Três meses após feminicídio da médica Lúcia Schultz em Itapema, a justiça catarinense decretou a liberdade do réu confesso, Nelson Pretzel. A decisão foi revertida, mas o autor do crime segue solto.

A filha de Lúcia Regina Gomes Mattos Schultz viu a vida perder o sentido ao receber a ligação do irmão na noite do dia 20 de março de 2020. “O Nelson matou a mãe”. Menos de três meses depois Juliana Mattos dos Santos recebeu outra punhalada. “O juiz mandou soltar o Nelson”. A decisão questionável do judiciário catarinense foi contestada pelo Ministério Público Estadual. A justiça reavaliou o caso e a prisão do réu confesso foi novamente decretada, mas já era tarde demais. Nelson desapareceu do mapa. 

O feminicídio da médica Lúcia Schultz de 59 anos foi o primeiro a ser registrado no estado no período da pandemia. No total, 49 catarinenses foram assassinadas de março a dezembro de 2020. Na reportagem “O cárcere feminino do coronavírus” publicada no dia 22 de março de 2020, a morte de Lúcia ilustrou o que a Organização Mundial da Saúde alertava sobre o aumento da violência doméstica devido ao isolamento imposto pelo coronavírus. Eu só não imaginava (será?) que um ano depois este mesmo caso se juntaria a tantos outros na lista da banalização da violência contra as mulheres. 

“Eu e meu irmão optamos por sermos discretos porque estávamos apostando na justiça, mas com esse final de ele estar solto e estar sumido, agora queremos colocar a boca no trombone”, declara Juliana. 

A liberdade provisória de Ireno Nelson Pretzel de 65 anos decretada em junho do ano passado partiu de Marcelo Trevisan Tambosi, o mesmo juiz que decretou a prisão preventiva no dia seguinte ao crime. A decisão foi tomada um dia depois da primeira audiência em que réu e testemunhas foram ouvidos.

Lúcia Mattos Schultz foi a primeira vítima de feminicídio no estado durante a pandemia. (Foto: Arquivo Pessoal)

“Os filhos (do primeiro casamento) do Nelson falaram na audiência que o pai voltou ao local do crime para se entregar, mas isso não é verdade, tanto é que as câmeras de segurança do prédio mostram, logo depois de matá-la, ele descendo com caixas de roupas e itens pessoais no intuito de fugir. Ele só voltou para o local do crime porque os filhos não o acolheram e ele não tinha para onde ir”, conta a assistente de acusação Márcia Irigonhe. Naquela época, hotéis e pousadas estavam fechados por conta do decreto estadual de medidas restritivas. 

O magistrado que antes havia declarado que, mesmo que o autor tenha residência fixa, apresente problemas de saúde e integre o grupo de risco de contágio da Covid19, a imediata soltura do acusado provocaria na sociedade a sensação de impunidade pelo terrível ato cometido, tempos depois justificaria a soltura em um texto com menos de três parágrafos usando os mesmos argumentos só que de forma favorável ao réu.

O Conselho Nacional de Justiça enviou uma recomendação a todos os Tribunais e magistrados logo no início da pandemia em que aconselha a reavaliação das prisões provisórias, mas somente as relacionadas a crimes praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa.

“O CNJ foi taxativo, crime hediondo ou crime com grave ameaça não pode soltar só com base na pandemia. A recomendação aos juízes é de reavaliarem as prisões e não soltarem. Existe uma diferença muito grande”, afirma Irigonhe.

Questionado sobre a decisão de soltura, o juiz informou que não se manifestará por se tratar de um processo em segredo de justiça.  

Em nota enviada ao Portal Catarinas, o Ministério Público alega que o órgão não foi consultado sobre a revogação da prisão preventiva e recorreu da decisão logo em seguida porque entendeu que ainda estavam presentes os requisitos para manutenção da prisão. Foram 60 dias de espera até a justiça decidir pela volta do acusado à unidade prisional de Itapema. Tempo suficiente para Nelson fugir. 

