maior ou menor.”

As colocações de Temer, para a historiadora e pesquisadora do Instituto de Estudos de Gênero da UFSC (IEG), Joana Maria Pedro, passam longe da inocência ou desinformação: fazem parte de um discurso conservador que tem o objetivo de dialogar com o público que dá base ao seu governo. “Tanto Marcela como Michel Temer sabem que as mulheres não se destacam apenas no lar, mas deliberadamente, e para agradar o público que os apoia, reforçam a presença das mulheres no lar”, afirma a pesquisadora na entrevista a seguir, concedida ao Portal Catarinas.

CATARINAS: O que motivou o governo a reforçar o papel da mulher no espaço privado no dia em que ocorreu uma greve internacional de mulheres contra as diversas formas de opressão?
JOANA PEDRO: Este governo – e não somente Michel Temer – acompanha a onda conservadora que está crescendo no mundo. Eu não tenho ilusão: tem muita gente que apoia esse tipo de pensamento conservador, infelizmente. Estão vencendo eleições e tomando o poder em vários países. E, sim, em época de crise econômica e política há um refluxo a posições antigas, há acirramento de disputas e os privilegiados (homens, brancos, cristãos, heterossexuais) costumam tentar recuperar aquilo que consideram que “perderam” porque acham que lhes pertence, ou seja: seus empregos, suas posições, seu dinheiro, “suas mulheres”. Infelizmente há mulheres que se aliam com este pensamento também. A barbárie costuma mostrar sua face e a “civilização” se esconde. Então, eu penso que não se trata de que ele seja “desajeitado” como algumas pessoas falaram, não se trata de “falta de assessoria”; ele não é ingênuo, este discurso é proposital e tem platéia que apoia. Portanto, foi feito justamente para mostrar que o que fizemos não vale nada, para esvaziar o nosso ganho político.

CATARINAS: Temer reforçou a ideia de que as mulheres são as principais responsáveis pela criação dos filhos. Como você avalia essa afirmação?
JOANA PEDRO: Infelizmente ainda somos as principais responsáveis pela criação dos filhos, ainda não conseguimos dividir equilibradamente as tarefas do cuidado com os filhos e o reforço de Temer tem um público definido. É para este público conservador que ele falou. Ele não está interessado no feminismo, na luta das mulheres. Ele apenas fez um discurso que reforça o que há de mais atrasado entre os apoiadores dele. Enfim, esta afirmação apenas torna um pouco mais difícil nossa luta.

CATARINAS: A ideia de bela, recatada e do lar foi reavivada na fala do presidente ontem? De que forma?
JOANA PEDRO: Sim, é preciso lembrar que com o desemprego crescente a tendência será a de um discurso de que lugar de mulher é no lar e que aos homens (brancos, cristãos e heterossexuais) compete os empregos e sempre os melhores. Se sobrar alguma coisa, os piores e os mais mal pagos, ficam para as outras pessoas. Não é a primeira vez que se vê o reforço disso. Na crise de 1929 em alguns países foram criadas leis proibindo o emprego de mulheres em alguns setores. Enfim, não é a primeira vez que esse tipo de reforço da “bela, recatada e do lar” é reforçado. O presidente está em sintonia com o final da década de 20 do século XX. Não está vivendo politicamente no século XXI e faz isso porque tem um público que o apoia. Este discurso é proposital.

CATARINAS: A disputa simbólica sobre o papel da mulher na vida pública em detrimento da vida privada é uma constante no governo Temer. Como enfrentar essa situação?
JOANA PEDRO: Nós temos hoje um recurso que, no passado, as mulheres não tinham: acesso a diferentes mídias. Temos que reforçar esta comunicação, por enquanto ainda não estão conseguindo controlar estas mídias e precisamos usá-las, precisamos mostrar onde estão as mulheres, sua capacidade, suas possibilidades, buscar na história tantas que se destacaram, mostrar para as meninas que hoje, elas podem ser o que quiserem e que se dedicar exclusivamente ao trabalho de dona de casa, mãe e esposa é muito perigoso.

CATARINAS: Marcela Temer fez uma fala contraditória. Ao mesmo tempo em que apontou as dificuldade das mulheres, ela retornou a ideia de que as mulheres tem papel destacado no lar. Qual sua opinião sobre isso?
JOANA PEDRO: Reforço: tanto Marcela como Michel Temer sabem que as mulheres não se destacam apenas no lar, sabem que elas são dirigentes de nações, altas empresárias, grandes cientistas, enfim estão se destacando em toda parte, mas, deliberadamente e para agradar o público que os apoia, reforçam a presença das mulheres no espaço privado. Precisamos nos lembrar que o índice de desemprego ficaria reduzido à metade se as mulheres voltassem a se dedicar apenas ao lar e não procurassem mais empregos. Lembro o que dizia sabiamente Simone de Beauvoir, nossos direitos não estão conquistados, são ameaçados todos os dias, em cada crise, em cada dificuldade. É isso que estamos vivendo em nível internacional.

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