80 anos do fim da Segunda Guerra Mundial: ainda estamos aqui, apesar do nazifascismo
O nazifascismo segue presente — não mais com tanques nas ruas, mas com discursos de ódio que se infiltram nas redes, nas instituições e nas políticas públicas.
Falar de mulheres é sempre urgente. O tema aqui é desagradável, eu sei. Todavia, necessário. A violência contra mulheres nas mais variadas formas tem historicidade como demonstram os estudos de gênero. Hoje, vemos o recrudescimento de masculinidades tóxicas na esteira das ideologias fascistas movendo-se nas redes cibernéticas em ritmo assustador.
Faz pouco mais de cem anos de quando Mussolini fez sua tropa marchar sobre Roma e instaurar o fascismo na Itália. Era 1922 e durou até 1943. Faz 80 anos do armistício: dia 8 de maio de 1945 deu-se o final da Segunda Guerra Mundial. Perguntar-se-á: o que tem a ver esta guerra com a gente hoje? Com a vida das mulheres?
Para o regime fascista italiano, o principal objetivo das mulheres era a reprodução de homens fortes e viris para servirem a um exército e assim expandir territórios. Exerceu forte controle sobre os seus corpos e foi feroz no combate à autonomia reprodutiva, preocupação central no fascismo na Itália.
Diana Garvin afirma que, neste regime, “A fertilidade das mulheres se tornou um bem público que pertencia ao Estado”.
Nas pautas dos costumes, o regime fascista apregoava para as mulheres a submissão e a obediência aos maridos, a missão de ficar no trabalho restrito do lar, cuidar dos muitos filhos e ainda se cobrava delas uma aparência robusta e saudável e boas parideiras no melhor conceito de família tradicional. Convinha a subordinação aos homens e silenciadas, expressões máximas do machismo. Lembro que, em 1936, no discurso durante a formatura de professoras, o presidente do Brasil, Getúlio Vargas, foi enfático: “Vós sois os grandes úteros reprodutores da nação”, expressando o ideário fascista na sua vertente mais misógina.
Na década de 1930, na Alemanha, ascende com força o regime nazista. Uma das principais medidas adotadas pelo regime foi anular qualquer noção de igualdade entre homens e mulheres. Hitler ordenou a destruição das instituições femininas, fossem físicas ou ideológicas.
Para a ideologia nazista, as mulheres alemãs tinham o dever gerar crianças arianas e perpetuar a raça pura e eugênica. Joseph Goebbels, ministro da propaganda nazista, disse que “a missão das mulheres é ser bonita e trazer crianças ao mundo”.
Para estimular a maternidade, Hitler criou um programa que oferecia uma medalha de honra às mulheres que dessem à luz a pelo menos oito crianças da raça branca pura. Outro programa foi manter sob o domínio do Estado mulheres de “sangue bom” com a missão de serem fertilizadas por homens da melhor estirpe da raça, meta final da pureza racial ariana. Ou seja, as mulheres valiam pelo útero e serviam como máquinas de bebês arianos.
Em 1936, foi implantado o programa que incentivava que cada membro da SS gerasse quatro filhos dentro ou fora de seus relacionamentos. Ainda, mantinha mulheres brancas confinadas fertilizadas por homens brancos com a exigência de um filho por ano, ou uma fábrica de crianças em série. Regime de ideologia misógina e supremacista branco, o nazismo encarava o espaço da mulher como lugar de submissão e controle de corpos e de seus úteros.
Podemos avaliar as consequências físicas e psicológicas destas intervenções sobre a vidas daquelas mulheres alemãs e como lidaram no pós guerra. Por outro lado, as mulheres judias eram sistematicamente estupradas e, se os “especialistas em raça” determinassem que a criança não possuía “genes arianos” suficientes antes de nascerem, eram forçadas a abortar ou enviavam as mães para maternidades insalubres, sem remédios, comida e cuidados mínimos o que garantia a morte dos recém-nascidos.
