No maior Instituto Federal do país, o câmpus central do IFSC Florianópolis, a ocupação estudantil foi definida durante o que pode ser considerada a mais expressiva assembleia da história do antigo Cefet. Foram 364 votos a favor, 123 votos contra e 2 abstenções, o que soma 498 votantes presentes na assembleia no dia 27 de outubro. Dois dias antes, durante protesto que reuniu centenas contra a PEC 241, a MP da Reforma do Ensino Médio e o a Lei da Mordaça, o câmpus foi  simbolicamente ocupado. A projeção numérica ganha dimensão ainda maior quando se trata de uma escola de qualidade educacional reconhecida: o câmpus central apresentou o melhor desempenho no Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) em todo o país no ano passado.

Desde a assembleia oficial que decidiu pela ocupação, pelo hall, pátio, auditório e outros espaços da sede localizada na Avenida Mauro Ramos, dezenas de estudantes se revezam nas atividades propostas pela “ocupa”, como eles próprios chamam o movimento. A agenda é intensa e procura dar conta da demanda: apenas nos primeiros dias, o formulário online recebeu propostas de cerca de 90 voluntários/as interessados em compartilhar conhecimento com os estudantes. A ocupação também é acolhida pela instituição.

Cuidadosos com a própria imagem, os adolescentes procuram preservar a identidade dos ocupantes e restringem as informações à imprensa. A internet é a grande aliada na divulgação das ações das atividades; a grande maioria, aberta à comunidade. As palestras, oficinas e debates diários que acontecem nos intervalos letivos – apenas o curso de Design paralisou as aulas – são divulgados por meio das páginas oficiais da ocupação nas redes sociais. Apenas as assembleias diárias são exclusivas para os ocupantes. Nelas, os Grupos de Trabalho trocam informações e planejam a rotina.

Há dois anos, desde que começou a cursar “Saneamento” na Instituição, Maria* passou a viver a política para além dos atos públicos em que acompanhava a mãe. “Antes estudava em escola particular e não tinha tanto espaço pra discutir política”, conta a estudante de olhos cansados, mas brilhantes. É integrante do Grêmio Estudantil e participa autonomamente das ocupações, já que a maioria dos alunos que fazem parte do órgão que representa os secundaristas não ofereceu apoio ao movimento. João* sempre leu muito e se interessou por temas históricos, mas nunca se aproximou de movimentos políticos. Até o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, em 31 de agosto. “Eu achei que não ia rolar impeachment. Isso me acordou. No mesmo dia já fui pro protesto Fora Temer”, conta. Estudante de Eletrotécnica, ele se divide entre as atividades da ocupação e os estudos para o Enem que fará neste final de semana. Representantes do GT de Comunicação, os estudantes aceitaram conversar com o Portal Catarinas sobre a experiência da ocupação.

Catarinas – Por que ocupar?
João – O movimento das ocupações é nacional e é uma estratégia que vem pra substituir estratégias antigas. Em greves, os sindicatos de professores param as aulas, por exemplo. Com a ocupação, a gente faz com que as pessoas continuem frequentando e assim criamos um ambiente político para quem circula pelo câmpus. Nós podíamos colar cartazes aqui dentro ou fazer passeatas mas estamos inseridos neste contexto nacional. E PEC 241 é um atentado contra a classe trabalhadora do país. É uma declaração de guerra da elite dominante. Então, a gente vê a urgência de fazer um protesto que impacte e chame a atenção. Eu considero inadmissível que um professor seja favorável a PEC aqui no câmpus, por exemplo. Somos uma rede federal, seremos os mais prejudicados com esta medida. Rede estadual ainda envolve o Fundeb e outras questões. Então, é uma oportunidade de conscientizar também as pessoas daqui de dentro.

Maria – Estamos no maior câmpus do país, eleito seis vezes o melhor do Brasil. Tem muito IF por aí sem estrutura, sem a qualidade de ensino que a gente tem.

Quando a gente ocupa, não é só pela gente, é pelos outros IFs também. A gente quer a mesma estrutura para os outros câmpus.

João – A gente provoca a instituição inteira ocupando o maior câmpus dela. A gente tem noção de que isso causa impacto. A grande mídia veio aqui e falou mentira da gente. Isso significa que estamos incomodando alguém. Então, somos um movimento de resistência que quer causar o impacto.

Catarinas – Vocês tomam o maior cuidado com a divulgação de informações e fotos. Constituíram até um GT de comunicação. Por que consideraram que isso é importante para o movimento?
Maria – Estamos sofrendo muitas pressões. Um jornal publicou que somos quinze alunos ocupando a reitoria. Não são quinze alunos e não é a reitoria. São sessenta num câmpus gigante. Publicaram informações erradas sobre outras ocupações…

João – Tem muita gente aqui que esteve em outras manifestações. Contra a PEC, por exemplo. E quem estava nestes protestos sabe a manipulação descarada que a mídia fez.

É um trauma ver uma notícia que fala uma mentira.

Já tentaram gravar a gente sem pedir, editaram nossas entrevistas, tentaram invadir nossas reuniões, deram informação errada… Então, a gente traumatizou com a grande mídia.

Catarinas – Como vocês veem a vinculação do movimento a partidos políticos?
João – Eu acho que esta cultura antipolítica que a gente tá passando vem trazendo muitos malefícios, de maneira geral, pra conjuntura política do país inteiro. Política não é só votar na urna. O que a gente viu nestas eleições (municipais) foi esta força apolítica se reafirmando. O movimento não é partidário, mas é ideológico sim, pois nada é isento de ideologia. Dia desses eu vi um destes vídeos que condenam as ocupações dizendo que a gente é coordenado pelo PT e pela CUT e pensei “quem dera a esquerda fosse coordenada. A gente faria a revolução hoje. Não teria PEC 241 e a MP 746. É exatamente por que a gente não é coordenado, partidário e não é gigante que não fez o que é preciso até hoje. Então, quem diz que isto aqui é partidarismo, sofre de uma miopia absurda. A lei da Escola Sem Partido mostra o distanciamento do embate político. E parte desta cultura antipolítica também é culpa dos governos de esquerda que não cumpriram seu papel. A gente precisa voltar à política diária. O movimento estudantil é político. O que estamos fazendo é trazer as pessoas pra se organizar e trabalhar junto, e isso também é política.

Maria – Citando aquela menina que falou na Assembleia Legislativa do Paraná (a estudante Ana Julia) , a gente aprende em um dia de ocupação o que aprende em um ano na sala de aula.

João – É a práxis. A gente tem um monte de teoria na aula – e as aulas de filosofia e sociologia são muito boas – mas quando a gente colocar isso na prática tem um outro peso no aprendizado.

*Os nomes foram alterados a pedido da estudante.

Alterado às 15h20min

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  • Ana Claudia Araujo

    Jornalista (UPF/RS), especialista em Políticas Públicas (Udesc/SC), mãe de ninja.

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