De março a agosto, 25 catarinenses foram assassinadas pelos companheiros; O estado ocupa a 10ª posição entre os mais feminicidas do Brasil.

“Tu acha que vou ser uma pessoa muito ruim se pedir para ele sair de casa? Porque ele é pai dos meus filhos, mas eu não aguento mais”. A frase de Regiane Terezinha Miranda dita em abril deste ano demonstra como a decisão pelo divórcio vem permeado do sentimento de culpa. Após 16 anos de casamento, a sargento do 9º Batalhão da Polícia Militar de Forquilhinha tinha decidido viver porque até aquele momento “só tinha existido”, como ela mesma falou para uma sobrinha em uma das últimas caminhadas que fizeram juntas.

“Naquele dia, ela desabafou comigo. Contou que foi questionada por um soldado se ela gostava de viajar, por impulso respondeu que não. Mas quando parou para pensar percebeu que amava sair e conhecer novos lugares, quem não gostava era o Evandro e por isso a família nunca fazia nada”, revela a sobrinha Karla Paris. 


Monitoramento mostra os dados de feminicídio de 20 das 27 Unidades da Federação/Ilustração: Flávia P. Gurgel/Arte: Raphael Monteiro

Regiane é natural de Criciúma. Vinda de uma família grande de oito irmãos, passaram a morar em Forquilhinha depois que o pai comprou um terreno na cidade e que fez questão de dar um pedacinho de terra para cada um dos filhos. A proximidade entre as casas fez com que a família que já era unida, ficasse mais ainda. “Sempre estamos um na casa dos outros, sempre inventamos desculpas para nos reunir, seja um churrasco ou em datas comemorativas e a tia Jane não faltava nenhuma vez, ela chegava falando alto, rindo um monte, ela era bem bagunceira”, conta Karla.

Inspirada pelos irmãos que seguem carreira na Polícia Militar, Regiane entrou para a corporação em 2004. Foi lá que conheceu Evandro, pai de seus dois filhos, de 8 e 4 anos. Como a maioria das mães, ela era apaixonada pelas crianças, fazia tudo por elas. “A tia já estava preparando a festa deles, eles fazem aniversário em agosto. Já tinha até decidido o tema ia ser de dinossauros”, lembra a sobrinha. 

Evandro é descrito como um cara frio e calado. Comparecia pouco nas festas de família, quando ia quase sempre ficava em um canto só observando. Das poucas vezes que puxava conversa, se gabava de algo. A sensação era de que sempre queria ser melhor do que os outros. De acordo com os familiares, nunca houve sinais de violência física. Regiane nunca contou nada deste tipo, mas a violência psicológica existia e é essa a mais difícil de perceber até para a própria mulher envolvida.

“Víamos ele sempre sendo frio com a tia Jane e com os filhos, sempre exigindo que os meninos fossem gênios. O mais velho fala inglês fluente desde os 3 anos de idade, ele é inteligente, mas isso já vinha de uma cobrança por parte do pai”, conta Karla. “Ela era uma mulher linda, carinhosa e alegre, mas quando ele estava por perto, ela ficava mais quieta. Ele apagava o brilho dela”, completa.

Ao tomar coragem pediu para que Evandro saísse de casa e passou a morar sozinha com os filhos. Nos últimos meses, começou a se cuidar mais, estava se achando bonita, passou a frequentar a academia e a fazer luzes no cabelo, atividades que ela deixou de lado durante todo o casamento.   

Muito competente, a sargento era conhecida e respeitada em toda cidade. Durante a carreira, foi professora do PROERD (Programa Educacional de Resistência às Drogas) e atuava na Patrulha Maria da Penha, grupo responsável por acompanhar e garantir maior proteção às mulheres vítimas de violência doméstica. *Nota da autora: eu poderia usar a palavra ironia aqui, mas é justamente nesse detalhe que se reafirma o quanto nenhuma de nós está a salvo!

Na manhã de 13 de julho, quinze dias antes de completar 38 anos, Regiane deixava mais um plantão para trás e seguia para a academia como de rotina. No caminho, recebeu uma ligação de Evandro em que dizia estar na casa dela com os meninos e que um deles estava com febre, Regiane então seguiu direto para lá. Como em quase todo feminicídio, Evandro já tinha premeditado tudo. Pegou a arma que Regiane deixava escondida em casa, deixou os meninos vendo desenho no celular, trancou a porta e passou um fio na maçaneta para que nem eles e nem ela pudessem entrar ou sair.

