Com Ataque dos Cães, Jane Campion tornou-se, no último domingo, 27, a terceira mulher a receber o Oscar na categoria Melhor Direção na história da premiação. Antes dela, a cineasta Chloé Zhao havia recebido o prêmio, em 2021, com o filme Nomadland e, em 2010, Kathryn Bigelow havia levado a estatueta com Guerra ao Terror.
A diretora neozelandesa já conta com mais de oito longas metragens na carreira e entrou para a história por ser a primeira mulher com mais de uma indicação de Melhor Direção no Oscar. Ela já havia concorrido ao prêmio em 1994, com o filme O Piano e, este ano, Ataque dos Cães foi campeão de indicações.
Em uma entrevista ao The Guardian, em novembro de 2021, Jane comentou que entrar em um universo tão masculino como o gênero western, a deixou intimidada, mas continuou na direção do longa metragem pois foi influenciada pelo movimento Me Too, que denuncia abusos sistemáticos em Hollywood.
“Desde que o movimento Me Too aconteceu, sinto uma mudança no clima. É como o muro de Berlim caindo ou o fim do apartheid para nós, mulheres”, comentou.
Para a cineasta, o movimento #MeToo (#EuTambém) – criado para chamar a atenção para denúncias de assédio e agressão sexual contra mulheres no âmbito artístico e que expôs atores, diretores e produtores da indústria cinematográfica nos Estados Unidos – foi muito importante para que ela mantivesse a confiança mesmo dirigindo um faroeste, gênero tão marcado pela masculinidade.
“Foi uma força tão poderosa que acho que abriu um espaço totalmente diferente para explorar esse tipo de assunto. Era como se aquelas mulheres, principalmente mulheres jovens, tivessem descascado tantas camadas de cebola no que diz respeito à masculinidade, que criou um espaço para velhos guerreiros como eu explorarem uma história muito masculina como esta”, falou ao The Guardian.
O Western sob o olhar de Jane Campion
Na segunda metade do século 20, o faroeste já era visto como um subgênero dentro do cinema norte-americano. Suas produções eram caras e demandavam muito trabalho para a construção de cenários, uma vez que era taxado como um produto de outros tempos, assim como também os temas que abordavam.
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Alguns poucos momentos da trajetória cinematográfica desse gênero podem ser considerados pontos de virada. Um destes pontos é quando o italiano Sergio Leone lança, em 1966, The Good, the Bad and the Ugly, um marco na estética do faroeste. No filme, o roteiro fica quase em segundo plano para privilegiar a criação de imagens memoráveis, como se grandes quadros de paisagens desérticas e decadentes fossem transportados para as salas de cinema.
Outro marco no gênero ocorreu em 2005, com o lançamento de O Segredo de Brokeback Mountain, quando o diretor Ang Lee revira o gênero ao contar a história de dois cowboys que acabam se apaixonando enquanto realizavam serviços de pastoreio no ambiente machista e misógino do meio oeste americano. Aqui, Ang Lee não satiriza a masculinidade do faroeste, mas coloca a questão humana em primeiro plano: mesmo no mais rústico e insensível dos ambientes, a paixão e humanismo irão aflorar, onde quer que estejamos.
Já Jane Campion segue uma linha humanista no ambiente do faroeste em Ataque dos Cães, no qual impõe a figura feminina como a convergência da figura do homem do oeste, ao mesmo tempo que pode ser considerada, também, seu contraponto.
Ataque dos Cães
Ataque dos Cães acompanha os irmãos Phil (Benedict Cumberbatch) e George (Jesse Plemons), em 1925, que são proprietários da maior fazenda de Montana. Enquanto Phil é brilhante, mas cruel, o irmão mais novo é um homem muito gentil.
Quando George secretamente se casa com a viúva local Rose (Kirsten Dunst), Phil, de postura rígida, faz o possível para atrapalhar a vida de Rose e seu filho Peter (Kodi Smit-McPhee). Apoiado pelos vaqueiros em suas zombarias, ele não para até criar conflitos maiores.
Em Ataque dos Cães somos transportados ao oeste americano no começo do século 20, um momento de intensa urbanização e desconstrução da figura do desbravador, agora relegado a uma figura de segundo plano dentro da construção do modelo social capitalista-burguês.
O filme não se furta em tratar desse ambiente em transformação enquanto tensiona ainda mais a questão ao tratar da figura feminina, interpretada por Rose, nesse meio: o homem bruto vê seu reinado nesse universo moral se desvanecendo e a raiva com que reage a essa deterioração da sua figura social arrasta todos à sua volta.