Familiares de Vitor Henrique Xavier Silva Santos, 19 anos, morto pela Polícia Militar de Santa Catarina seguiram na linha de frente da marcha contra a violência policial, em defesa de direitos e pela democracia, na noite de quinta-feira, no centro de Florianópolis.

Manifestantes se concentraram no Largo da Catedral e depois marcharam pelas ruas Tenente Silveira e Álvaro de Carvalho ao som dos tambores do Bloco de percussão AfriCatarina e de palavras de ordem como “Vitor presente, hoje e sempre”, “Que hipocrisia, a polícia mata um inocente todo dia”.

O encerramento ocorreu em frente ao Ticen (Terminal Integrado do Centro), com discursos do primo do jovem e de um representante da ocupação Nova Esperança, em Palhoça, que denunciou a truculência policial contra as comunidades mais pobres. Desta vez, a manifestação foi acompanhada pela Guarda Municipal de Florianópolis e não pela PM, como frequentemente ocorria.

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Vitor virou símbolo da crescente violência policial no Estado. Há uma semana, ele foi morto enquanto brincava com uma arma de pressão no quintal da casa onde vivia com a mãe e a irmã, no bairro Ingleses. “É importante não passar em branco, a gente está em busca de justiça. Estamos vendo com o advogado a reparação pelo Estado. Vamos esperar os 30 dias para a conclusão do inquérito e depois ver o que vai dar. Temos esperança de justiça, mas dependendo do Brasil que estamos vivendo, sabemos que é difícil”, disse Vivian Xavier, 22, irmã de Vitor em entrevista ao Catarinas.

Familiares de Vitor vestiram camisetas com a imagem do jovem e a frase “queremos justiça”. Para a irmã, só haverá justiça com a prisão dos dois policiais que atiraram contra ele. “Não consigo esquecer a cena, o último suspiro dele foi nos meus braços. Estou tomando remédio para manter a calma, criei trauma da casa, não consigo nem entrar”, contou.

Foto: Alice Sima

Vivian contesta a versão policial de que o jovem teria apontado a arma de pressão para moradores e polícia. “A arma era de brinquedo e tinha bico laranja. Uma pessoa que sonhava em ter carreira militar jamais iria apontar para dois policiais de balaclava. Seria loucura da cabeça dele fazer isso, não acreditamos nesta versão de que ele estava atirando nas pessoas na rua, se ele tivesse fazendo isso ninguém iria colocar a cara nos jornais para defendê-lo”.

Depois de atirarem contra o jovem, os policiais apreenderam o celular da irmã. “Eles tomaram meu celular para eu não ligar pra minha mãe e pedir socorro, queria avisar alguém para estar comigo naquele momento”.

O descaso com a crescente violência policial
A audiência pública que ocorreu na Alesc (Assembleia Legislativa de Santa Catarina) em 27 de março para discutir a violência policial nas comunidades de Florianópolis quase terminou sem resultado prático. Boa parte do público já havia ido embora quando integrantes de alguns movimentos sociais bateram o pé e disseram que não sairiam do auditório sem um compromisso concreto de trégua da Polícia Militar.

A plenária já estava desorganizada quando o comandante da corporação, coronel Araújo Gomes, concordou em assinar uma nota técnica reafirmando os compromissos de sua tropa com os direitos humanos da população mais vulnerável. Além de reforçar o compromisso com os comandantes dos batalhões, o coronel também se comprometeu em encaminhar o documento à Comissão de Direitos Humanos da Alesc – responsável por convocar a audiência, e aos representantes das instituições presentes: OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e Defensoria Pública.

Acesse o documento. 

Na semana seguinte, o Portal Catarinas se comprometeu em acompanhar o caso na entrega do documento. Na ocasião, Alesc, OAB e Defensoria disseram que ainda não haviam recebido a nota técnica. A Polícia Militar, à pedido da reportagem, encaminhou uma cópia digital da tela do computador para comprovar que havia enviado o documento em 29 de março, dois dias após a audiência, para os e-mails da Comissão de Direitos Humanos da OAB e da deputada Ada de Luca (MDB). Embora seja a presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alesc, a deputada fez a abertura da audiência no dia 27, mas se retirou para outro compromisso e não acompanhou a discussão.