Segundo a cena do crime descrita por parentes, os dois possivelmente discutiram e entraram em luta corporal. Evandro então atirou no peito e no abdômen de Regiane e logo em seguida se matou. Os meninos pularam a janela, rodearam a casa e encontraram os pais já sem vida. O mais velho ainda ligou para o 190 para pedir socorro, mas não se fez entender. Os dois correram para a casa do tio que mora ao lado.

De acordo com a família, as crianças ainda contam o que presenciaram naquele dia. Hoje, os dois fazem acompanhamento psicológico.

“Ele foi totalmente egoísta. Como ele pôde fazer isso com ela e com os filhos e ainda mais perto deles? A única explicação é a posse que ele sentia, ele achava que se ela não seria dele, também não seria de mais ninguém. É a única explicação que conseguimos dar”. 

Apesar da pandemia, família, amigos, policiais militares e moradores de Forquilhinha lotaram o ginásio onde o corpo de Regiane foi velado. No velório de Evandro, colocaram uma faixa em cima de seu corpo escrito “foi por amor”.

“Não foi por amor, isso não é amor, o amor não mata. Ele foi um covarde, isso sim”, desabafa Karla. Em agosto, a família fez o aniversário dos filhos de Regiane com o tema de dinossauros.

Regiane Miranda, máximo respeito! Regiane Miranda, presente!

Regiane é uma das 25 vítimas de feminicídio registrados em Santa Catarina entre março e agosto deste ano. Em média, uma mulher foi assassinada por semana no estado durante a pandemia. Considerando o número de mortes por habitantes mulheres, a taxa de feminicídio é de 0,68, desta forma SC aparece entre os 10 estados brasileiros que mais morrem mulheres por este crime. Os dados são da Secretaria Estadual de Segurança Pública (SSP/SC).

Leia o material completo do Monitoramento da Violência Doméstica na pandemia

Logo no início do isolamento social estabelecido por conta da pandemia da Covid-19, o Estado já tinha registrado onze feminicídios entre os meses de março e abril. De lá até agosto, mais quatorze mulheres morreram em contexto de violência doméstica. Dentre elas, uma preta e 6 pardas.

Ao considerarmos os primeiros 8 meses do ano, o número sobe para 35 mulheres mortas pelos seus maridos, companheiros, namorados ou pelos que elas tiveram um relacionamento afetivo. Ao analisar a taxa de feminicídio pelo número da população feminina entre o primeiro e o segundo quadrimestre de 2020, nota-se uma queda de 0,52 entre janeiro e abril para 0,38 nos meses de maio a agosto. 

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Os dados fornecidos pela SSP/SC apontam uma queda de 14% nos feminicídios em relação a março e agosto do ano passado. Se comparar apenas o período de maio a agosto, a redução cai para 6,25%. No recorte étnico-racial, a taxa se manteve igual entre as mulheres pretas com uma morte em cada ano.

Apesar da diminuição das taxas no geral, há quem não as veja como uma boa notícia. “Não vejo esses números como uma redução na violência contra as mulheres, eu vejo como uma dificuldade na busca de ajuda. Não há como ter orgulho em nenhuma queda de feminicídio enquanto houver feminicídios acontecendo no estado”, afirma a juíza Naiara Brancher.

Os registros de violência doméstica entre maio e agosto deste ano apresentam uma queda de 12% em relação ao mesmo período de 2019. Entretanto se encaixa na mesma visão do feminicídio que, por mais que tenha diminuído, os números são altos e chegam aos milhares todo mês. Foram mais de 13 mil denúncias de ameaça e lesão corporal dolosa nos últimos 4 meses. 

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Em contrapartida, os dados do Tribunal de Justiça de SC mostram um aumento de 63% nos processos relacionados à violência doméstica durante a pandemia.

Enquanto em março e abril, 1.749 processos entraram no judiciário, nos meses de maio e junho o número pulou para 2.854 e se manteve praticamente igual em julho e agosto com 2.837 ações.

