“Ocupar e resistir”, o grito de ordem que ecoou nas recentes ocupações em escolas, universidades públicas e escritórios do Ministério da Cultura (MINC), dá o tom do documentário “Resistência”, de Eliza Capai. O lançamento neste mês marca um ano do afastamento de Dilma Rousseff da presidência do Brasil. Mais de 80 sessões públicas já foram confirmadas em todo país. Todas as informações para montar uma sessão estão disponíveis na página do documentário

“Tiraram a primeira mulher presidenta do Brasil, formaram ministérios puramente masculinos e a mídia se encarregou do discurso cínico ‘de bela, recatada e do lar’. O nosso lugar enquanto mulheres não era no protagonismo e decidindo o que a gente ia fazer, mas como sombras e passivas. Essa angústia me levou a pensar: meu lugar é fazendo o que eu quiser, e o que quero é dirigir documentários”, revelou a diretora.

Para Eliza, o excesso de informação e contrainformação desarticula a resistência ao deixar as pessoas confusas. “A gente tem que se unir em torno de pautas em comum e em formas efetivas de luta. O filme é minha contribuição para ajudar a criar espaços de reunião e discussão. As pessoas são protagonistas nesse processo com a organização das sessões. A ideia é que ao final da exibição, o público discuta temas como feminismo, educação, cultura e misoginia muito mais que o próprio filme”.

Durante os meses interinos de Michel Temer, o documentário acompanhou as ocupações dos prédios públicos e das ruas, dando voz aos seus protagonistas: estudantes secundaristas, universitários e artistas, principalmente mulheres. De dentro do Ocupa Alesp, Ocupa Minc-RJ, Ocupa Funarte-SP, Marcha das Vadias RJ e Parada LGBTT de São Paulo, a diretora narra o desenrolar deste importante momento histórico, ao mesmo tempo em que discute feminismo, educação, cultura e mídia. 

Em protesto contra a reforma do Ensino Médio e a PEC 241, secundaristas de todo país ocuparam mais de 1000 escolas. Os estudantes também manifestaram-se em mais de 100 universidades. Escritórios do MINC foram ocupados por trabalhadorxs da cultura em todas as capitais do país e Distrito Federal em protesto contra a extinção da pasta. 

Ocupa Simão
Em Florianópolis, pelo menos duas sessões de exibição de “Resistência” já foram realizadas, no centro da cidade e na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Estudantes que ocuparam o Colégio Estadual José Simão Hess participaram de uma sessão, seguida de debate com representantes de movimentos sociais, na última sexta-feira, no auditório do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH).

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“Foi uma ocupação muito organizada. Debatemos a PEC 55, a Reforma do Ensino Médio, homofobia, intolerância religiosa, racismo, feminismo e Lei da Mordaça. Todo o processo de formação se deu antes da ocupação e na hora de ocupar fizemos assembleia geral com as/os estudantes. A maioria votou ‘sim’. A direção não estava a favor, mas lutamos e resistimos”, contou Mariah Vieira, 15 anos.

A escola foi ocupada durante uma semana, em novembro do ano passado. “Ocupar a escola é ocupar um espaço que nos pertence. Vamos exibir esse documentário na sala de aula”, disse.

Jordana Soares de Araújo, 16, destacou que a resistência dos estudantes pela defesa da democracia tem relação direta com um passado recente. “Em 1984 muitos estudantes foram para as ruas lutar ativamente em favor da campanha pelas ‘diretas já’. Agora essa bandeira voltou, com as mesmas ideias, só que vestida de hashtag. Ocupamos a escola como forma de resistência, contra a desigualdade e pela liberdade da diferença. Todos nos olhamos e vimos que éramos diferentes, e isso causou uma interação muito grande.”

“Esse documentário acende uma chama para participarmos ainda mais. No movimento estudantil a gente faz amigos e vê todo mundo na mesma luta, na mesma resistência”, afirmou a estudante Julia Soares de Araújo, 13. 

A debatedora Sandra Alves, produtora independente e correspondente da Mídia Ninja em Florianópolis, relembrou sua experiência nas ocupações em Florianópolis. “Fiquei emocionada, principalmente porque atuei na cobertura das ocupações. A nossa existência passa pela resistência. É preciso existir e resistir.”

Sandra Alves falou sobre a cobertura das ocupações em Florianópolis/Foto: Catarinas

Denúncias e nova agenda política
A exibição aconteceu no dia em que completou um ano da ocupação do prédio do MINC, em Florianópolis. “Nos sentimos tocadas e representadas, o documentário nos ensinou muito e provoca reflexões. Este é o papel da mídia e do cinema: nos fazer agir”, afirmou a antropóloga e jornalista, Sonia Weidner Maluf.

A professora, que era vice-diretora do CFH quando foi ocupado junto com outros centros, falou sobre a pressão que recebia de colegas e do reitor para aderir à reintegração de posse. Segundo ela, a agenda da resistência se fortalece ainda mais com as denúncias contra Temer. “Recentemente ocorreu a greve geral e o Ocupa Curitiba. Em 24 de maio somos chamadas ao Ocupa Brasília, com a possibilidade de greve geral, talvez por tempo indeterminado. Movimentos estão voltando a reagir depois de muita perplexidade.” 

Para Sonia, o noticiário voltado ao “escândalo” mais recente faz parte de uma nova pauta política que envolve a criminalização da chapa Dilma – Temer e eleições indiretas.  

“Todos já sabíamos dos fatos que o plantão de notícias da Globo trouxe como surpreendentes. A grande notícia é que esses fatos finalmente viraram notícia.  É uma tentativa de retomar a agenda e condução do país. Ao mesmo tempo que transforma isso num grande evento, a Globo vem com uma nova pauta política. Quer eleições indiretas como via para colocar pessoas de confiança e terminar o trabalho, ou seja, acabar com a democracia”, argumentou.

A antropóloga acredita na resistência dos movimentos sociais na defesa de eleições gerais no país. “Queremos eleições gerais e de preferência chamadas por Dilma. Porque, com esse parlamento, não basta eleições diretas. Hoje, sabemos que se não existe movimento, base organizada e democracia mais participativa, não há garantia de que direitos terão continuidade. A grande lição é que foi tão fácil dar o golpe, porque nossa democracia é muito frágil. A pauta é resistência.” 

Volta Dilma
A debatedora Maria Lucena Conte, do Comitê Floripa Contra o Golpe, colou cartazes no auditório em defesa da volta de Dilma à presidência. Ela citou a Constituição Federal para sustentar que só haverá justiça e respeito à democracia com a volta da presidenta eleita pela maioria da população. “’Todo poder emana do povo’ diz a Constituição Federal. Demos o poder para ela (Dilma Rousseff)”, enfatizou.

A esperança da militante está no recurso contra o processo de impeachment que aguarda para entrar na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF). Sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes, o recurso precisa de seis votos para ser aprovado. “Como advogados e juízes, eles não têm como dizer ao povo brasileiro que a Dilma cometeu crime. Se eles disseram isso, vão ter que assinar o golpe. O impeachment ainda não terminou, precisa do aval do Supremo. Teve impeachment? O artigo 85 da Constituição é muito claro: não existe crime de responsabilidade. Dilma não cometeu crime, o que ela fez foi levantar a tampa do bueiro da corrupção. Temos que resistir, fazer debates nas salas de aulas e se apoderar da nossa Constituição.” 

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