Para Ísis de Jesus Garcia, pesquisadora do Laboratório de Estudos das Violências (LEVIS) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a punição nem sempre resolve o problema da violência contra as mulheres, mas há casos como o de Nelson que só a prisão pode tentar resolver. “Qual é o recado que o poder judiciário está dando quando solta um sujeito como este? O recado de impunidade, que não se importa com a violência contra a mulher”, conclui Garcia.

A corrida contra a fuga

Com o mandado de prisão expedido em setembro, a família de Lúcia voltou a ter esperança, mas logo esbarrou nos antigos problemas da segurança pública estadual acentuadas pela pandemia. Não é de hoje que a polícia civil e militar tem que lidar com a falta de efetivo nas instituições. Com o surgimento da covid19, a situação piorou devido ao afastamento dos agentes acometidos pelo vírus, prejudicando ainda mais o andamento das investigações.

“Passados 41 dias desde a expedição do mandado, eu liguei na delegacia e o agente achou o documento em uma pilha de papéis que não deveria estar, portanto estava parado. Se eu não tivesse ligado, jamais teria saído dali. Ele ainda me contou que tinha interrompido as férias para substituir outro policial afastado por conta da covid”, conta Juliana. 

Para se ter uma ideia, o laudo pericial do local do crime demorou 191 dias para ficar pronto, um processo que, antes da pandemia, era feito no máximo em um mês. “O efetivo da polícia civil daqui é muito aquém, isso atrapalha as diligências e também as questões investigativas e cartorárias”, afirma o delegado titular de Itapema, Aden Claus. 

Desde setembro de 2020 o mandado de prisão de Nelson Pretzel segue em aberto. (Foto: Arquivo Pessoal)

Uma semana após o contato da filha, a polícia civil fez diligências nas cidades de Balneário Camboriú e Gaspar, nos endereços informados pelo réu à justiça, mas não o encontrou. Até o dia 8 de março de 2021, o assassino não figurava no rol de procurados. “Os casos que aconteceram em Itapema têm mais importância, mas não existe protocolo a ser seguido, se vão voltar a fazer a diligência e como vão fazer. A maneira que é feita depende da investigação de cada caso, mas ele está sendo procurado, sim”, afirma Claus. 

“Ele passou o aniversário solto, ele fez 65 anos em liberdade. Minha mãe ia completar 60 em abril, mas não pôde porque ele a matou 10 dias antes”, indigna-se Juliana.  

A lentidão, aliás, permeia todo o caso e atrapalha a visão de quem quer ver a justiça no fim do túnel. De acordo com a assistente de acusação, o processo na justiça anda a passos lentos. “A primeira fase está completa, estamos aguardando a pronúncia do juiz desde 3 de dezembro de 2020. São mais de 3 meses esperando ele decidir se o Nelson vai a júri ou não”, relata Irigonhe.

Tanto a assistência de acusação quanto a promotoria de justiça, querem que Nelson responda por feminicídio com a qualificadora de meio cruel (asfixia) e agravante pelo momento de calamidade pública. A pena máxima é de até 30 anos. Mas de acordo com Irigonhe, esse cenário parece estar cada vez mais distante. “Primeiro que nesta pandemia não está sendo feito júri de réu solto. Segundo que, quando é réu solto o júri pode demorar muito pra acontecer. O episódio no Carandiru, por exemplo, demorou 20 anos porque tinha gente foragida e solta. Com ele solto, a gente tem a possibilidade desse homem nunca ser punido”.  

Independência financeira não é suficiente para deixar abusadores

“Quando o Nelson chegou na vida da minha mãe ela era gigante, ela estava no auge da carreira, atuava como secretária de estado da saúde em Santa Catarina. Ela já tinha sido diretora do Hospital Infantil Joana de Gusmão, em Florianópolis. Desde o início da relação ela foi diminuindo, até a inexistência, literalmente”, relata Juliana.