É pela grande quantidade de denúncias de agressões físicas e psicológicas registradas nos órgãos estaduais de segurança que fica evidente como as catarinenses têm sofrido violências rotineiramente. “O estado de Santa Catarina é conservador, culturalmente machista, tanto homens quanto mulheres. Não é diferente do contexto do Brasil, o patriarcado dominante em todas as esferas, a educação no combate à violência doméstica não funciona, a sensação de que o agressor não sofre nada depois da denúncia, tudo isso colabora para perpetuação dos altos índices de violência contra as mulheres”, afirma Renata de Castilho, presidenta da Comissão de Combate à Violência Doméstica da OAB/SC.

A policial militar Regiane Terezinha Miranda, 37 anos, atuava na Patrulha Maria da Penha. Foi morta a tiros pelo ex-marido em Forquilinha. (Foto: Arquivo Pessoal)

Menos feminicidas, mais homicidas

Em contrapartida à diminuição nos registros de feminicídios durante a pandemia, o número de homicídios de mulheres catarinenses aumentou 12% em relação ao ano passado. Enquanto 34 mulheres foram assassinadas entre maio e agosto de 2019, neste ano o estado contabiliza 38 homicídios femininos no mesmo período. Dentre as vítimas, sete eram pretas e pardas, duas a mais do que ano passado.

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O crescimento chama atenção porque muitas vezes a lei do feminicídio não é devidamente aplicada por parte dos policiais. “Há uma resistência em se admitir o feminicídio e às vezes é catalogado como homicídio. Na maioria dos casos, se for investigar seriamente, chega-se a um feminicídio justamente pela condição de ser mulher. Talvez o autor do crime não matasse se ela não fosse mulher”, pontua Renata de Castilho, presidenta da Comissão de Combate à Violência Doméstica da OAB/SC. O que implica em mais uma forma de subnotificação dos dados de violência doméstica para além das dificuldades da vítima em denunciar por estar isolada junto ao agressor.

A violência sofrida pela mulher tende a piorar em governos conservadores e fundamentalistas. O Brasil atual é representado por um presidente reacionário e violento. Além de facilitar o acesso às armas, Bolsonaro fortalece a misoginia e o machismo em suas falas.

“O fato é que nós somos uma sociedade violenta e estamos ficando cada vez mais. O acesso às armas está sendo facilitado, mas também não podemos olhar a violência descolada do machismo estrutural e do patriarcado”, complementa Naiara Brancher.

A questão das mulheres negras em um estado majoritariamente branco

Em Santa Catarina, 80% da população de 7,1 milhões de pessoas (estimativa do IBGE em 2019) se declara branca, 16,5% pardos e 3% se reconhecem como negros. Por este motivo, SC tem suas especificidades quanto ao índice de assassinatos de mulheres pretas em relação a outros estados brasileiros. Mas ter menos pretos, não quer dizer que aqui eles morrem menos.

“Se formos olhar os dados isoladamente nos parece menos representativo do que eles são, mas esse número de homicídios e feminicídios em proporção são ainda mais preocupantes. E ainda tem outra questão, até ser considerado feminicídio, qual caminho de inúmeras violências essas mulheres sofreram? Como elas são recebidas, acolhidas e atendidas nos espaços institucionais? Quanto não acesso a determinados direitos experienciam essas mulheres?”, questiona Amanda Rosa Koschnik, militante do Coletivo Alicerce e da Frente de Juventude Negra Anticapitalista (FREJUNA).

A violência doméstica não tem classe nem cor, mas denunciar é muito mais difícil para a mulher preta. “Essa dificuldade vai desde o acesso à informação até as condições objetivas para poder fazer essa denúncia. A gente pensa em violência patrimonial, por exemplo, ela mora com o agressor? Depende financeiramente ou emocionalmente dele? O que a sociedade diz para ela sobre o casamento, sobre o que o homem pode e a mulher não pode entram em contradição porque no Brasil as mulheres são responsáveis por quase metade dos sustentos dos lares. E quando acontecem com as mulheres negras, essas violências são interpretadas e toleradas de outra forma”, afirma Amanda. 

De acordo com o Atlas da Violência publicado em 2020, do total de mulheres assassinadas em 2018 no Brasil, 68% eram pretas. Com a crise sanitária, econômica, política e ambiental que o país vive a sociedade mais pobre é a que sofre mais.

