Durante agenda em Florianópolis, nesta quinta-feira (20), a ministra das Mulheres Cida Gonçalves anunciou a criação de um grupo de trabalho interministerial que deve trabalhar ao longo de noventa dias para discutir políticas públicas de combate à violência de gênero e respostas mais rápidas da institucionalidade. A medida foi divulgada durante uma reunião na Câmara de Florianópolis, organizada a partir das ameaças de morte feitas a cinco parlamentares catarinenses em fevereiro deste ano. Além do grupo de trabalho, a ministra disse ser necessário criar um canal de denúncias efetivo e que “é preciso fazer uma grande marcha contra a misoginia neste país”. 

“Eu vou correr todo o Brasil, vou em todos os estados, quero fazer audiência pública, quero voltar aqui para falar com o governador e quero falar com todos os governadores, com prefeitos e prefeitas. Nós precisamos dizer a eles que o estado brasileiro não aceita misoginia, não aceita preconceito, não aceita discriminação. Esse eu entendo que é o papel do Ministério das Mulheres, esse é o meu papel”, disse durante o evento. Gonçalves colocou como objetivo ter uma resposta concreta até agosto: de um lado as políticas públicas e do outro um enfrentamento nacional ao problema. Além do Ministério das Mulheres, também estariam envolvidas as pastas da Igualdade Racial, Direitos Humanos, Justiça e Segurança Pública, e Povos Indígenas. 

A primeira vinda da ministra a Santa Catarina depois de ter sido empossada ocorre após a sua participação online em um evento, em fevereiro, em apoio às parlamentares que foram ameaçadas de morte, quando ela assumiu o compromisso de fazer esta visita e construir estratégias para enfrentar a violência política em SC. Essas mesmas parlamentares foram convidadas para a reunião, que contou com a articulada da Carla Ayres (PT), vereadora de Florianópolis. Estiveram presentes Giovana Mondardo (PCdoB) de Criciúma, Maria Tereza Capra (PT), vereadora cassada por denunciar atos nazistas em São Miguel do Oeste, e Marlina Oliveira (PT) de Brusque.

Carla Ayres (PT) foi uma das articuladoras da visita da ministra das Mulheres. | Foto: Bianca Taranti.

Governo federal dá primeira resposta à violência política em SC

Para a anfitriã da Casa, a vereadora Carla Ayres (PT), esta agenda é uma primeira resposta do Poder Executivo Nacional para os casos de violência política. “É uma sinalização muito importante trazer a ministra das Mulheres para a capital de um estado que, infelizmente, vem protagonizando os noticiários com casos recorrentes de violência política de gênero”, disse a parlamentar em entrevista ao Catarinas. Durante a sua fala de abertura, a petista denunciou que vereadoras progressistas vêm sofrendo recorrentemente algum tipo de violência, ameaça e cerceamento de fala, mencionando o caso da vereadora Ana Lúcia Martins, de Joinville, ameaçada de morte antes de tomar posse

A ex-vereadora de São Miguel do Oeste, Maria Tereza Capra, atualmente secretária estadual de mulheres do PT/SC, destacou a “situação aterrorizante que é o avanço do neonazismo e neofascismo” em Santa Catarina e fez um pedido à ministra: “É preciso que o Governo Federal, agora, um governo popular, assuma a condução da criação de uma política específica de combate à violência política de gênero”.

Marlina Oliveira (PT), vereadora de Brusque, expôs a intersecção com a raça na sua experiência como parlamentar, a qual vem sendo constantemente violentada, inclusive através de um processo de cassação. “Temos percebido que a questão da cassação é um instrumento para intimidar, para tentar nos fazer calar e até mesmo desistir dos nossos espaços”, afirmou Oliveira. Ela descreveu o espaço político como hostil a todas as mulheres. “Nós somos minorias. Eu sou a única mulher entre quinze vereadores. E neste contexto, as nossas demandas e pautas são colocadas, a todo momento, em uma posição de deslegitimidade”.

