Em 2004, Marta, com 18 anos, disputou a primeira Olimpíada, em Atenas. Vinte anos depois, se despede da competição disputando uma final na França. Eleita seis vezes a melhor do mundo e considerada a Rainha do Futebol, a atleta é inspiração para meninas e mulheres ao redor do mundo.
Conversamos com uma menina e cinco mulheres que jogam e trabalham com futebol, que responderam a questão: Qual o legado de Marta para o esporte brasileiro?
As respostas destacam que o legado reflete o pioneirismo, luta, resiliência e representatividade de Marta.
“Ela é, sem dúvida, uma das maiores atletas que o Brasil já produziu, em qualquer modalidade”, afirma Kakau, jogadora do Coritiba Foot Ball Club, time paranaense.
Breve história
Natural do interior de Alagoas, foi criada pela mãe. Desde sempre, Marta gostou de jogar futebol, mas sofria preconceito por ser a única menina: “Quando os meninos falavam ‘merda’ comigo, eu simplesmente ignorava e continuava jogando. Quando eu chegava em casa depois dos jogos, era minha mãe quem me dava força”, escreveu no The Players Tribune em 2023, ano em que jogou a última Copa do Mundo.
Começou a jogar futebol no juvenil do Centro Sportivo Alagoano em 1999. No ano seguinte, com 14 anos, foi contratada pelo Vasco da Gama, onde jogou entre 2000 e 2002. Em 2004, começou a carreira internacional no Umea IK da Suécia.
Em 2003, jogou pela Seleção Brasileira nos Jogos Pan-americanos na República Dominicana e participou do time que ganhou a medalha de ouro. Nos Jogos Pan-americanos de 2007, no Brasil, a seleção foi novamente campeã. Nos Jogos Olímpicos, foi duas vezes medalha de prata, em 2004 e 2008.
Legado
Juliana Stolagli Baptistuta Gouvêa, a Juba, de 12 anos, procura o significado da palavra legado para responder à pergunta. “Coisa ou quantia que se deixa em testamento a quem não é herdeiro necessário”, é a resposta que encontra. “O que é passado às gerações que se seguem” é outra resposta possível para o significado da palavra. Após aprender o que a palavra significa, Juba define o legado de Marta como “resistência”.
“Ela continuou lutando mesmo sabendo que o futebol feminino naquela época não era tão valorizado e as meninas não tinham muito espaço. Eu tenho muito orgulho de praticar o mesmo esporte que ela”, afirmou Juba, que treina na Nossa Arena, em São Paulo.
“Se até para mim foi difícil começar, imagina para ela, tinha que ter muita coragem e força, por isso ela me inspira”, continuou.
Kakau, do Coritiba, destaca que além da técnica e habilidade de Marta, que a fizeram ser considerada por seis vezes a melhor do mundo, ela levou o futebol feminino brasileiro para o cenário global.
“Marta se tornou um símbolo de excelência e resiliência no futebol feminino, inspirando inúmeras meninas a acreditarem que é possível, sim, alcançar o sucesso em um esporte tradicionalmente dominado pelos homens”, diz.
Incentivo a meninas e mulheres
Júlia Vergueiro, sócia proprietária da Nossa Arena, espaço esportivo dedicado às meninas, mulheres e pessoas trans, enfatiza entre as conquistas de Marta ao longo da carreira, a forma como meninas são incentivadas a jogar futebol.
“A Marta foi capaz de transformar algo muito profundo na cultura brasileira: os pais e mães de meninas que antes sentiam vergonha das suas filhas por jogarem futebol e andarem no meio dos meninos, hoje sentem orgulho e falam de boca cheia que suas meninas querem ser como a Marta”, descreve Vergueiro.
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“Eu acho que a Marta vai ser para sempre a voz do futebol feminino e de meninas como eu, que amam praticar futebol”, define Juba. “Ainda não consigo imaginar a Marta fora dos gramados, porque a camisa dela pesa muito. Imagina você entrar para jogar e a Marta tá do outro lado, isso também é sobre legado”, aponta.
Julia Tavares, jogadora no Coritiba, coloca que se hoje as mulheres estão conquistando o lugar e tendo reconhecimento no futebol é por conta da luta de Marta.
“Acredito que a história da Marta é a maior inspiração para todas nós que jogamos, quando falamos de futebol feminino, lembramos dela como uma guerreira principalmente por tudo que conquistou não só para ela, como para as próximas gerações”, ressalta.
Cultura esportiva
Para Aira Bonfim, historiadora do futebol que fez parte da equipe que implantou o Centro de Referência do Futebol Brasileiro, no Museu do Futebol (São Paulo), o legado de Marta está relacionado aos benefícios duradouros deixados a gerações de brasileiras que nunca puderam se identificar com a herança identitária de um “Brasil, país do futebol”.
“A despeito desse desprezo, preconceito e proibições inerentes a história do futebol de mulheres, ela, como tantas outras pioneiras, influenciaram a cultura esportiva do Brasil e do Mundo, e continuam a impactar e modificar o status de acesso, para uma experiência mais igualitária, do acesso, prática e profissionalização das brasileiras em qualquer esporte”, aponta.
Mariana Santos, jornalista que trabalha no Fut das Minas, Canal GOAT e TV Brasil, também traz que Marta é uma das atletas mais importantes do Brasil porque desafiou um cenário totalmente contrário, em um país onde o futebol nunca foi considerado um esporte para mulheres.
“Ela lutou, assim como tantas outras, para que hoje o futebol feminino pudesse ser mais visto e respeitado. Saiu de casa muito nova, se mudou para outro país, e fez carreira fora do Brasil, mas nunca esqueceu suas origens e o que a fez chegar no mais alto patamar do esporte, seja dentro ou fora de campo”, descreve.
“Hoje em dias os tempos mudaram, ainda bem, mas muita coisa só foi possível porque lá atrás teve Marta para dar o primeiro passo”, ressalta Santos.
O que a Marta acredita
Em 2023, Marta escreveu sobre o que considera ser seu maior legado.
“Sinto um orgulho imenso ao imaginar que talvez existam meninas por aí me assistindo e que eu possa inspirá-las a alcançar seus sonhos. Isso significa muito para mim. Vale mais do que qualquer título, medalha ou troféu que ganhei. Ser alguém que as meninas podem admirar, alguém que mostre pra elas que seus sonhos podem se tornar realidade? Ter um impacto assim, ter isso como legado? Isso, para mim, é tudo o que eu poderia sonhar”, afirmou.
Final das Olimpíadas de 2024
O jogo da final das Olimpíadas 2024 ocorre no sábado (10), às 12h, horário de Brasília. A seleção brasileira joga contra os Estados Unidos.
Em São Paulo, a Nossa Arena transmite o jogo. A entrada é gratuita e a partir das 8h.