O feminismo negro em luto por bell hooks
bell hooks, uma das pensadoras feministas mais lidas na última década, faleceu aos 69 anos.
Uma das pensadoras feministas mais lidas na última década, a ativista faleceu aos 69 anos
A escritora, professora e ativista Gloria Jean Watkins, mais conhecida pelo pseudônimo ‘bell hooks’, faleceu hoje, 15 de dezembro, aos 69 anos. O anúncio de sua morte foi feito nas redes sociais de sua sobrinha, Ebony Motley, que afirmou que hooks estava rodeada de amigos e familiares quando morreu, em casa, localizada na cidade de Barea, no Kentucky (EUA).
Nas redes sociais, diversas pessoas lamentaram a morte de hooks e celebraram o legado deixado pela autora, que possui 40 livros publicados, em 15 idiomas diferentes. A escritora e colunista Winnie Bueno, idealizadora do winnieteca, comentou sobre a perda em sua conta do twitter (@winniebueno).
“O feminismo negro está de luto. A teoria crítica está de luto. A filosofia está de luto. A educação está de luto. Todos aqueles que acreditam em uma sociedade sem barreiras, deveriam estar de luto”.
A intelectual estadunidense era uma das pensadoras feministas mais conhecidas da atualidade, sendo referência em diversos estudos acadêmicos, cursos e oficinas. Suas obras tratam de temas diversos, como feminismo, racismo, cultura, política, papéis de gênero, amor e espiritualidade.
Filha de uma empregada doméstica e um porteiro, hooks nasceu em 1952, em Hopkinsville, uma pequena cidade segregada do Kentucky, no Sul dos Estados Unidos. Seu pseudônimo, sempre escrito somente com letras minúsculas, era uma homenagem a sua bisavó. A escolha tinha como objetivo dar enfoque ao conteúdo da sua escrita, e não à sua pessoa.
Enfrentando o racismo nas escolas integradas, concluiu sua licenciatura em inglês na Universidade de Stanford, em 1973. hooks também fez um mestrado em inglês na Universidade de Wisconsin. Em 1983, concluiu o doutorado em literatura, pela Universidade da Califórnia.
hooks publicou seu primeiro livro de poemas “And There We Wept”, em 1978. A obra foi apenas o primeiro passo em uma carreira brilhante, que levou o nome de hooks para estantes em diversos países. Em 1981 a autora publicou um de seus livros mais conhecidos, intitulado “E eu não sou uma mulher? Mulheres negras e feminismo”.
Em solo brasileiro, também ganhou destaque, por meio de obras traduzidas como “Olhares negros: raça e representação”, “Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade” e “O feminismo é para todo mundo”.
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Conhecida pela sua genialidade como teórica feminista, o talento de hooks extrapolava as algemas da academia. Além de seus ensaios de cunho política, também contava com produções pessoais – textos onde poderia discorrer sobre a representação dos negros no cinema americano, ou, um videoclipe da Madonna.
bell hooks foi um marco para o feminismo, abrindo as portas de um movimento que até então era destinado apenas a mulheres brancas, de classe média e alta.
Em 2010, a Universidade de Berea, onde hooks lecionava, criou o Instituto bell hooks – que abriga uma coleção de arte afro-americana, objetos pessoais e cópia dos livros publicados da autora em outros idiomas.
O amor revolucionário de hooks
Em setembro deste ano, hooks foi homenageada em nossa série Palavra do Feminismo, onde destacamos suas reflexões sobre a força e importância do amor, em suas diversas possibilidades.
“Se nós lembrássemos constantemente de que o amor é o que o amor faz, não usaríamos a palavra de um jeito que desvaloriza e degrada o seu significado.”
O trecho destacado é de seu livro “Tudo Sobre o Amor”, publicado no Brasil em 2021. A obra é a primeira parte da Trilogia do Amor, mas a única com tradução para o português. Neste livro, a autora reflete sobre o que realmente é o amor, nas suas diversas manifestações: relações familiares, românticas, amizades e vida religiosa.
Indo contra o senso comum, que muitas vezes vê o amor como sinal de fraqueza e falta de razão, bell hooks nos mostra uma nova perspectiva, onde o amor é mais do que um sentimento, é uma prática, uma ação – capaz de transformar o niilismo, a ganância e a obsessão pelo poder que dominam nossa cultura.
A inspiração para falar sobre o tema surgiu quando, ao pesquisar sobre o amor, a autora encontrou “cinismo em lugar de esperança nas vozes de jovens e velhos”. E, para ela, o cinismo é a maior barreira que pode existir diante do amor, porque este intensifica as dúvidas e nos paralisa.
Conforme Silvane Silva, doutora em história social, que escreve o prefácio do livro “Tudo Sobre o Amor”, “hooks faz a defesa da prática transformadora do amor, que manda embora o medo e liberta nossa alma. Ela nos convoca a regressar ao amor. Se o desamor é a ordem do dia no mundo contemporâneo, falar de amor pode ser revolucionário”.
Inspirada por aqueles que utilizam do amor como arma poderosa para transformar a realidade, como Martin Luther King Jr, hooks retira o amor do niilismo cotidiano e o reposiciona como arma de luta em todas as esferas da vida, incluindo política e religião.
Silvane comenta que hooks fala do amor, mas não sem antes libertá-lo das ilusões românticas e alienadas, celebradas na literatura por décadas. A autora nos mostrou que somente por meio da construção de uma ética amorosa, seremos capazes de edificar uma sociedade verdadeiramente igualitária, fundamentada na justiça e no compromisso com o bem-estar coletivo.