O cuidado dos filhos adotivos ou biológicos pode passar a contar como tempo de serviço no cálculo da aposentadoria das mães. É o que propõe o Projeto de Lei 2647/21, de autoria da deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), aprovado em novembro na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher. A ele, foram apensados projetos similares das deputadas Talíria Petrone (PSOL-RJ) e Jandira Feghali (PCdoB-RJ). Agora, o PL está na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara para votação. 

Segundo o texto, mães e gestantes poderão contabilizar, para fins de aposentadoria, um ano de tempo de serviço por cada filho. Em caso de crianças com incapacidade permanente, o tempo de serviço por filho será de dois anos. A regra também é válida para filhos(as) adotados(as). Além disso, as mães que já tenham mais de um ano de Previdência Social poderão contabilizar mais dois anos adicionais por cada filho ou filha.

“É muito importante valorizar o trabalho das mulheres no lar porque criar filhos, criar cidadãos para um Brasil melhor, tem uma importância muito grande e isso é trabalho. Se é trabalho, precisa contar como tempo de aposentadoria”, disse Perpétua Almeida em sua conta no Twitter, após a aprovação do projeto

O projeto é semelhante à medida aprovada na Argentina. Desde agosto de 2021, o governo reconhece o cuidado com os filhos como tempo de serviço e, considerando alguns critérios, inclui esse tempo no cálculo da Previdência. Ao Catarinas, a deputada contou que a elaboração do PL teve inspiração na iniciativa do país vizinho. 

“A vitória das mulheres argentinas nos animou a lutar por esse direito aqui no Brasil também. Em 2021, a Argentina passar a reconhecer o cuidado materno para efeitos de aposentadoria foi uma vitória histórica, um marco no reconhecimento do trabalho das mulheres”, afirma. 

Deputada federal Perpétua Almeida em discurso na Câmara. Foto: Paulo Sérgio / Câmara dos Deputados

Na Argentina, a medida alcança mulheres que estão em idade de aposentadoria no país – 60 anos ou mais — e que não possuam os 30 anos mínimos exigidos de contribuição. A regra previa alcançar 155 mil mulheres. O texto estipula ainda dois anos por filho adotado e é adicionado um ano para cada filho com deficiência.

Economia do cuidado

A mudança no país vizinho repercutiu entre lideranças políticas e organizações pela igualdade de gênero, que viram na mudança mais um exemplo prático para valorizar o trabalho de cuidado na política institucional. Em entrevista ao Catarinas, a empreendedora social e co-fundadora da Think Olga, Nana Lima, conta que tanto a medida na Argentina quanto no Chile foi vista com otimismo por colocarem em debate um assunto fundamental para a equidade de gênero: a economia do cuidado.

Nana Lima, co-fundadora do Think Olga. Foto: Anne Karr

Em 2022, o Think Olga começou a realizar um laboratório que se debruça sobre o tema e suas complexidades, e levantou dados durante a pandemia, com o objetivo de mensurar toda a colaboração das mulheres e meninas para a existência da sociedade.

“Se remunerassem as mulheres e meninas no Brasil pelo trabalho do cuidado, pelos afazeres domésticos, a manutenção da vida, tudo que a gente sabe que fica na esfera do privado, se elas fossem remuneradas por essas horas, isso equivaleria a 11% do PIB nacional. É o dobro do agronegócio.”

Nana Lima destaca que enquanto as mulheres têm toda uma sobrecarga do trabalho doméstico e do cuidado com a vida, os homens (cis) têm muito mais tempo para se dedicar à educação, ao descanso e ao lazer. Então, o cuidado tem sido um agravante da desigualdade de gênero. 

“Não se trata mais de uma jornada tripla, mas sim contínua. Você trabalha fora de casa, num vínculo profissional, e depois você volta e trabalha dentro de casa, e isso vira uma jornada contínua. As mulheres nunca param de trabalhar”, enfatiza. 

Vale lembrar que desde 2019, a reforma da Previdência alterou algumas regras para a aposentadoria no país. São três modelos de transição: pontos; idade e tempo de contribuição; e idade mínima. Esses sistemas contam com diferenças para homens e mulheres, na tentativa de preencher as lacunas deixadas pelo Estado em relação ao mercado de trabalho e à distribuição do cuidado na esfera pública.

Perguntada sobre a motivação para a criação do PL, a deputada Perpétua Almeida apontou justamente essa má distribuição: “As mulheres, na maioria, são as grandes responsáveis pelo trabalho doméstico e pelos cuidados de crianças e idosos. E encontram dificuldades de permanecer no mercado de trabalho ou de voltar ao mercado, se dele tiveram que sair por conta do trabalho familiar.”

Perpétua Almeida completa que o Estado brasileiro ainda não tem políticas públicas suficientes para reparar essa desigualdade estrutural, e que o PL é uma busca para enfrentar o problema, ainda mais agravado pela pandemia. 

Dados da Gênero e Número e da Sempreviva Organização Feminista mostram que metade das brasileiras passaram a cuidar de alguém desde o início do período pandêmico. O levantamento foi feito com base nas respostas de 2.641 mulheres, de todas as regiões do Brasil, na área urbana e rural.

Já o relatório do Think Olga sobre economia do cuidado revela que, por semana, as mulheres gastam 61 horas em atividades não-remuneradas, e esse trabalho equivaleria a 10,8 trilhões de dólares. O material destaca que quando aplicado o recorte de raça, as mulheres negras são a base da pirâmide econômica brasileira e, portanto, são as principais responsáveis pelo trabalho reprodutivo e/ou pelo trabalho de cuidado. 

“Estamos falando agora de cuidado com filhos por causa desse projeto de lei, mas um dia a gente vai precisar de cuidado, a gente vai precisar cuidar de alguém. Então, enquanto não colocarmos o cuidado no centro da sociedade para se pensar que todo mundo deveria cuidar e vai precisar ser cuidado, não haverá avanço”, afirma Nana Lima.

Novo governo

A expectativa da deputada Perpétua Almeida é de que o projeto seja aprovado em 2023, portanto, sob a gestão do presidente eleito Lula. Para Nana Lima, o novo governo é muito mais aberto para que o debate em relação à economia do cuidado aconteça e para que mudanças concretas sejam implementadas.

“Estamos bem otimistas em relação ao crescimento dessa pauta, a conseguir levantar mais dados, colocar esse debate na boca de todo mundo, nas empresas, em diferentes setores da sociedade, porque é isso. É o maior subsídio para nossa economia. Se as mulheres pararem, a economia para.”

*Acesse lab.thinkolga.com e confira o relatório completo do Lab Cuidado e Política, além da programação para 2023. 

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  • Kelly Ribeiro

    Jornalista e assistente de roteiro, com experiência em cobertura de temas relacionados a cultura, gênero e raça. Pós-gra...

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