A aprovação da admissibilidade da Proposta de Emenda Constitucional 164/12 pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados representa um preocupante retrocesso nos direitos fundamentais das meninas, mulheres e pessoas que gestam no Brasil.

Ao estabelecer que a inviolabilidade do direito à vida deve ser garantida desde a concepção, essa proposta ignora conquistas históricas e afronta os princípios da dignidade humana, da autonomia e da igualdade, pilares centrais de qualquer sociedade que se pretenda democrática.

O texto proposto não apenas restringe os direitos reprodutivos, mas também desconsidera a complexidade das situações que envolvem o aborto, muitas vezes marcadas por sofrimento extremo e contextos de violência. Ao negar o direito à interrupção da gravidez em casos de estupro, risco de vida para a gestante ou anencefalia, a PEC submete pessoas que gestam a uma violência institucionalizada, transformando o Estado em agente de opressão.

O argumento da relatora, Chris Tonietto (PL/RJ), de que o início da vida desde a concepção é um “fato científico” carece de embasamento. A ciência reconhece que o início da vida é uma questão que transcende a biologia, envolvendo reflexões éticas, sociais e filosóficas. Reduzir essa discussão a uma visão moralista é incompatível com a pluralidade de um Estado laico. Além disso, a aprovação da proposta inviabilizaria pesquisas científicas fundamentais, como as relacionadas a células-tronco, e colocaria o Brasil na contramão do progresso científico global.

A PEC 164/12 afronta diretamente os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, como os previstos na Convenção de Belém do Pará e na Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres (CEDAW), que garantem o direito à saúde, à liberdade e a vida livre de violência. Ao proibir o aborto em qualquer circunstância, a proposta desconsidera que países com legislações mais restritivas têm índices alarmantes de abortos inseguros, que resultam em mortes evitáveis de milhares de meninas, mulheres e pessoas que gestam, especialmente entre as mais pobres.

Proteger a vida não pode significar negar os direitos e a dignidade. Não se constrói uma sociedade justa ignorando a realidade de milhões de brasileiras que enfrentam escolhas impossíveis.

A PEC 164/12, sob a pretensão de proteger vidas, desconsidera a vida plena das meninas, mulheres e pessoas que gestam já existentes, que carregam histórias, dores e direitos.

Resistir a esse retrocesso é mais do que necessário; é um dever moral. O direito à dignidade, à saúde e à liberdade das mulheres não pode ser negociado em nome de ideologias que desprezam as complexidades da vida real. Negar o direito ao aborto em situações extremas é perpetuar a violência e a desigualdade, ferindo os princípios básicos dos direitos humanos. Um país que abandona suas meninas, mulheres e pessoas que gestam, abandona também sua humanidade.

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  • Melina Fachin

    Advogada, pós-doutora em democracia e direitos humanos no Centro para os Direitos Humanos e a Democracia da Universidad...

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