A pandemia expôs a fragilidade das mulheres que chefiam lares.

Desde a implementação, em abril, do auxílio emergencial, tenho promovido semanalmente lives para falar sobre o direito de quem teve o benefício cancelado ou negado. Para isso, transformei a página que mantenho em uma rede social em um espaço democrático para essas pessoas contarem suas histórias. 

A maioria dos relatos é de mães que estão fazendo de tudo para dar alimento aos filhos.

Uma delas, de Minas Gerais, teve que se prostituir para comprar o leite especial de que o filho precisa para viver. A outra, totalmente sem dinheiro, costuma colocar água na farinha de mandioca para “encher a barriga dos menores”.

Além das dificuldades que enfrentam para manter seus lares, outro ponto comum entre elas é que a maioria é chefe de família. São mães-solo. 

Boa parte das histórias narradas ali já teve encaminhamento judicial e apenas aguarda o sinal verde do governo para receber o auxílio, pois já faz jus a ele. Essas pessoas têm nesse auxílio a única fonte de renda. Mais do que isso: é a chave para arcar com as despesas de alimentação, mantendo o mínimo de dignidade em suas vidas e na dos filhos.  

Por muitos meses, perdi o sono pensando naqueles depoimentos desesperados que chegavam pela página na rede social. Ainda perco. Não é possível ficar indiferente aos relatos de mulheres que tiveram o auxílio negado porque foram consideradas mortas; outras que receberam a primeira parcela e depois entraram para a lista dos que estão “em avaliação” – processo confuso e extremamente prejudicial, que afeta o direito delas de existir, de viver, de ser brasileira, de ser mãe…

Dados do IBGE nos mostram que quatro em cada dez famílias vivem em insegurança alimentar e que a fome já atinge mais de 10 milhões de pessoas. Para o próximo ano o que podemos esperar? Há 11 milhões de brasileiros que não trabalham nem procuram emprego, pois estão desalentados. Ainda segundo o IBGE, 10 milhões tiveram o contrato de trabalho suspenso e 13 milhões permanecem desempregados. 

Diante desse cenário, sabemos que o auxílio emergencial evitou, no auge da pandemia, quando a atividade econômica formal e informal praticamente parou, uma tragédia social sem precedentes. E agora? Enquanto o Governo Federal não decide os rumos do auxílio emergencial, do Bolsa Família, da Renda Cidadã ou qualquer outro nome que queira dar a esse programa de auxílio, nós continuamos por aqui mobilizando as organizações da sociedade civil para que seja implantado um programa de renda básica permanente. 

Não podendo influenciar ou pressionar diretamente o Governo Federal, façamos isso onde o nosso voto alcança – lembrando que está, sim, entre as atribuições do prefeito e dos vereadores, criar Projetos de Lei que se transformem efetivamente em auxílio que vão beneficiar os que mais precisam. Por isso, no próximo domingo faça a sua parte: vote em candidatas/os que sejam favoráveis à criação de uma renda municipal – recurso para evitar que o abismo social se aprofunde ainda mais e que milhões de pessoas voltem às estatísticas da mais absoluta pobreza. 

A pandemia nos ensinou muitas lições. Uma delas é que não existe mais a separação: eles lá – os pobres, os que precisam, os invisíveis; e nós, os que têm condições de sobreviver porque contam com emprego e renda. Estamos todos juntos. Vivemos em um país capitalista; logo, dinheiro faz a economia girar. 

E move de tal forma, que isso ficou evidente na pesquisa “Economia das Favelas”, divulgada em janeiro. O estudo, conduzido pelos Institutos Data Favela e Locomotiva, revela que os moradores dessas comunidades movimentam mais de R$ 119 milhões por ano e que a renda domiciliar per capita nesses locais é de R$ 734,10. 

Passou da hora de nos posicionarmos e de sentirmos empatia pelo outro. Enquanto uma mãe perder o sono porque não tem trabalho nem condições de prover seus filhos, oferecendo a eles a comida e o respeito de que precisam para crescer, não é possível ter uma noite tranquila. Enquanto isso, vou continuar fazendo a minha parte: que é mobilizando e dando voz a quem fala, mas não é ouvido!

*Paola Carvalho é diretora de Relações Institucionais da Rede Brasileira de Renda Básica.

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  • Paola Carvalho

    Assistente social, especialista em Gestão de Políticas Públicas na perspectiva de gênero e promoção da igualdade racial,...

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