A terceira audiência do caso “Marlene de Fáveri”, realizada na tarde de terça-feira (6), foi marcada por manifestações de apoio em várias universidades do Brasil. Em frente ao Fórum da Capital, em Santa Catarina, a professora processada na esfera civil por perseguição religiosa, foi recebida por professoras/es, alunas/os e ativistas que gritavam “Somos Marlene de Fáveri” e “Escola Sem Mordaça”. Ao final da audiência, manifestantes ainda aguardavam a saída de Marlene. Ao sair do fórum, o pai da autora da ação, que também é advogado do caso, ergueu os braços e bradou “Bolsonaro” em repúdio às manifestantes.
Professores/as que orientaram a aluna depois da desistência de Marlene foram ouvidos na audiência. A testemunha da autora da ação já havia prestado depoimento no Fórum de Chapecó, em maio. Por decisão do juiz, o caso segue agora sob segredo de justiça. Marlene, que é professora de história da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), tornou-se ré na ação de indenização por danos morais, movida pela ex-aluna Ana Carolina Campagnolo. Entenda o caso.
“As testemunhas fizeram uma narrativa dos fatos vivenciados na instituição entre 2013 e 2016 – período de entrada e saída da autora na universidade – sustentando a tese muito importante de que não houve qualquer assédio ou perseguição de natureza ideológica que dê causa a essa ação indenizatória. A audiência foi boa. Aguardamos o deferimento da oitiva da aluna que não pode comparecer. Ela é uma testemunha muito importante porque foi aluna especial na disciplina e pode contar com mais detalhes como tudo se desenvolveu. Agrademos as pessoas que fizeram manifestações. Sabemos que é uma ação indenizatória individual, mas que envolve uma luta pela educação no Brasil e por uma escola sem mordaça. É muito importante que a gente continue atento a esse tipo de ação temerária”, afirmou a advogada Daniela Felix em vídeo ao Catarinas.
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Durante todo o dia ocorreram aulas públicas e debates em todo o país em solidariedade à professora. Na Udesc professoras/es realizaram o debate “Gênero e os usos políticos da escola”. A discussão também pautou a “II Jornada Historiadores contra o Escola sem Partido” da Associação Nacional de História (ANPUH) do Rio Grande do Norte. Na Universidade Federal Fluminense (UFF), ocorreu a mesa redonda “Somos Marlene de Fáveri: uma discussão sobre gênero e Escola Sem Partido”, na Universidade Federal de Goiás (UFG), a aula “Somos todas/os Marlene de Fáveri: gênero e liberdade de ensinar ” e na Universidade de São Paulo (USP) a mesa “Ideologia de gênero: embates e implicações políticas”. A ANPUH nacional lançou uma campanha colaborativa para pagar os custos com a defesa no processo e já arrecadou mais de R$ 9 mil. Orientações para doação aqui.
“A gente não entende como ela (ex-aluna) pode fazer essas alegações. É algo totalmente sem sentido em relação ao que a gente vivenciou na sala de aula. Como professor me sinto muito ofendido com o que o Escola Sem Partido vem fazendo no plano nacional com a profissão de docente. Além disso, vim prestar solidariedade porque temos acompanhado como a professora vem sofrendo com esse processo”, afirmou o professor de história Hudson Campos Neves, um dos alunos da professora que conviveu com a autora da ação em sala de aula.
Para Renata Santos Maia, doutoranda da UFSC, o caso abre um alerta para todas/os as/os professores/as e pesquisadores/as. Ela lembra que com a reforma do ensino médio, a disciplina deixou de ser obrigatória. “A história está sendo atacada de todos os lados. Agora, professoras e professores se sentem constrangidos na sala de aula. No caso da Marlene, isso ficou ainda mais claro, ela virou um ícone. Todo o nosso apoio e união para que esse caso não seja uma derrota, pois isso abre um precedente pra investiduras ainda mais fortes.”
“Apoiar a professora Marlene significa apoiar uma educação crítica, que promove a liberdade, que estimula o pensamento. Coibir as discussões em sala de aula, sobre gênero e diversidade é fechar os olhos pra uma realidade social que está na escola, que está na universidade e que precisa ser debatida. Então se nós queremos uma educação libertadora, se nós queremos a autonomia dos nossos estudantes e dos professores, precisamos apoiá-la”, afirmou Dulceli Estacheski, professora de história e doutoranda da UFSC.
Processo de intimidação
Cristina Scheibe Wolff, professora do Departamento de História da UFSC, analisa que enquanto na ditadura a repressão ocorria pelos aparelhos do Estado, atualmente há um processo de intimidação dos professores, articulado pela própria sociedade civil com destaque para a atuação do Movimento Brasil Livre (MBL). “Os representantes do MBL defendem o Escola Sem Partido, mas eles têm partido. O que está em jogo é a liberdade de cátedra, é a liberdade da professora e professor trabalharem criticamente sobre a situação política que estamos vivendo e questões que passam pelo cotidiano e vida das pessoas. Me sinto ameaçada por esse processo na medida em que ele questiona a liberdade de expressão, a luta pelo direito das mulheres e o gênero enquanto campo de estudo acadêmico. A gente precisa dessa reação para defender o direito à manifestação”, argumenta.
Para a professora, a posição da autora da ação é contraditória ao reivindicar liberdade de expressão por meio de uma ação que busca a repressão e o cerceamento de direitos. “O caso tomou dimensão nacional no sentido da defesa da educação como um espaço de liberdade, de fazer educação crítica, de formar cidadãos capazes de expressar sua opinião livremente, sem preconceitos e sem repressão. A expressão, contudo, não pode ser de ódio, porque neste caso não é liberdade.”