Um ano do assassinato de Marielle Franco. No dia 14 de março do ano passado, uma notícia se espalhou pelo País com uma velocidade impensável antes dos tempos de redes sociais. Quem não conhecia Marielle Franco e sua atuação, como vereadora do PSOL no Rio de Janeiro e ativista dos direitos humanos, passou a ter conhecimento naquele momento. Os que já admiravam a sua luta, assim como os que naquele instante foram apresentados tardiamente a sua trajetória, sofreram. Não é exagero dizer que uma dor profunda se espalhou pelo País e pelo mundo. Marielle mulher negra, LGBT, cria da Maré, foi assassinada, assim como o motorista Anderson, sem a menor chance de defesa, sem que mostrassem a cara, sem que nos fizessem saber quem matava friamente uma mulher que falava com coragem e sem esconder o rosto sobre as desigualdades e injustiças desse País.
Nós feministas, que atuamos pelos Direitos Humanos, contra o racismo, o machismo, a LGBTfobia, sabíamos logo que o caso foi noticiado que esse era um ataque frontal às nossas bandeiras. Marielle era a voz potente e destemida, era a representação do caráter interseccional da violência que mata todos os dias no nosso país, assim como a representação do caráter interseccional das lutas. Mulher negra, periférica, LGBT, socialista. Mulher que lutava para que todos esses marcadores da diferença não continuassem sendo considerados justificativas para todo o tipo de violência torpe por parte da sociedade e do Estado.
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Essa dor sentida no dia 14 de março de 2018 ainda não foi superada, talvez nunca seja. Naquele dia, revolta e tristeza, poucas certezas. Naquele momento não sabíamos o que sabemos hoje, algo se tornou conhecido no dia 12 de março deste ano. Mas algumas coisas foram aparecendo antes, sendo reveladas, pouco a pouco, sendo mostradas no ódio dos que inventaram mentiras sobre sua vida para sujar a sua memória – não deu certo. Ódio dos que quebraram placas com seu nome – péssima ideia, centenas surgiram no lugar daquela. O ódio que demonstravam abertamente indicava algo que hoje conseguimos perceber mais nitidamente. Marielle estava mexendo profundamente em uma estrutura, por ser quem era e pelo que lutava, estrutura que foi se configurando desde a colonização, da escravização de pessoas negras, uma estrutura que se utiliza da violência como forma de controle e de renda.
E dia após dia, descobrimos mais coisas. Na última eleição conhecemos o bolsonarismo e o seu ódio, assim como a sua vontade incontrolável de não permitir que essa estrutura se modifique. Com os resultados das urnas, encaramos uma triste realidade. Na terça-feira uma parte da cortina de fumaça que envolvia o crime se dissolveu e foram presos os dois primeiros suspeitos de assassinar Marielle Franco – um policial militar reformado e um ex-PM, que planejaram ao longo de três meses a sua execução e possivelmente foram pagos para fazê-la. Um deles, Ronnie Lessa, mora no mesmo condomínio do presidente da República. Se a ligação se resume apenas a uma proximidade de vizinhança com a família Bolsonaro, só a próxima etapa nos dirá e esperamos que seja com celeridade.
A denúncia aponta ainda como hipótese da motivação a trajetória da vereadora do PSOL na defesa dos direitos humanos. Mas ainda precisamos de mais explicações. A primeira delas, saber o mandante do assassinato, saber quem mandou matar Marielle na tentativa de calar a sua voz potente, as suas e nossas lutas. O que sabemos hoje é que o eco das palavras de Marielle Franco continua nas ruas, nos coletivos, nos encontros de mulheres, de LGBTs, no movimento negro e da periferia. O dia 8 de março foi uma dessas demonstrações, o país e o mundo homenageou Marielle e gritou por Justiça. Há 365 dias lembramos dessa mulher que se tornou um símbolo de resistência em um Brasil tomado pelo ódio, pela intolerância, por uma violência que perpassa não só a ilegalidade, mas a própria institucionalidade.
Marielle presente!