Meninas latino-americanas com menos de 14 anos estão sendo sistematicamente estupradas em seus espaços mais próximos e mais familiares, e depois forçadas a suportar gravidezes e partos, sem que a grande maioria tenha a opção de decidir sobre seu presente e futuro.

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Eles não são casos isolados. Embora os números sejam sempre imprecisos, incompletos e desatualizados – primeira evidência de quão pouco preocupa esta epidemia, a Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina e o Caribe (CEPAL) estimou em 2010 que mais de 60 mil meninas menores de 14 anos se tornam mães a cada ano. A cifra continua a subir e o Fundo das Nações Unidas para a População (Unfpa) diz que não há sinal de parar antes de 2030.

A grande maioria foi abusada e violada. Estamos falando de meninas que não só têm de suportar o trauma de ser agredida em sua mais profunda e frágil intimidade, mas também têm de suportar a gravidez e risco de parto, violência obstétrica e efeitos sobre sua saúde mental, como depressão, estresse pós-traumático e tentativas de suicídio, ao mesmo tempo que seu projeto de vida é quebrado.

Organizações internacionais como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e das Nações Unidas (ONU) têm apontado que esta tragédia a conta-gotas poderia ser mitigada, entre outros, com políticas de educação sexual fortes e, em particular, com a garantia do direito ao aborto, uma decisão que é sempre difícil, mas que, quando realizada de forma legal e segura, garante o direito à saúde e à vida de milhares de meninas na região.

A América Latina conservadora, incluindo setores católicos e evangélicos, respondeu a essas propostas sabotando os esforços para estabelecer qualquer programa de educação sexual que fortaleça e reconheça a soberania das mulheres menores de idade sobre seus corpos e desejos. Simultaneamente declarou guerra à luta pelo aborto legal, seguro e informado, amparada na defesa da vida, mesmo atrevendo-se inclusive a celebrar a maternidade infantil, como fez o jornal argentino La Nación em fevereiro.

Enquanto isso, nossos líderes responderam à essa epidemia com proibições, obstáculos e indiferença. Enquanto na maioria dos países da região a impunidade para os infratores é generalizada, na Nicarágua e Peru se criminaliza meninas que abortam, na Guatemala o Estado se dedica a tirá-las da casa de onde foram abusadas ​​para levá-las a um lugar de proteção social para parir, e em Equador e Colômbia, apesar de viver em contextos onde o aborto é legal em determinados eventos, as meninas estão nas mãos dos médicos, oficiais de proteção social e oficiais de justiça que inventam milhares de artimanhas para impedi-las de decidir.

Dói dizer, mas a América Latina parece operar como uma fazenda onde as meninas são tratadas como animais, inseminadas à força, e separadas de suas famílias e escolas para assumir o destino que a sociedade atribui às mulheres: reprodução.

Diante dessa realidade, há duas semanas quatro jovens da Guatemala, Nicarágua e Equador, que foram estupradas e grávidas quando crianças, compartilharam suas histórias e processaram seus Estados – duas delas de maneira presencial – perante o Comitê de Direitos Humanos da ONU. As sete organizações que as acompanham aspiram à comunidade internacional entender que a indolência social e estatal na América Latina é uma grave violação dos direitos humanos, da saúde e da vida.

É urgente levantar a voz em cada país para a integridade, consciência, autonomia e capacidade de decisão das meninas. Nós não os protegemos quando precisaram, não devemos a eles, pelo menos, o direito de definir seu projeto de vida?

Este editorial faz parte de #NiñasNoMadres, um diálogo regional sobre o impacto da gravidez forçada de meninas na América Latina, a que se unem GK e Wambra Meio Digital Comunitário, La Barra Espaciadora, Agitadoras, Sentimos Diverso, La Andariega, Sin Etiquetas (Ecuador), Mutante, El Espectador La Opinión (Colômbia), Ojo Público, Wayka, El Búho (Peru), Nómada (Guatemala), Managua Furiosa (Nicarágua), El Surtidor (Paraguai), Distintas Latitudes y Kaja Negra (México), LatFem y Cosecha Roja (Argentina), Portal Catarinas e Agência Pública de Investigação (Brasil), Alharaca Contenidos (El Salvador), Muy Waso (Bolívia), Efecto Cocuyo (Venezuela) e Periodismo de Barrio (Cuba)

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