Em 16 de abril, a OAB encontrou o documento e o encaminhou ao Portal Catarinas. A Alesc só confirmou o recebimento no início desta semana. Na Nota de Instrução encontrada, falta saber o que será feito. Na semana que seguiu a audiência, um jovem e um adolescente foram mortos em intervenção policial na Costeira do Pirajubaé, em Florianópolis. Na semana passada, sete pessoas foram mortas em ações policiais em menos de 36 horas – dois suspeitos de assalto em São José, três suspeitos de assalto em Navegantes, um suspeito de assalto em Gaspar, e o Vitor Henrique Xavier Silva Santos que brincava com sua arma de pressão no quintal de casa, no bairro Ingleses, em Florianópolis.

Foto: Alice Sima

A polícia lamentou o ocorrido com Vitor, uma vez que ele não tinha nenhum antecedente criminal e estava em posse de uma arma de brinquedo. Mas os dois envolvidos na morte que esconderam o rosto com touca balaclava durante a ação continuam trabalhando. Caso os policiais virem a ser afastados serão responsabilizados somente no fim do Inquérito Policial Militar. A Polícia Civil, que também abriu inquérito para investigar a ação, não recomendou o afastamento dos PMs.

A Nota de Instrução da PM a qual o Portal Catarinas teve acesso em primeira mão é tímida no que diz respeito ao compromisso firmado na audiência pública. O documento inicia no item 1 explicando a finalidade do documento que é difundir “os procedimentos a serem adotados por ocasião da atuação da Polícia Militar”. No item 2, a nota descreve a situação e enfatiza a queda de homicídios em Santa Catarina – que para o Estado são os assassinatos provocados por civis e não por policiais: “Vale destacar que este resultado foi obtido majoritariamente em decorrência das ações dos policiais e seus desdobramentos no Ministério Público e Judiciário, uma vez que a própria audiência pública enfatizou a deficiência ou ausência de políticas públicas efetivas nas áreas mais periféricas e violentas das cidades”, segundo o documento.

“É um resultado significativo e importante, principalmente quando reconhecemos que no Brasil os homicídios atingem majoritariamente as populações pobres e negras de periferia, justamente as mais vulneráveis e vitimizadas pela desigualdade de acesso a políticas públicas. Estamos protegendo e salvando os que mais precisam”, continua.

Na sequência, o comandante da PM, quem assina o documento, assume que neste cenário “ainda há um saldo importante de mortes a serem evitadas” e que a polícia “é protagonista na superação deste desafio”. Quando o documento chega no ponto principal, a execução, há itens que reforçam a aproximação com a comunidade e que protegem a atuação dos policiais.

No item 1, ele reforça a necessidade de seguir a norma do uso progressivo da força em intervenções policiais, ou seja, a arma de fogo deve ser o último recurso – norma esta que está sendo questionada por familiares e amigos no caso do Vítor.  No item 2, o comandante solicita a aproximação da corporação com as comunidades para fins de “ocupação saudável do espaço público”. No item 3, solicita aos comandos que identifiquem situações de vulnerabilidade e registrem para fins de desenvolvimento de políticas públicas.

Manifestantes criticaram a postura do comandante à mesa/Foto: Alice Sima

No item 4, o documento reforça a necessidade de transparência da corporação e a responsabilização de “eventuais ilegalidades” além da “proteção dos policiais contra falsas acusações que por ventura ocorram”. O ponto seguinte, item 5, reforça a interlocução com a população por meio dos conselhos comunitários, corregedoria e disque-denúncia. No 6º e último item, destaca a “valorização”, “premiação” e “difusão” das boas práticas policiais, “notadamente aquelas voltadas para redução da criminalidade, proximidade com a comunidade e promoção dos direitos humanos” (confira o documento na íntegra).  

O deputado Padre Pedro Baldissera (PT) que conduziu a audiência pública na Alesc pretende retomar a ideia do ativista social, o padre Vilson Groh – que também participou da audiência – de encaminhar a realização de um fórum permanente de discussão. O objetivo do gabinete é articular e promover os encontros.

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