Protesto contra morte de jovem pela PM denuncia genocídio no Morro do Mocotó, em Florianópolis
Manifestantes pedem para a polícia cessar a guerra contra a comunidade do Mocotó, após morte de Caju, de 26 anos. De acordo com testemunha, houve omissão de socorro durante operação policial
Entrevistas e fotos: Priscila dos Anjos.
“Preservar a ordem, proteger a vida”, o slogan da Polícia Militar de Santa Catarina não convence as populações periféricas de Florianópolis, cuja rotina é perder pessoas muito próximas para as mãos da instituição. A denúncia de execução policial do jovem Bruno Adriano de Barcelos, 26 anos, conhecido como Caju, na manhã do último sábado, levou moradoras/es às ruas para protestar no centro de Florianópolis, durante a tarde e início da noite desta segunda-feira (15).
“Quem faz mães chorarem, não nos representam, policiais genocidas, queremos fora das comunidades”, dizia uma das faixas erguidas.
Em frente à entrada do bairro, manifestantes se postaram na Rua Silva Jardim, ocupando a faixa de pedestre nos períodos de fechamento da sinaleira. “Presente” foi o grito de ordem ao lembrarem o nome de pelo menos 13 jovens conhecidos pela comunidade, mortos pelas mãos da PM. “A comunidade exige a justiça, não será mais permitida a morte de inocentes, estamos aqui manifestando a indignação de um povo que é historicamente humilhado, explorado, oprimido pela força militar de Santa Catarina”, bradaram em forma de jogral.
Até de fevereiro deste ano, a polícia matou onze pessoas no estado, conforme o Boletim Mensal de Indicadores da Segurança Pública de Santa Catarina, o que representa mais de 10% das mortes violentas no período.
“Ele foi morto covardemente pelas costas, ele não estava armado, simplesmente ele era tatuado, por isso foi considerado marginal, traficante. Por que não atiraram na perna, já que queriam prender? Atiraram no peito para matar, eles sobem para matar morador pelas costas. Deixaram o meu marido no chão agonizando”, contou a companheira da vítima, a qual optamos por não identificar para que não sofra retaliações da polícia.
De acordo com a denúncia feita pela entrevistada e por moradoras/es, a polícia negou socorro médico ao jovem, o que vem sendo apontado como postura recorrente durante essas intervenções policiais que resultam em morte, sem a comprovação do confronto.
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“Estava em casa e quando desci falaram ‘balearam um menino lá em cima um tal de Caji, Cajá’, eu falei assim ‘ah, o Caju, é o meu marido’. Sai correndo, ao chegar lá em cima, eles (policiais) falaram ‘já está morto’. Eu pedi para ver o corpo, em momento algum deixaram eu ver o corpo, falaram que não era o meu marido, que não estava morto. O Samu veio prestar socorro e eles não deixaram o Samu subir. Se eles tivessem deixado, talvez meu marido estivesse vivo hoje”, relatou a entrevistada.
O comandante do 4º Batalhão, coronel Dhiogo Cidral de Lima, que estava no local da manifestação, contestou a falta de socorro e explicou que a ocorrência policial no Mocotó ocorreu para coibir festas clandestinas. O policial afirmou ter se tratado de uma “morte em confronto”, opondo-se à denúncia de execução extrajudicial, situação em que a polícia atira deliberadamente para matar.
“Desde a noite de sexta-feira a gente vem atuando porque recebemos uma informação de um baile funk clandestino […]. Foram feitas várias operações policiais para justamente evitar a aglomeração durante a pandemia e proibir qualquer situação de tráfico de drogas. Foram várias ocorrências geradas no 190. Na manhã de sábado fomos novamente chamados e no patrulhamento nos deparamos com três pessoas armadas que atiraram contra a polícia, e os policiais atiraram em resposta. Nessa situação o masculino foi atingido e depois encontrado em óbito […]. Os policiais se abrigaram, se protegeram na comunidade e depois foram atrás do rastro de sangue […]. Encontraram o masculino caído no chão e sendo mexido por outras duas pessoas […]. Os policiais identificaram que ele ainda estava vivo, foi acionado o Samu, foi solicitado socorro inicial, infelizmente ele veio a óbito posteriormente”, detalhou o comandante.
A omissão de socorro em operações policiais que resultam em morte, assim como a retirada do corpo do local do crime, foi denunciada na reportagem colaborativa “Epidemia de execuções: PM catarinense mata 85% a mais no isolamento social”. Na apuração registramos as denúncias de mães e familiares que perderam seus filhos pelas mãos da polícia, durante a pandemia. Uma delas teve dois filhos mortos, um de 15 e outro de 18, durante uma ação policial.
Na reportagem constatamos ainda que a justificativa dada pelo comando da PM é sempre relacionada aos antecedentes criminais das vítimas, como se fosse um salvo conduto para matar, deslocando a necessidade de comprovar a existência do confronto. Porém, em consulta ao sistema do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, a reportagem verificou que dos 12 mortos pela PM na região do Mocotó e listados na reportagem, apenas um tinha condenação, por roubo. Os demais não respondiam qualquer ação penal na Justiça catarinense.