Rede de Observatórios da Segurança registra cinco casos por dia de
feminicídio e violência contra mulher nos estados da Bahia, Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo.
O novo estudo da Rede de Observatórios da Segurança revela as dinâmicas dos crimes contra mulheres nos cinco estados da Rede através de 1823 casos monitorados – entre eles, 449 são feminicídios. O boletim A dor e a luta: números do feminicídio, foi lançado hoje, dia 4 de março, e traz dados da Bahia, Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo.
● 200 mulheres foram mortas em SP; estado concentra 40% do casos monitorados pela Rede
● Pernambuco é o segundo estado com mais casos de feminicídio
● Bahia é o estado com maior número de homicídios de mulheres
● Rio de Janeiro é o segundo estado que mais agride mulheres
● Rede registrou 74% mais casos de feminicídios que o governo do Ceará
● Os dados seguem em embargo até às 6h da manhã de quinta-feira, dia 4 de março
São cinco registros de crimes contra mulheres por dia. Feminicídios e violência contra mulher ocupam o terceiro lugar entre os registros da Rede em 2020. Estão atrás apenas de eventos com armas de fogo e ações policiais – que tradicionalmente ocupam o noticiário policial. Em 58% dos casos de feminicídios e 66% dos casos de agressão, os criminosos eram companheiros da vítima.
Os dados são produzidos a partir de um monitoramento do que circula nos meios de comunicação e nas redes sociais sobre violência e segurança. Todos os dias, as pesquisadoras conferem dezenas de veículos de imprensa, coletam informações e alimentam um banco de dados que posteriormente é revisado e consolidado. São oito categorias de crimes contra mulheres: tentativa de feminicídio e feminicídio são os maiores registros no nosso banco.
São Paulo é o estado com os piores índices entre os cinco com 200 casos de feminicídio, 384 de tentativa e 118 de estupro – 40% dos crimes contra mulheres minitorados pela Rede em 2020 aconteceram em São Paulo. Os dados gerados pelas nossas pesquisadoras foram maiores que os números oficiais. O mesmo aconteceu em Pernambuco e no Ceará – onde registramos 74% mais feminicídios que o governo.
Pernambuco só fica atrás de São Paulo em números de feminicídios. A Rede registrou 82 casos contra 75 dos dados oficiais. No Ceará a diferença é maior, o banco de dados da Rede de Observatórios aponta 47 crimes desse tipo de violência contra 27 do governo. Isso não quer dizer que as mortes não estejam sendo registradas pelos órgãos oficiais, mas pode ser um alerta de que casos possam estar sendo registrados de maneira errada. O que causa subnotificação.
Na Bahia, chama atenção o número de homicídios de mulheres. São 111 casos contra 70 feminicídios. Mas o número de mulheres mortas por serem mulheres pode ser maior. Casos sem informação acabam sendo catalogados como homicídio, pois não se consegue saber a motivação do crime. Aliás, a falta de informação não permite traçar um panorama mais completo sobre as vítimas. Não é possível fazer, por exemplo, levantar o quantitativo de mulheres negras que morrem por essa violência, já que somente 26 casos apontaram a cor das vítimas. No geral, quando a informação racial aparece, o crime ocorreu em uma região de classe média alta.
Já o Rio de Janeiro, apresenta um dos menores índices de mortes de mulheres, mas registra um dos maiores números de tentativas e agressão física. Sendo o segundo estado que mais agride mulheres – ficando atrás apenas de São Paulo. “Este pode ser um indicativo de que as mulheres estão denunciando mais esse tipo de crime”, comenta Silvia Ramos, coordenadora da Rede de Observatórios da Segurança.
Em todos os estados, as pesquisadoras sentiram o impacto do isolamento no aumento de casos e do destaque dado pela mídia nos jornais. Apesar dos dados não oscilarem durante o ano, tivemos momentos de pico durante o isolamento.
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Da invisibilidade ao Lesbocídio
No Brasil, a maioria das mulheres atingidas pela violência está em situação de vulnerabilidade social. Quando elas são lésbicas, percebemos que, de um lado, precisam enfrentar a violência misógina lesbofóbica, por outro, não têm a quem recorrer diante da sistemática negligência de uma nação heterossexual, representada pelo Estado em seus poderes federal, estadual e municipal. Nossa sociedade é lesbocida.
Transfeminicídios
A Rede monitorou 21 casos de mortes de pessoas trans em 2020. Foram 13 no estado do Ceará, sete registros em São Paulo e um em Pernambuco. Estes números estão presentes nos casos de violência LGBTQI+. O Rio de Janeiro e a Bahia não tiveram registros na imprensa.
No Ceará, estado que mais matou transexuais, quatro casos chegaram a acontecer no período de um mês. Esse é o mesmo estado onde a travesti Dandara foi executada com requintes de crueldade há 4 anos.
A Coletividade Feminina Salva Vidas
O feminicídio é a consequência de uma série de violências sofridas anteriormente pela vítima. Afirmamos que é um crime evitável, pois a mulher tem a chance de se salvar ao deixar o ciclo da violência. O estado tem a responsabilidade de dar suporte com abrigo, proteção e condições para que a vítima saia desse relacionamento de risco. Mas muitas vezes esse acolhimento chega através de outras mulheres que estendem a mão para essas vítimas, em coletivos feministas e grupos de mulheres, que as ajudam a reconhecer sua autonomia e a encontrar novos caminhos.
Essa coletividade feminina é também responsável pela guinada na cobertura da imprensa em relação aos crimes e à evolução dos mecanismos de justiça. Desde o movimento “Quem ama não mata”, citado aqui anteriormente, que humanizou vítimas que foram mortas duas vezes ao terem suas reputações questionadas, até o lobby para a criação de leis como o Disque 180, de 2003 – linha telefônica que recebe denúncias, encaminha e orienta as vítimas – a Lei Maria da Penha, de 2006, e a do Feminicídio, de 2015.
Não é fácil deixar esse ciclo de violência, muitas não conseguem denunciar e nenhuma mulher merece enfrentar isso sozinha. É importante que existam mulheres que trabalham pela vida de outras mulheres com a esperança de que o cenário possa ser outro. Mas o trabalho educativo do estado e a criação e a atualização de mecanismos de apoio às vítimas com funcionamento pleno são fundamentais para que se deixe de registar cinco casos de violência contra a mulher diariamente.
Sobre a Rede
A Rede de Observatórios da Segurança monitora números da violência. Trabalhamos na produção de dados independentes, com rigor e qualidade, neste momento em que nem mesmo com o recurso da Lei de Acesso à informação conseguimos obter respostas dos governos. O acompanhamento é feito desde 2018, no Rio de Janeiro, e de junho de 2019, nos cinco estados que formam a Rede.
A Rede é um projeto do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), com apoio da Fundação Ford, formada por cinco observatórios locais, mantidos em parceria com as organizações: Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas (INNPD); Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop); Laboratório de Estudos da Violência (LEV/UFC); O objetivo é monitorar e difundir informações sobre segurança pública, violência e direitos humanos.