Nascida no Rio de Janeiro, Lúcia se formou em medicina na Universidade Federal do RJ em 1984 e escolheu Florianópolis para fazer a residência médica. Especializou-se em pediatria e trilhou uma carreira de sucesso em volta de muitos amigos. Ela era reconhecida pela competência profissional e pela simpatia. Do primeiro casamento teve dois filhos, Juliana Mattos dos Santos, servidora pública e Luiz Carlos Mattos dos Santos, médico. 

“Ser médico era uma vontade que eu tinha desde pequeno por grande influência da minha mãe, a gente ia em eventos que os pacientes convidavam e eu via o quanto ela era querida pelas pessoas, que ela fazia diferença no mundo. Ela sempre chegava sorrindo, a presença dela era muito agradável, nunca foi uma pessoa agressiva, era muito carinhosa”, conta Luiz.

Com uma boa vida financeira e muito segura de si, Lúcia divorciou-se do pai dos filhos. Anos mais tarde conheceu o médico Jonas com quem viveu uma grande história de amor. “Ele era extremamente agradável, dócil, levava café da manhã todo dia, deixava recadinhos. Ele gostava dos amigos dela”, lembra o filho. Em 2011, Jonas faleceu de câncer e a médica passou por um processo de luto que durou dois anos.

“A minha mãe tinha um medo muito grande de envelhecer sozinha”, conta Juliana.

Conforme a psicanalista e escritora brasileira, Regina Navarro Lins, as mulheres são educadas na cultura patriarcal a corresponderem às expectativas dos homens e a terem um parceiro amoroso ao lado. “Se não tiver um homem ao lado se sente desvalorizada. Recebo várias mensagens de mulheres dizendo ‘tenho 35 anos e ainda não casei, estou me sentindo velha e desvalorizada’. É um condicionamento da mentalidade patriarcal”, explica.

Em 2013, Lúcia conheceu Nelson através do site de relacionamentos ‘Par Perfeito’. Um nome um tanto quanto exagerado e insustentável, assim como Nelson. Abusadores são encantadores e sedutores, agem de forma sutil e quando conseguem espaço na vida do outro, invertem valores, distorcem acontecimentos e minam os terrenos. Aposentado, Nelson usava o tempo de sobra para agradar Lúcia, a enchia de flores e bilhetes românticos, resolvia pendências da médica muito ocupada pela profissão e aos poucos passou a controlar os passos e o cartão de crédito dela. 

“Olha o sorriso sem graça da minha mãe com o buquê de flores que o Nelson deu, com certeza foi depois de uma briga”, diz a filha Juliana. (Foto: Arquivo Pessoal)

Com a desculpa de alimentá-la bem, aparecia no hospital todas as noites com um prato de comida. Para Lúcia eram sinais de romantismo e cuidado, para quem via de fora a vigília era clara. “Na verdade ele ia lá pra ver se ela estava realmente trabalhando e com quem estava dividindo o plantão, muitas vezes ele ficava lá fora esperando dar a hora de saída dela, sentado na moto ou no carro. Ele controlava até o celular dela, uma vez ela estava no plantão e o celular dela indicava que ela estava em um restaurante, ele ligou e ela disse que estava trabalhando, ele foi até o hospital, entrou gritando e brigando. No outro dia ele encheu a cama de flores, pétalas em tudo quanto é lugar”, conta Lucia Francisca Andrade, trabalhadora doméstica da família há 30 anos.

Lucinha como é conhecida testemunhou muitas brigas do casal, mas segundo ela, nenhuma envolvia agressão física.

“Ele xingava ela, chutava porta, tinha essas crises assim. Ela tinha muito medo dele. Quando estávamos na rua e ele ligava para ela, ela se tremia toda e voltava pra casa”, conta. 

Durante o relacionamento, muitos elementos confirmavam a relação abusiva em que Lúcia estava envolvida. Vítima também de violência patrimonial, a médica não tinha nem poder sobre seu dinheiro, Nelson justificava o controle dizendo que queria ajudá-la a fazer investimentos. “De acordo com os relatos das testemunhas, ele vivia a base de distrações como roupas caras e viagens, que era a maneira da Lúcia fazer com que ele não causasse problemas”, chama atenção Irigonhe. 