“Com essa crise, aumenta o desemprego, aumenta o trabalho informal e sem direitos, aumenta a fome, isso gera muita violência. Em primeiro lugar temos que entender o aumento dos homicídios enquanto parte do genocídio negro e, portanto, uma política de morte”, completa a militante. 

No Brasil, a classificação étnico-racial não tem um consenso e por isso há divergências quando se trata dos fenótipos usados para categorizar a população brasileira. As categorias preto e pardo são usadas até hoje pelo IBGE, assim como pela Secretaria de Segurança Pública do Estado, mas o movimento negro enxerga os dois fenótipos apenas como um, os negros.

“O movimento reconhece que a ideologia do branqueamento no Brasil impactou a maneira como as pessoas se autoidentificam. O racismo no Brasil é a partir dos fenótipos, as pessoas então foram levadas a acreditar que o melhor fenótipo é a do branco, portanto muitos negros no Brasil se autoclassificaram como pardos, inclusive para se desassociar de todos os estigmas do processo da escravidão para cá”, explica a educadora Jeruse Romão.  

Delamar da Silva, 51 anos, foi morta pelo ex-marido meia hora após tentar registrar queixa na DPCAMI de Laguna (Foto: Arquivo Pessoal)

O calcanhar de aquiles da subnotificação dos dados e falhas na rede de proteção 

Como apontado na primeira reportagem da série, os números de violência doméstica podem ser ainda maiores visto que há uma subnotificação real dos dados causados por diversos fatores. A dificuldade da vítima em denunciar por estar isolada junto ao agressor, as falhas no sistema de proteção à mulher no estado, o desacreditamento no judiciário são impeditivos para que a queixa seja feita. 

Mesmo após 6 meses de pandemia, a questão da subnotificação continua sendo o calcanhar de aquiles para as instituições de segurança pública do estado.

Embora qualquer mulher ou menina possa ser uma vítima em potencial, a ocorrência não se distribui por igual na população. A questão socioeconômica e racial influenciam os números de violência contra a mulher.

Se antes da pandemia era notória a dificuldade por parte do governo em alcançar as mulheres mais vulneráveis, com menor poder aquisitivo e que moram em locais afastados como a zona rural, na pandemia o desafio se tornou ainda maior. Porém, a questão é: a gestão pública se esforça para alcançar essas mulheres? 

“O acesso à denúncia é infinitamente pior para essas mulheres que nem acesso à internet tem. Quando a cidade não tem uma delegacia da mulher dificulta muito mais. Tem a questão também de, na maioria das vezes, ser atendida por homens que desestimulam a denúncia, principalmente quando ela vai diversas vezes à DP. Na maioria das cidades de interior não há delegacias especializadas e, por isso, a mulher acaba não denunciando”, explica Castilho.  

Mesmo após a implementação da Lei Maria da Penha, os efeitos práticos ainda são tímidos. Fatores culturais e estruturais acarretam a ineficácia da aplicação. Ao decidir denunciar, a mulher se vê sendo revitimizada ao ter que contar a história mais de uma vez. O processo emocional é exaustivo e a palavra da vítima nem sempre é acolhida e considerada. Em relação ao treinamento de agentes e policiais militares para acolher vítimas de violência doméstica, o feminicídio da empresária Delamar da Silva, de 51 anos é um exemplo de como a falta de aptidão por parte da polícia pode ser fatal. 

Na manhã de 11 de agosto, a moradora de Laguna chegou à Delegacia da Mulher para registrar uma queixa contra o ex-marido que vinha a ameaçando de morte. Mesmo após contar sua história, o agente pediu o celular da vítima para incluir as ameaças na ocorrência, mas como ela havia esquecido, o policial pediu para que retornasse no turno da tarde já que uma agente mulher que atende este tipo de caso estaria por lá. Delamar retornou para casa e enquanto fazia o almoço, foi surpreendida pelo ex-marido. A empresária foi morta com 17 facadas.   

Conto com você, vizinho!

O antigo ditado “em briga de mulher, não se mete a colher” caiu por terra há tempos. Com o isolamento social e as pessoas mais em casa, a violência doméstica se torna mais visível e audível. Os movimentos nas casas estão mais próximos e perceptíveis e a vizinhança pode ter um papel crucial nesses casos. 