Em abril de 1945, Mussolini foi assassinado, e Hitler suicidou-se (embora para este último há controvérsias). O armistício selou o fim da Segunda Guerra Mundial com a conta de muita destruição e milhões de mortos. Fim do nazifascismo?
No final do século 20, em 1998, a Conferência Episcopal da Igreja Católica, com ênfase na “ideologia de gênero: seus perigos seu alcance”, deu o mote para conservadores e religiosos na defesa do papel da mulher como mães e boas esposas dentro da família heterossexual tradicional. Desde então, recrudesceram ideários fascistas e misóginos.
Quanto do ideário nazifascista está em evidência? Nos discursos de ultra conservadores e religiosos, o fascismo diz ao que retorna.
As pautas do conservadorismo fundamentalista vêm insistentemente fomentando discursos contra os direitos das mulheres, das pessoas LGBTQIA+, do direito ao aborto, para citar alguns, sempre na concepção de que as mulheres devem voltar ao lar, submeterem-se aos maridos, não entrarem na política – a violência política de gênero é uma face desta caça aos direitos – gerar filhos e aceitar sua condição se subalternidade.
Concomitante a isto, a partir de 2014, no Brasil, estes nefastos homens (e algumas mulheres), criaram um documento (escola sem partido) onde reativaram o ambiente fétido do fascismo: centraliza no que chama de “ideologia de gênero” e a falácia da destruição da família tradicional.
Desde então, e não só no Brasil, ascendem governos fascistas com pautas dos costumes em evidência e a destruição de direitos duramente conquistados, especialmente das mulheres. Recrudescem os fundamentalismos de extrema direita e, na esteira destes, aparecem grupos masculinos como os Redpill, Incel, MGTOW os quais pregam o ódio às mulheres e a submissão como caminho para que os homens resgatem energia masculina. As redes sociais e seus usos para o fascismo e suas manifestações misóginas fazem o tempo de disseminar estas ideologias que, acolhidas por estes grupos e com apelo aos jovens, se espalham de forma desenfreada, ou a janela virtual de oportunidades.
“O masculinismo se apropria desse momento”, explica a cientista política Bruna Camilo, que conseguiu se infiltrar nesses grupos para pesquisar redes de ódio e misoginia no Brasil.
“Se você controla gênero, você controla o poder. Você controla diversos temas da nossa sociedade. As relações dos movimentos com a extrema direita são políticas antigênero”, analisa Camillo.
Hoje, o fascismo e o neonazismo se mostram às claras. Seus adeptos defendem a misoginia, a exclusão de direitos, o racismo, a supremacia branca, a perseguição às diferentes sexualidades, a criminalização ao aborto, a violência política de gênero, a xenofobia, a meritocracia, o armamentismo, o culto à virilidade, a negação das evidências científicas e da emergência climática, a precariedade trabalhista e perseguem sistematicamente professoras e professores.
Eles querem o retorno à família tradicional, as mulheres submissas, a manutenção da desigualdade entre os gêneros e frear os avanços das pautas feministas e dos direitos sociais e sexuais reprodutivos. Portanto, fazem oposição aos avanços sociais, às políticas de igualdade, à democracia e à cidadania.
A jornalista Natuza Nery argumenta que esses movimentos masculinistas praticam a misoginia como lucro. O controle dos úteros reprodutivos é a lógica da manutenção do capitalismo, portanto, diretamente relacionado à lógica neoliberal da manutenção do capital e o controle do mundo.
Batalhas insanas acontecem nos parlamentos em ‘prol da vida desde a concepção’ por religiosos (salvo algumas exceções pontuais) fundamentalistas, em nome de um deus, da pátria e da família por interesse pelo poder político para o controle das grandes corporações. É o poder econômico sobre quaisquer direitos reprodutivos.
Ou seja, o controle sempre foi, e é, sobre papéis de gênero e sexualidade. A negação da autonomia reprodutiva das mulheres sempre serviu e continua servindo no apoio aos anseios da extrema direita como estratégia e dominação.
Como disse Bertold Brecht, o fascismo está sempre no cio. O fascismo é, em sua essência, fétido e misógino. Mata.