Na análise da psicanalista Regina Navarro, as mulheres independentes financeiramente não necessariamente romperam com os padrões patriarcais e muitas ainda dependem emocionalmente de um parceiro romântico para validar a sua existência. “Dizem que o homem teme a mulher independente, eu discordo. O homem machista teme a mulher autônoma, que é a mulher que se libertou dos padrões de comportamento que foram exigidos dela na sociedade. A mulher autônoma é totalmente diferente da mulher que é independente profissionalmente. Tem muita mulher executiva, profissional liberal, que ganha uma fortuna, mas é totalmente subjugada a essas ideias patriarcais, quando entra numa relação amorosa ajusta a sua imagem às exigências do homem”, explica.

Lúcia achava que tinha o controle da situação e relativizava os fatos, mas a cada motivo inventado por Nelson o cerco se fechava. Episódios de ciúme excessivo eram frequentes e até a presença dos filhos de Lúcia o incomodava. “Ela me dizia que ele ficava chato quando íamos visitar, mas que quando estavam só os dois, ele a tratava muito bem. Era a gente chegar na casa dela que ele fechava a cara, não conversava muito”, lembra Juliana. E assim era com amigos e colegas de profissão de Lúcia. Em uma festa de fim de ano do Conselho Regional de Medicina em Florianópolis, Nelson chegou a agredir um médico porque ele havia a cumprimentado.  

Com tanto desconforto causado pelo aposentado, Lúcia foi se distanciando cada vez mais da família e amigos. “Quando tinha reunião de família marcada ele inventava alguma desculpa, dizia que estava doente para eles não irem. Ela sempre amou fazer festa de aniversário, reunir amigos, mas ele passou a inventar viagens para os dois comemorarem sozinhos”, conta a filha. Até quando virou avó, Lúcia tinha que dar explicações por passar tanto tempo cuidando da neta recém-nascida. 

Todas as mulheres da família e amigas desconfiavam do comportamento de Nelson e tentavam alertar a médica. A filha chegou a mandar reportagens e textos sobre relações abusivas. “Minha mãe cedia a essa pressão dele para evitar que ele ficasse furioso, mas ela não conseguia assumir isso pra ninguém. Todas as vezes que eu falava com ela eu não era impositiva, mas ela se sentia cobrada pela família. Eu fico pensando, a sociedade tem superado o papo de que não tem que meter a colher, mas o meu questionamento é: como meter a colher?”, reflete a servidora. 

Para a psicanalista e feminista Manuela Xavier é preciso cuidado no processo de despertar uma mulher aprisionada.

“É preciso chegar devagar, entender que é um campo de disputa e que o agressor sempre estará muitos pontos à frente. Não é mostrando provas que a gente salva uma mulher, é recuperando a autoestima e a confiança dela. Todas nós fomos ou somos vítimas de um relacionamento abusivo em algum momento, e é preciso que a gente nunca desista de uma mulher.”   

Nos últimos anos, Lúcia parecia estar cansada da prisão em que vivia, em suas anotações pessoais a médica listou as humilhações que sofrera de Nelson em uma clara intenção de conseguir enxergar a repetição de padrão em seu relacionamento. Ela também passou a relatar para amigas próximas que não aguentava mais.

A vítima anotava na agenda alguns episódios de humilhação causados por Nelson. (Foto: Reprodução)

Uma semana antes de ser morta, a médica encontrou uma amiga em Itapema, onde tinha uma casa de veraneio e no qual o casal decidiu ficar isolado por conta da pandemia. Nelson não quis acompanhá-la, mas a amiga conta que ela ficou o tempo todo no telefone respondendo às desconfianças dele. 

A impotência como desculpa para matar

Em 20 de março, 4 dias após o decreto estadual de restrições por conta da pandemia, Lúcia foi morta estrangulada por Nelson. De acordo com as investigações, a polícia militar de Itapema recebeu a ligação do genro de Nelson em que comunicava um feminicídio consumado. A PM encontrou o corpo da médica já sem vida na sala do apartamento. Minutos depois o zelador do prédio informou que Nelson havia voltado e estava entrando pela garagem. Ele foi preso em flagrante. 