Foi o que aconteceu em um bairro de classe média alta da Capital. Moradores de um prédio não esperaram o pior acontecer diante de tantos gritos vindo de um apartamento. Os vizinhos se comunicaram pelo grupo de whatsapp do condomínio e decidiram chamar a polícia. Quando a guarnição chegou ao local, constatou-se uma tentativa de feminicídio.

Por entender que a comunicação entre vizinhos pode salvar vidas, a deputada Luciane Carminatti apresentou um projeto de lei na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (ALESC) que obriga condomínios a comunicarem casos de violência doméstica à polícia. Apesar da urgência do assunto, o PL apresentado em junho ainda não foi votado.   

Mesmo com a boa intenção em direcionar campanhas e projetos de lei para condôminos, essas mesmas medidas não alcançam as mulheres mais pobres, muito menos as do campo que vivem ainda mais isoladas. “O que poderia melhorar em relação às mulheres mais pobres é a conscientização dos vizinhos para que, em qualquer sinal de violência, acionem a PM e que saibam que a denúncia pode ser anônima. Já a mulher do campo, que mora em uma casa distante de outras, estão mais desamparadas e as campanhas nos comércios fazem muito sentido”, comenta a presidenta da Comissão de Combate à Violência Doméstica da OAB-SC, Renata de Castilho.

As campanhas de denúncias vêm sendo impulsionadas e contam com a ajuda de comerciantes para que sejam disseminadas pelos bairros catarinenses. É o caso da campanha Sinal Vermelho, criada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em que as farmácias se tornaram canais de denúncias. E parece que vem surtindo efeito. Durante uma ocorrência de violência doméstica em Ituporanga, no Alto Vale, a moradora da casa que tinha sofrido agressões do marido fez com o dedo um sinal de “X” na palma da outra mão para os policiais militares que entenderam o recado e prenderam o agressor. 

Diante das dificuldades e especificidades de uma pandemia que vão além do contágio do vírus, os órgãos catarinenses começam a se movimentar e a desenvolver planos de ação no enfrentamento da violência contra as mulheres, mesmo que a passos lentos. 

Bianca de Castro, 25 anos, morta pelo ex-marido em Palhoça. (Foto: Arquivo Pessoal)

Com 5 anos de vida, lei do Observatório da Violência Contra a Mulher dá os primeiros passos

Em agosto, a bancada feminina da ALESC tomou a iniciativa de tirar do papel a lei “Observatório Social da Violência Contra a Mulher’, aprovada em 2015, mas que por falta de orçamento nunca tinha sido implementada. 

Com reuniões quinzenais, o grupo de trabalho conta com representantes da Secretaria de Desenvolvimento Social, da Polícia Civil, do Tribunal de Justiça, do Ministério Público, da UFSC e do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher. O objetivo do Observatório é reunir os dados de violência contra as mulheres, mapear as redes de apoio e subsidiar a formação de políticas públicas nas áreas de segurança pública, saúde, educação, assistência social, trabalho e emprego. 

“Nós estamos debatendo como uniformizar esses dados para que sejam fidedignos e para que não ocorra sobreposição como sempre aconteceu aqui. A SSP fala em queda dos números, mas aí chega na delegacia os números não batem, nos Centros de Referências também não, no Tribunal de Justiça e Ministério Público são diferentes. O Observatório não tem papel de solucionar, mas sim de constituir uma base com números reais”, explica a professora da UFSC e integrante do grupo de trabalho, Teresa Kleba. 

A ideia é que todos os dados sejam públicos para que qualquer cidadão tenha acesso. O projeto tem previsão para ser apresentado na ALESC em 15 de novembro, Dia Internacional pelo Fim da Violência Doméstica.  

A Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (SDS) também tem focado, atualmente, na compilação dos dados de violência contra as mulheres no estado. A secretaria vem trabalhando na plataforma Power Business Intelligence que faz o cruzamento de dados de diferentes órgãos públicos. São puxados dados do cadastro único com os registros mensais dos centros de referência (CRAS e CREAS), além dos números da SSP e das instituições de saúde. De acordo com a secretaria, a ferramenta vai abarcar a questão étnico racial também. 

Para a diretora de direitos humanos da SDS, Sulivan Fischer, a pandemia reforçou a importância na integração entre os órgãos públicos. “Nunca nós conseguimos ter acesso a informações e trocar tanto como agora, se por um lado a pandemia atrasou alguns editais, por outro lado avançamos nas articulações, nos dados, na ação conjunta com outros órgãos”, afirma. 

