Em abril, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou a Lei 14.541/23, que torna obrigatório o atendimento 24 horas nas delegacias das mulheres no país. Porém, o poder público de Santa Catarina não está cumprindo a legislação. Como alternativas, o governo de Jorginho de Mello (PL) disse que já fornece duas formas de atendimento 24 horas para mulheres vítimas de violência, por meio da Delegacia Virtual e nas Centrais de Plantão de Polícia (CCP), e que estão sendo implementadas Salas Lilás para atendimento personalizado. Organizações ligadas aos direitos das mulheres não concordam com as alternativas e pedem que a legislação seja cumprida.

“Não é uma sala com adesivo lilás que vai salvar a nossa vida, que vai nos proteger, que vai nos dar amparo psicológico, emocional e material. O estado de Santa Catarina tem que cumprir a determinação da lei. Não existe essa possibilidade de nós, mulheres em Santa Catarina, aceitarmos Salas Lilás”, afirma Rosane Martins, advogada e membra da Mães do Amor em Defesa da Diversidade, que, junto de outras organizações de Blumenau, lançou uma campanha pelo cumprimento da lei no município.

Em Santa Catarina, há uma Delegacia da Mulher ligada à Diretoria Estadual de Investigações Criminais, em Florianópolis, que trabalha na investigação dos casos mais complexos envolvendo violência doméstica. Nessa delegacia, não é possível realizar registro de ocorrência. Em outras regiões do estado, existem 32 Delegacias de Proteção à Criança, ao Adolescente, à Mulher e ao Idoso (DPCAMI). Os horários de atendimento das DPCAMis variam de unidade para unidade –  algumas funcionam a partir das 8 horas, outras só abrem às 12 horas. O expediente é encerrado entre 18 e 19 horas.

“Quantas de nós ainda teremos que ser ameaçadas, perseguidas, violentadas, estupradas e mortas para que tenhamos direito à proteção mínima, numa delegacia que nos atenda 24 horas por dia, sete dias da semana?”, questiona a campanha assinada pelo 8M Blumenau, Mães do Amor em Defesa da Diversidade, CDDH Blumenau, Coletivo O Amor Vence, Batucada Feminista/Marcha Mundial das Mulheres, Instituto Bia Wachholz, Instituto Feminista Nísia Floresta, UBM Fridas, Sindetranscol, Sintrafite, Sintraseb, PT, PC do B e Psol.

Em Joinville, também há uma campanha pelo cumprimento da legislação. “O DPCAMI de Joinville nos informou que não tem prazo ou expectativa de tornar o funcionamento da delegacia 24h, pois o governador cancelou todos os concursos e, segundo eles, o problema está na falta de pessoal”, relata Ane Wisbeck, do Movimento Feminista da Diversidade. Segundo ela, o movimento quer informar e engajar a sociedade sobre a importância do funcionamento 24 horas das delegacias, além de promover uma petição que será levada à Câmara de Vereadores.

“Nos horários em que o agressor está em casa, quando pensamos em violência doméstica, a delegacia está fechada. É desesperador ser vítima de violência e não ter onde pedir ajuda”, afirma Wisbeck.

“A violência não ocorre somente de segunda a sexta-feira em horário comercial, então como as delegacias só atendem nesses momentos?”, questiona Martins.

Wisbeck descreve o não cumprimento da lei como um descaso do poder público municipal e estadual. “Isso é histórico quando a pauta é a favor das mulheres. O patriarcado, o fascismo, o machismo, o racismo, a LGBTfobia são muito fortes em nosso estado. Não nos dar espaço é fortalecer o sistema opressor”, destaca. 

Salas Lilás 

As Salas Lilás são descritas como “espaços de acolhimento para que a vítima não fique exposta” nas Centrais de Plantão de Polícia. Segundo o governo, quando possível, a atuação de políticas femininas é prioritária. Esses espaços já estão estão em funcionamento em Florianópolis (CPP da Capital e 7ª DP), Palhoça, São José, Santo Amaro da Imperatriz, Penha, Timbó, Gaspar, Xaxim, Camboriú, Fraiburgo e Sombrio. O governo informou, em 13 de junho, que em breve as salas abrirão em Joinville, Balneário Camboriú, Campos Novos, Curitibanos e Lages, e que as demais CPPs do estado também receberão as Salas Lilás.