As câmeras de segurança do edifício flagraram o assassino subindo e descendo pelo elevador no mínimo três vezes carregando pertences pessoais até o carro do casal. Em depoimento à polícia, Nelson confessou o crime e relatou a sua versão dos fatos. Entre risos e sem demonstrar nenhuma emoção, ele contou que Lúcia o xingou e as mãos dele que estavam acariciando o rosto da vítima, escorregaram para o pescoço e ela caiu desmaiada. Disse ainda que saiu do local para abastecer o carro e que decidiu voltar para o apartamento para fazer alguma coisa, como levá-la ao médico se precisasse.

“É uma mentira deslavada, ele tirou a vida dela de forma cruel, uma pessoa para morrer asfixiada leva pelo menos 5 minutos”, afirma Irigonhe.  

Imagens das câmeras de segurança do prédio mostram Nelson carregando itens pessoais logo após cometer o feminicídio. (Foto: Reprodução)

Na primeira audiência, antes do acusado ser solto, os filhos do primeiro casamento de Nelson foram ouvidos e contaram que ele na verdade foi até a cidade de Gaspar depois de cometer o crime. “Em juízo os filhos falaram que ele foi até a casa de um deles e que quando contou o que havia feito, os filhos não deram abrigo, então ele voltou para o apartamento. O intuito de fuga ficou bastante claro e, mesmo assim, depois dessa audiência o juiz mandou soltar”, contesta a assistente de acusação.

Para o juiz, Nelson contou outra versão acerca do motivo de tê-la matado. Segundo o acusado, ele a enforcou porque Lúcia teria o chamado de brocha como se isso fosse suficiente para matar uma mulher. “Se é verdade o caso da impotência sexual, vamos imaginar que sim, isso só corrobora para o sentimento diante do fracasso enquanto “homem”, esse projeto de homem da nossa sociedade patriarcal – que o homem é viril, é o provedor. Mais um motivo para trabalharmos as questões que envolvem as masculinidades também e isso pode e deve ser trabalhado nas escolas. O menino cresce ouvindo que “homem não chora”, “homem não brocha”, “homem é o provedor”, etc”, enfatiza Ísis.

Temido por muitos, odiado por todos

Ireno Nelson Pretzel nasceu em Pinhal Grande, há 300 km da cidade de Porto Alegre. De família humilde, ele foi criado pela avó e passou a infância em Canhemborá, uma vila de colonos que tem como base econômica o plantio de fumo, feijão e milho. De acordo com pessoas que conviveram com ele na época, os pais das outras crianças o viam como uma má companhia. Naquele tempo, ele já se aproximava de pessoas por interesse. 

“Na adolescência, ele forçava aproximação com as meninas das famílias mais abastadas da região. Ele vivia no pé, enchia o saco. Ele sempre foi temido por muitos e odiado por todos”, conta uma fonte que não quis se identificar. Lúcia chegou a conhecer os familiares de Nelson em uma viagem que fizeram pela região.

“Ele a exibia para os conhecidos como um troféu, dizia que era a doutorinha dele, como se quisesse mostrar que tinha se dado bem na vida”, relata um morador. 

Ao completar 18 anos se mudou para Santa Maria para servir ao exército no 29° Batalhão de Infantaria Blindado. “Lá ele era conhecido como o puxa saco dos superiores, tanto é que ele conseguiu se tornar sargento temporário por causa disso”, relata a fonte. Em 1983, Nelson saiu do exército e se tornou representante de bebidas da Coca-Cola. 

Na época, ele morava em uma casa simples na Estância do Jarau e se relacionava com uma mulher da região chamada Ester. De acordo com vizinhos, ela estava sempre na casa dele. Um dia a polícia foi chamada para retirar um corpo da casa de Nelson. Era Ester, morta eletrocutada. Conversei com moradores da região que relataram ter estranhado o fato na época e contaram que Nelson teria mentido para a polícia sobre o horário que saiu de casa naquela semana. A morte foi registrada pela polícia civil de Santa Maria como acidental.

