Paternidades Plurais, quarta temporada do podcast Narrando Utopias lançada pelo Portal Catarinas em 2023, entrevistou quatro homens que escolheram rever suas masculinidades e se tornarem pais presentes, afetuosos, cuidadosos e conscientes das desigualdades de gênero que atravessam a paternidade e a maternidade. A cada episódio, um personagem diferente contou sua história.
A produção teve a consultoria de Tiago Koch, idealizador do projeto Homem Paterno, e a participação de Humberto Baltar, especialista em masculinidades e paternidades, especialmente a paternidade preta.
Neste Dia dos Pais, lembramos o podcast e destacamos trechos em que os pais falam sobre os valores que reviram para se tornarem pais melhores.
Rafael Stein
Pai da Maria Clara e do Francisco, Rafael perdeu a esposa após um câncer bastante agressivo. Desde então, precisou reconfigurar a própria vida para assumir totalmente o cuidado dos filhos. Nesse processo, sentiu a necessidade de rever sua masculinidade para que conseguisse dar conta de lidar com o luto, com a rotina das crianças, a falta de repertório para exercer o cuidado e poder alcançar a paternidade efetiva que buscava.
“[Precisei rever] A questão do machismo, do preconceito, principalmente. Não me ver capaz de cuidar. Aquele mito da incapacidade paterna de que o homem não sabe cuidar. Tem muitas coisas. Existe um conceito chamado “caixa dos homens” de que a gente tem que ocupar certos papéis para ser reconhecido como homem. Eu levei um tempo para entender que eu poderia exercer minha masculinidade sendo quem eu sou. Masculinidade se lê no plural, né?
Então, eu poderia ser homem sendo sensível, sendo carinhoso. Tem uns estereótipos de comportamento tão enraizados que a gente vai replicando sem refletir. Mas tem sido um processo. Eu acho que a gente não chega no ponto final. Você começa revendo questões mais macros para entender, por exemplo, a questão do preconceito, do racismo, e aí você vai refinando o comportamento no dia a dia. É contínuo”.
Rafael Santos
Pai da Ana, da Aretha e da Amara, é produtor de conteúdo digital e pesquisador de história e cultura africana. No podcast, contou sobre a reconstrução da sua masculinidade enquanto homem preto para que se tornasse o pai afetuoso e comprometido que almejava. Rafael buscou referências na ancestralidade africana e contou com o incentivo e acolhimento da esposa, Mariana Dias, nesse processo. Para ele, quando se discute paternidade é importante que as mulheres sejam ouvidas.
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“Eu vivo numa masculinidade pautada em valores nossos, como ética, disciplina e espiritualidade. E não estou falando de religião, mas sim sobre entendermos que somos seres espirituais. As masculinidades dos nossos ancestrais são pautadas em ética, honestidade, companheirismo, disposição para construir, inteligência e intelectualidade. Não essa intelectualidade validada por um sistema embranquecido, mas sim a intelectualidade a partir da vivência, da experiência do mais velho que é passada para o mais novo. A masculinidade africana é a masculinidade que eu miro. Já a minha paternidade, eu sempre falo que ela não é só sobre as minhas filhas. A paternidade que eu miro é aquela que se responsabiliza sobre suas ações, seus posicionamentos, sobre a maneira que se cuida de crianças pretas porque a minha paternidade é uma responsabilidade social comunitária”.
Marcelo Zig
Pai e avô, é filósofo, ativista do direito das pessoas com deficiência e fundador do Quilombo PcD, uma iniciativa que trabalha no combate aos impactos da aliança entre o racismo e o capacitismo na vida da pessoa preta com deficiência. Ao podcast, contou como os enfrentamentos ao racismo e ao capacitismo impactaram sua relação com o filho e revela que agora, como avô de uma criança, experimenta um vínculo mais sereno, com mais espaço para a ternura.
“Reconhecendo que o que foi realizado pelos nossos mais velhos, pelas nossas mais velhas, foi o que melhor que eles puderam fazer, mas entendendo que muita coisa do que eles praticaram já não cabe. Então, o tempo todo é um exercício de revisão. É como minha mãe diz: Filhos criados, trabalho dobrado.
Meu filho tem 27 anos, mas a relação continua a mesma. Ele vai continuar sendo meu filho. Mas a desconstrução do machismo, desconstrução da lgbtfobia, desconstrução do racismo, do capacitismo, de todas essas perspectivas dentro do nosso relacionamento a gente constrói permanentemente até hoje e vamos continuar ainda por muito tempo”.
Léo Medeiros
Ele e a filha Camila ficaram conhecidos como a família “transdicional”, pois ambos passaram pelo processo de transição de gênero quase simultaneamente. No podcast, falou sobre as dúvidas que surgiram após essas descobertas e como fez para lidar com tantas mudanças. Para entender mais sobre masculinidades e paternidades, por exemplo, ele buscou apoio em grupos que falam sobre os temas e ouviu os apontamentos da filha e da companheira com quem estava na época.
“Eu tive um relacionamento com uma mulher trans há uns anos atrás, nós três ficamos conhecidos como a família ‘transdicional’. Camila e minha companheira da época começaram a apontar situações em que eu estava sendo machista. Mas eu não percebia. Foi então que comecei a estudar, me aprofundar mais na cultura do lugar em que nasci.
Eu sou gaúcho, fui criado no Rio Grande do Sul, e eu carreguei comportamentos machistas. Por eu me sentir homem, quem é que eu buscava como referência? Homens. Então, desde a minha infância quando eu observava os pais, quando eu observava meus primos, não que eles sejam machistas, mas eu observava o comportamento. Então, ao observar comportamentos eu puxei muito para mim. Principalmente na maneira de falar. Em 2020, eu me dei conta. A partir daí, ingressei em grupos de masculinidade, paternidade, para entender do assunto, aprender, e disse: ‘eu sou machista pra caraca!’”.
Paternidades Plurais é uma iniciativa do Inspiratorio.org, com produção do Portal Catarinas em parceria com o projeto Homem Paterno.