Laura* tem 38 anos e não quer engravidar. Em diálogo com sua ginecologista, ela escolheu o DIU de cobre como método contraceptivo e recebeu todas as guias preenchidas para solicitar a liberação da inserção do dispositivo à Unimed Grande Florianópolis. Porém, seu pedido foi negado pela operadora, que exigiu a autorização de dois médicos ginecologistas/obstetras antes de liberar o procedimento, argumentando que a paciente não tem filhos.
“Eu achei isso uma violência absurda, porque eu tenho 38 anos, pago as minhas contas, sou totalmente responsável por mim e não posso decidir colocar um DIU, que além de tudo é um procedimento extremamente reversível? É como se eu fosse predestinada a parir”, diz a paciente.
Dias depois, ela levou sua queixa para o Reclame Aqui e o DIU foi prontamente liberado, sem quaisquer empecilhos, como deveria ter ocorrido desde o início.
“O DIU é um LARC [contraceptivo reversível de longa duração, em tradução livre] e deve ser oferecido para jovens pela eficácia na prevenção de gestação não planejada. Desconheço qualquer recomendação que justifique a negação”, avalia a ginecologista e obstetra Halana Faria, mestra em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo.
Melissa Kanda, advogada especialista em Direito Médico e à Saúde, afirma que a operadora não pode estabelecer como condição de cobertura do procedimento que a paciente apresente parecer de outros profissionais.
“A inserção do Implante de Dispositivo Intra-Uterino (DIU) é de cobertura obrigatória para todos os planos de saúde segundo o Rol da ANS, e não há critérios que imponham condições à autorização do procedimento, bastando o pedido médico.”
Em nota, a ANS esclarece que, desde 2021, o implante de DIU, seja ele hormonal ou não hormonal, é de cobertura obrigatória para todos os planos de saúde regulamentados, e o procedimento não possui diretrizes de utilização.
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“Diante da solicitação de realização de procedimentos para os quais a legislação vigente não previu diretriz de utilização, embora a operadora também possa eventualmente solicitar informações adicionais sobre a condição clínica da beneficiária, não poderá negar cobertura em razão da ausência dessas informações complementares, uma vez que sua cobertura será obrigatória quando indicada pelo médico assistente”, informa o órgão.
Assim, a liberação do DIU é obrigatória sempre que solicitada pela(o) médica(o) assistente da beneficiária, sob pena de multa de R$ 80 mil.
Questionamos a Unimed Grande Florianópolis sobre seus protocolos, mas a operadora se negou a responder sem ter acesso aos dados da paciente. O Catarinas optou por preservar o sigilo da fonte, direito previsto pela Constituição Brasileira.
Benefício maior que o risco
O Catarinas teve acesso ao protocolo técnico para autorização de DIU não hormonal da Unimed Grande Florianópolis. O documento emitido em dezembro de 2021 aponta a nuliparidade, ou seja, o fato de a mulher nunca ter parido, como um critério de exclusão, sendo relativamente contraindicado o uso de DIU não hormonal por mulheres sem filhos.
No protocolo, a operadora argumenta que os critérios de exclusão estariam embasados em “conhecimentos recentemente publicados e aceitos pela comunidade científica”.
Já houve, na comunidade científica, uma discussão acerca dos riscos da inserção de DIU em mulheres nulíparas, porém, em 2018, uma publicação da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia) mostrou que as últimas evidências científicas são favoráveis, não restando empecilhos que justifiquem essa contraindicação.
“O uso de DIUs em nulíparas pode ser indicado, com benefícios que superam os riscos suportados por evidências consistentes, incluindo elevada eficácia, aceitação e segurança. A nuliparidade associa-se a maior intensidade da dor e dificuldades técnicas decorrentes da inserção. Entretanto, a maior parte das inserções são bem toleradas, refletindo-se em elevada continuidade e taxas de expulsão menores do que as encontradas em multíparas”, diz um trecho conclusivo da publicação.
O documento ainda aponta que “não há aumento no risco de perfuração, doença inflamatória pélvica e infertilidade com o uso dos DIUs em nulíparas”.
*Nome fictício para preservar a identidade da fonte, que assim o solicitou.