Quarta edição do Boletim produzido por grupos feministas apresenta as últimas notícias sobre direitos sexuais e reprodutivos em tempos de pandemia no Brasil

A última edição do Boletim Futuro do Cuidado, lançado na última sexta-feira (16), apresenta um cenário desolador no Brasil: o país é campeão mundial em número de mortes de gestantes e puérperas por complicações da Covid-19. 

Além das mais de 370 mil mortes, pessoas gestantes e com recém nascidos, majoritariamente mulheres pretas e pobres, representam um número cada vez maior de vítimas da Covid-19. Com relação à média semanal de 2020, o número de mortes em 2021 mais que dobrou no país, segundo levantamento do Observatório Obstétrico Brasileiro COVID-19 (OOBr Covid-19), que mostrou que um terço das gestantes e puérperas que morreram em decorrência da Covid-19 foram afetadas pela falta de leitos em UTIs (unidades de terapia intensiva) e de acesso à intubação.

De acordo com o levantamento, no ano passado foram registradas 453 mortes (10,5 óbitos na média semanal). Em 2021, até 7 de abril, foram 289 mortes (22,2 óbitos na média semanal). 

Diante disso, a única providência do Ministério da Saúde, tomada somente na última semana, foi incluir gestantes com comorbidades à lista prioritária para a vacinação e orientar as mulheres a não engravidarem no período, ignorando o fato de que o acesso à métodos contraceptivos diminuiu no país durante a pandemia e responsabilizando as mulheres, segundo artigo da SPW publicado hoje, sem garantir seus direitos. 

Citado pelo Boletim, estudo do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA, na sigla em inglês), intitulado Meu corpo me pertence, que abrange 115 países de baixa e média renda, inclusive o Brasil, mostra que aproximadamente 12 milhões de mulheres perderam acesso a serviços de planejamento familiar em seus países devido à pandemia da Covid-19.

O Estudo também mostrou que quase metade delas (45%) diz não ter opção de escolher se quer ou não manter relações sexuais com seu parceiro, nem usar anticoncepcionais ou procurar atendimento médico.

Entidades como a Rede Feminista de Ginecolonistas e Obstetras lançaram manifestos e abaixo assinados para que gestantes e puérperas sejam incluídas na categoria prioritária para a vacinação.

Abandono das gestantes e proteção do produto da concepção

Enquanto isso, o Senado brasileiro estudava colocar em votação o Projeto de Lei n° 5435/2020, cujo nome “Estatuto da Gestante” em nada condiz com a realidade. 

Nomeado de “Bolsa Estupro” pelos movimentos feministas, o projeto não visa a proteção das gestantes, vítimas frequentes de violência obstétrica, da diminuição do acesso ao pré-natal devido ao remanejamento dos serviços de saúde durante a pandemia e de morte em decorrência de complicações pela Covid-19. Ao contrário, o Projeto proposto pelo senador Eduardo Girão (Podemos/CE), está focado na “proteção” do produto da concepção e obriga as mulheres vítimas de estupro a levarem a termo a gestação resultante dessa violência, oferecendo uma valor financeiro à gestante e chamando o estuprador de “genitor”.

O PL é uma evidente tentativa de restringir os direitos ao aborto já conquistados. No Brasil, a interrupção da gestação é permitida em caso de gravidez resultado de estupro, quando incorre em risco de morte da gestante (direito garantido pelo Código Penal de 1940) e em caso de anencefalia fetal (decisão do STF, em 2012). Conforme matéria publicada pelo Portal Catarinas, o projeto representa a institucionalização da misoginia no Brasil – e não é coincidência que o Portal sofreu ataques após a publicação desta matéria. 

Acompanhantes de aborto: entre a criminalização e a ética que salva vidas

O Boletim ainda apresenta um relato emocionante sobre o julgamento de uma mulher que ajudou Ingriane Barbosa, negra, 30 anos, na realização de um aborto, em 2018, em Petrópolis, Rio de Janeiro. O procedimento feito de forma insegura e a demora em buscar socorro médico, devido ao medo de criminalização, resultaram na morte de Ingriane e na criminalização da mulher que a ajudou no procedimento. Graças a uma defesa feminista, que demonstrou a responsabilidade do Estado sobre o ocorrido, o júri atenuou as circunstâncias, o que resultou em decisão considerada positiva para a mulher.

Além de outros assuntos de primordial relevância sobre os direitos e a saúde sexual e reprodutiva das mulheres e pessoas com útero no Brasil e na América Latina, o Boletim ainda traz o artigo O futuro do cuidado já é presente: Sistemas feministas de atenção ao aborto autônomo, da advogada e pesquisadora Mariana Prandini, que nos convida a conhecer as importantes e transformadoras experiências de aborto autônomo com acompanhamento de grupos feministas latino-americanos.

O Boletim Futuro do Cuidado é resultado da construção coletiva de um grupo formado por organizações como Anis – Instituto de Bioética, Cfemea, Campanha Nem Presa Nem Morta, SPW, Grupo Curumim, Portal Catarinas, Criola, Coletivo Margarida Alves e Rede Feminista de Saúde, que se reúne para produzir conteúdo em defesa das mulheres e de todas as pessoas que possam gestar. Acesse: https://futurodocuidado.org.br/boletim/

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  • Morgani Guzzo

    Jornalista, mestre em Letras (Unicentro/PR) e doutora em Estudos de Gênero pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Hu...

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