Casa de Nelson onde supostamente uma namorada morreu eletrocutada em 1983, na cidade de Santa Maria/RS. (Foto: Google)

Seis meses depois se casou com Rose Miriam Schmitz, funcionária da mesma empresa em que ele trabalhava. Da união nasceram quatro filhos, um menino e três meninas. Sem demonstrar nenhuma emoção e com naturalidade, Nelson contou à esposa o que teria acontecido com Ester.

“Ele falou que jogou um aparelho de barbear ligado na tomada em cima dessa namorada enquanto ela tomava banho e que saiu para viajar, quando voltou ela estava morta”, conta uma fonte. 

O casamento que durou mais de 20 anos foi recheado de episódios violentos. Rose era vítima de violência doméstica e chegou a denunciá-lo, mas acabou desistindo de continuar o processo por medo. “Ele ameaçava, dava pontapé e tapa na cara dela, tudo isso na frente dos filhos. Ela vivia chorando humilhada. As filhas tinham muito medo dele, o menino nem tanto porque ele tinha um tratamento diferenciado por parte do pai”, relatam pessoas próximas de Rose.

O comportamento violento de Nelson ia além do abuso de mulheres, ele também maltratava animais. “A filha dele tinha um cachorro e Nelson pediu para a menina se levantar, mas ela não levantou porque o cachorro estava no colo dela. Ele pegou o cão, quebrou o pescoço do animal na frente da garota e jogou dentro de um saco preto”, conta outra fonte que não quis se identificar. 

Em 2009, Nelson foi denunciado por maus tratos contra a filha caçula. Ele foi condenado em 2013, mas pela demora em julgar o caso, o crime prescreveu e Nelson voltou a ter ficha limpa. Tanto que no caso de feminicídio de Lúcia ele é tratado como réu primário. “A prescriçao é uma garantia do cidadão, mas muita gente vê incompatibilidade, mas isso necessita de um longo debate. Cheguei a pedir para que juntassem os despachos e sentenças deste processo em que ele foi condenado na base da Lei Maria da Penha, mas o juiz negou. Isso serviria como prova de reiteração do crime ”, alerta a assistente de acusação.

Como fez com Rose, Nelson também contou sobre seu passado logo no início do relacionamento com a médica, entretanto o aposentado dizia ter mudado. “Minha mãe achava estranho ele não falar com os filhos e nem com a ex-mulher, mas acreditava que ele realmente tinha mudado, tanto é que ela fez eles se reaproximarem”, conta Juliana. 

De acordo com o código penal, o réu tem direito a cumprir a pena em prisão domiciliar a partir dos 70 anos. Com esse cenário em que Nelson se encontra desaparecido, os filhos de Lúcia temem que o processo postergue até ele ter direito à prisão domiciliar.

“Eu quero que o rosto dele fique conhecido para que seja capturado logo antes que ele ache a próxima vítima”, afirma a filha. 

Para o filho Luiz Carlos, a melhor forma de tentar superar a violência que matou a mãe é através da conscientização das pessoas. “Muita gente sofre abuso e acha que tem o controle da situação, mas não é verdade. Além de buscar justiça e achar o assassino da minha mãe, precisamos orientar as vítimas de violência doméstica. Busquem ajuda e não tentem resolver o problema sozinhas”, conclui. 

Entrei em contato com o advogado de defesa, mas não obtive retorno.

Se tiver notícias sobre o paradeiro de Ireno Nelson Pretzel, ligue:

Disque-Denúncia 181 

Delegacia da Polícia Civil de Itapema: (47) 3368-5418

*Não é preciso se identificar.

[ATUALIZAÇÃO] Um mês após a publicação desta reportagem, Nelson foi preso no Rio Grande do Sul. Leia a reportagem sobre a prisão.

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