“A Lei 14.541/23 prevê em seu art. 3º, § 1º, que ‘o atendimento às mulheres será realizado em sala reservada e, preferencialmente, por policiais do sexo feminino’, isso tem sido cumprido nas Centrais de Plantão Policia Civil, nas chamadas ‘Salas Lilás’”, defende o governo de Santa Catarina.

“A lei exige delegacias especializadas no atendimento às mulheres e não fala em Sala Lilás em outras unidades”, rebate Rosane Martins.

“As mulheres não querem Salas Lilás em delegacias que não são especializadas. Nós exigimos o cumprimento da lei, onde as delegacias de atendimento especializado à mulher, que nem existem aqui em Santa Catarina, tenham assistência jurídica, psicológica e social para atender integralmente a mulher quando vítima de violência”, completa.

Assistência psicológica e jurídica

Ane Wisbeck, do Movimento Feminista da Diversidade de Joinville, aponta que o funcionamento 24 horas das delegacias não é a única demanda dos movimentos feministas que estão relacionadas ao combate a violência contra mulheres no estado. “Precisamos de mais casas de acolhimento, de uma campanha forte dos governos contra a violência contra a mulher, da efetiva aplicação da lei 14.164, de uma vara especial no fórum, de creche para as e os filhos, oportunidades de trabalho, acesso à educação e à moradia. Nossas vidas só recomeçam quando a violência acaba”, diz.

Além da questão do atendimento 24 horas, a lei também coloca que as delegacias deverão prestar assistência psicológica e jurídica à mulher vítima de violência, mediante convênio com a Defensoria Pública e outros órgãos. A assessoria da Defensoria Pública de Santa Catarina nos informou que “não houve protocolo de nenhuma solicitação formal por parte do governo ou das Delegacias de Proteção à Criança, ao Adolescente, à Mulher e ao Idoso (DPCAMI) para tratar sobre o referido convênio”.

Também perguntamos à assessoria da defensoria se já existem convênios anteriores à lei entre o órgão e o governo de Santa Catarina. De acordo com a Defensora Pública, por meio da coordenadora do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (NUDEM), Anne Teive Auras, as atuações conjuntas com a Polícia Civil se dão no âmbito de comissões e grupos de trabalho interinstitucionais, como, por exemplo, o Comitê Gestor do Observatório da Violência contra a Mulher. “Nesses GTs são debatidas questões específicas em relação ao atendimento às mulheres em situação de violência no estado”, explica.

Em relação à assessoria jurídica a mulheres vítimas de violência, o governo estadual respondeu que conta com um convênio anterior à lei, com a Ordem dos Advogados Brasil (OAB SC), que, através do programa OAB por Elas, presta serviço de orientação jurídica para as mulheres vítimas de violência e que apresentem essa demanda. “Atualmente a OAB, por meio de suas advogadas, tem procurado as Delegadas titulares de DPCAMI e se prontificado a atender às mulheres vítimas de violência em salas destinadas a esse fim, mas nada impede que, caso haja vontade da Defensoria Pública, seja firmado convênio nesse sentido”, respondeu o governo em nota.

Sobre a assessoria psicológica, o governo do estado nos informou que a Polícia Civil conta “com Psicólogos Policiais Civis em seus quadros, que servem para atuação na investigação Policial Civil como, por exemplo, na comprovação da violência psicológica, dentre outras formas de violência”. A assessoria também afirma que  foi aprovado um novo concurso que prevê 30 vagas para psicólogos policiais e 30 vagas para delegados de polícia.

Entramos em contato com o Ministério das Mulheres e da Justiça e Segurança Pública para questionar se as pastas estão acompanhando o comprimento da nova lei. O Ministério das Mulheres respondeu que “para que a Lei 14.541/2023 seja cumprida, é necessário que os Estados ampliem o quadro de funcionárias que atuam nas Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher e Delegacias de Defesa da Mulher. Nesse sentido, o Ministério das Mulheres informa que já entrou em contato com o Ministério da Justiça e Segurança Pública solicitando uma reunião para tratar da regulamentação da lei (etapas e prazos para a implementação no país)”. A pasta da Justiça e Segurança Pública não respondeu à reportagem.

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  • Daniela Valenga

    Jornalista dedicada à promoção da igualdade de gênero para meninas e mulheres. Atuou como Visitante Voluntária no Instit...

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