Outra medida favorável às mulheres em situação de vulnerabilidade é a instrução normativa 9 criada pela SDS. O programa reserva até 5% das vagas de emprego nas empresas participantes para as vítimas de violência. O resultado do certame será divulgado na primeira semana de outubro e, segundo a secretaria, o programa vai priorizar as mulheres que estão nas casas abrigo do estado e as atendidas nos Centros de Referências em Assistência Social. 

Casa da Mulher Brasileira

Entidades de mulheres lutam há anos para trazer a Casa da Mulher Brasileira para o estado. Em 2015, esse projeto começou a sair do papel depois que uma lei foi aprovada pela ALESC. O governo do estado chegou a ceder um terreno para União na Capital. Por falta de recurso federal a obra nunca foi feita.

Em junho deste ano, a notícia da construção da Casa da Mulher Brasileira no município de Tubarão pegou de surpresa a Comissão de Mulheres da Câmara Municipal de Vereadores já que a tratativa não passou pelo grupo. O anúncio foi feito pela ministra Damares Alves em uma visita à cidade. A representante do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos esteve no endereço onde funcionará a sede do local, junto com o prefeito do município Joares Ponticelli (PP) e o secretário de Desenvolvimento Econômico, Giovani Bernardo.

Terreno cedido pela prefeitura de Tubarão para construção da Casa da Mulher Brasileira. Foto: Willian Meira/MMFDH

De acordo com a pasta, o projeto que antes só poderia ser feito em capitais brasileiras passou por reformas e agora poderá ser construído em cidades do interior. A intermediação para a construção da Casa em Tubarão foi feita pela empresária e agora candidata a vereadora no município pelo Republicanos, Luciane Tokarski. A empreendedora é integrante de um grupo evangélico da cidade e também já trabalhou com a deputada Geovania de Sá (PSDB), uma das líderes catarinenses da bancada da bíblia. 

“Não tenho nenhuma expectativa sobre essa Casa da Mulher Brasileira em Tubarão, principalmente agora em ano eleitoral. Essas casas têm uma complexidade grande de tal forma que não é uma empresária que vai conseguir efetivá-la”, afirma a pesquisadora Teresa Kleba.  

A Casa da Mulher Brasileira foi idealizada no governo Dilma. A ideia é oferecer atendimento humanizado e especializado à mulher em um só lugar. O espaço conta com uma estrutura para registrar boletim de ocorrência, receber atendimento psicológico e de assistentes sociais, ajuda judicial e abrigo para alguns dias, para evitar contato com o agressor.

Homenagem às vítimas

O Portal Catarinas preenche esse espaço com o nome de 12 mulheres catarinenses vítimas de feminicídio entre maio e agosto deste ano. A simples homenagem é uma maneira de tirá-las da invisibilidade. Todas essas mulheres têm nome, sobrenome, rosto e história. 

Mulheres que queriam viver livres, mas foram barradas pelo ódio e machismo que assola nossa sociedade. Sugerimos ler em voz alta! 

Rosane Vieira, presente!

Gisele Ramos, presente!

Patrícia Vicente, presente!

Regiane Terezinha Miranda, presente!

Maria Fernanda Anacleto, presente!

Leonice Alexandrina Teixeira Bechtold, presente!

Delamar Marcelino da Silva Bem, presente! 

Patrícia Fernandes, presente!

Bianca Mendonça de Castro, presente!

Canais de denúncia

Ligue 180 – Canal de denúncias do governo federal
Ligue 181 – Disque-Denúncia da Polícia Civil
(48) 98844-0011 – Whatasapp da Polícia Civil
Ligue 190 – Polícia Militar para casos de emergência
Aplicativo PMSC Cidadão

A série Um Vírus e Duas Guerras vai monitorar até o final de 2020 os casos de feminicídio e de violência doméstica no período da pandemia. O objetivo é visibilizar esse fenômeno silencioso, fortalecer a rede de apoio e fomentar o debate sobre a criação ou manutenção de políticas públicas de prevenção à violência de gênero no Brasil. Parceria colaborativa entre as mídias independentes Amazônia Real, AzMina, #Colabora, Eco Nordeste, Marco Zero Conteúdo, Portal Catarinas e Ponte Jornalismo.

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