Por Melina Girardi Fachin e Kassia Hellen Martins*
O movimento LGBTQIA+ (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, transgêneros, queers, intersexuais, assexuais e o + simboliza outros gêneros/sexualidade que não são contemplados nessas letras) é um processo de luta e resistência por um espaço igualitário e promoção de direitos.
Parcela do movimento tem questionado o binarismo presente na língua portuguesa e reivindicando uma forma de se comunicar que inclua mulheres e pessoas não binárias, evitando o uso do gênero masculino universal, a fim de promover a igualdade e evitar exclusões.
Ainda que o português falado hoje não seja igual ao de nossos antecedentes, algumas mudanças geram mais críticas que outras, como é o caso da linguagem inclusiva, o que demonstra o preconceito estrutural de certos setores da sociedade.
Desde o ano de 2020, tem sido observado um aumento de projetos de lei que associam a utilização da linguagem neutra com suposta “ideologia de gênero”. Estes projetos têm claras proibições quanto à utilização de variações linguísticas em escolas públicas e privadas, além da vedação em materiais didáticos e atividades culturais.
A inconstitucionalidade flagrante de tais iniciativas legislativas está posta perante o Supremo Tribunal Federal (STF) que, em 09 de fevereiro deste ano, formou maioria para declarar inconstitucional a Lei Estadual nº 5.123 de 2021, do Estado de Rondônia, que proíbe expressamente a linguagem neutra na grade curricular e material didático de instituições de ensino público ou provado, assim como em editais de concursos públicos. Para o autor do aludido projeto de lei, a linguagem não binária ou inclusiva é uma “verdadeira deturpação da língua portuguesa”.
Sobre tal questão, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino argumentou ao STF em ação direta de inconstitucionalidade (ADI) que a norma apresenta a marca da intolerância, da discriminação, da negação da diversidade, da liberdade de aprender e ensinar e do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas.
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A liminar deferida para suspensão da lei, baseando-se na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional da União e nos parâmetros curriculares nacionais do Ministério da Educação, concluiu que as diferentes variedades da língua portuguesa visam a combater o preconceito linguístico, “retirando vieses que usualmente subordinam um gênero em relação a outro”. A liminar ainda pontua que a linguagem inclusiva expressa elemento essencial da dignidade das pessoas, e “como tal, cabe ao Estado apenas o papel de reconhece-la, nunca de constituí-la“.
De modo contrário, a prefeita do município Rancho Queimado (SC) ao anunciar que encaminhou, em 8 de fevereiro, um Projeto de Lei proibindo o uso de “pronomes neutros” nas escolas, argumentou que “a gente fala para todos, a gente não fala para todes”. A iniciativa não está isolada, no Estado do Paraná, deputados estaduais aprovaram o Projeto de Lei nº 21.362/2023 que impede a utilização da linguagem inclusiva em qualquer nível institucional. Em Mato Grosso do Sul, foi sancionada uma lei que torna obrigatório o uso da norma culta da língua portuguesa em documentos oficiais e materiais didáticos no ambiente escolar. Em Belo Horizonte, em Joinville (SC) e em Juiz de Fora (MG) há também projetos que proíbem a linguagem neutra.
O precedente sob análise, e que já formou maioria para derrubar a lei de Rondônia, no controle concentrado, gerará efeitos contra todos e vinculantes, constituindo precedente relevante para barrar todas estas iniciativas que de neutras não têm nada!
*Kassia Hellen Martins é acadêmica de Direito pela Universidade Positivo (2019-2023) e membra da ANAJUDH-LGBTI.
* Melina Girardi Fachin é professora Associada dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Pós-doutoramento pela Universidade de Coimbra no Instituto de direitos humanos e democracia (2019/2020). Doutora em Direito Constitucional, com ênfase em direitos humanos, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Visiting researcher da Harvard Law School (2011). Mestre em Direitos Humanos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Autora de diversas obras e artigos na seara do Direito Constitucional e dos Direitos Humanos. Advogada sócia de Fachin Advogados Associados.