Com um relato comovente, a vereadora Giovana Mondardo (PCdoB) de Criciúma, abordou os medos e as mudanças que a violência política trouxe para a sua vida. “A gente quer dormir à noite sem ter medo de levar uma bala na casa, sem ter o endereço divulgado nas rádios da cidade, sem precisar se mudar porque não sabe se alguém vai abrir a porta do prédio para alguém entrar”, disse. A parlamentar falou sobre a sua vontade de discutir tecnologia, renda, trabalho e inovação, o que é prejudicado pela necessidade de proteger sua própria vida. “E se a gente desistir desses lugares, quem vai fazer por nós? Quem vai proteger as mulheres que protegem outras mulheres?”, perguntou ao fim da sua exposição.

A deputada estadual Luciane Carminatti também fez parte da mesa, contribuindo com um relato sobre a sua trajetória que alcançou, nas últimas eleições, o quarto mandato. Para a deputada é fundamental ter mais mulheres nos parlamentos para que a violência política de gênero seja realmente enfrentada. A paridade de gênero foi um tema central no seu discurso. “Não é só sobre mais mulheres na política, mas mais mulheres com que compromisso? A serviço de quem?”, disse. Ela mencionou que atualmente há três mulheres na Assembleia Legislativa de Santa Catarina, mas uma delas é anti-feminista.

Visita de Cida Gonçalves foi primeiro passo para enfrentamento institucional da violência política. | Foto: Bianca Taranti.

Movimento Humaniza SC destaca tarefas prioritárias para grupo de trabalho 

O Movimento Humaniza SC (MHSC), representado pela coordenadora e ex-senadora Ideli Salvatti, entregou um documento com oito propostas para o combate da violência política para a ministra das Mulheres. Entre as tarefas prioritárias para o grupo de trabalho interministerial estaria a criação de um canal efetivo e centralizado de recebimento de denúncias; uma estrutura de acolhimento e orientação às vítimas; serviço de proteção eficiente; um sistema de triagem que identifica a necessidade de federalização de casos graves; articulação entre governos de federal, estaduais e municipais para enfrentar a violência e oferecer segurança às vítimas; monitoramento e enfrentamento nas redes sociais; previsão e aprimoramento das leis vigentes; e uma campanha de comunicação de enfrentamento à violência política. 

Enquanto essas ações não se concretizam, a ministra das Mulheres recomenda que as pessoas que sejam vítimas de violência política denunciem, seja no sistema judiciário ou no próprio ministério. “É preciso que denunciem para que a gente possa criar ações de solidariedade. Em segundo, é preciso que não fiquem sozinhas, precisamos fazer que cada caso ganhe repercussão nacional. É um desafio garantir que as pessoas não enfrentem a violência e a misoginia sozinhas no seu município, no seu estado”, afirmou em entrevista ao Catarinas.   

Público lotou o plenário da Câmara Municipal de Florianópolis. | Foto: Bianca Taranti.

Perseguição contra professores também foi pauta da reunião

A orientadora educacional Juliana Andozio que foi afastada da Escola de Educação Básica de Muquém, no Norte de Florianópolis, por defender direitos humanos e democracia, foi convidada para expor a sua situação e representar outros profissionais da educação que vêm sendo perseguidos em Santa Catarina. “São vários professores e professoras que têm sido perseguidos após as eleições. Isso tem um princípio no discurso de ódio”, disse a orientadora. 

Para Andozio, o papel do educador é contemplar todos os segmentos da sociedade na escola, e não apenas um. Ela pediu por paz nas escolas. “Quem persegue os professores e professoras são os vereadores e deputados deste estado, que estimulam as famílias a criarem grupos de whatsapp para falar mal da gente, e daí os filhos ficam com tanto ódio que passam na nossa casa tacando pedra, matando os nossos cachorros, xingando a gente, a gente nem pode mais dormir em casa, tem que dormir na casa da mãe”, contou Andozio.  

Bancada feminina do PSOL pede apoio para Casa da Mulher Brasileira

Aproveitando a passagem da ministra Cida Gonçalves em Florianópolis, as vereadoras Tânia Ramos e Cíntia Mendonça, da bancada feminina do PSOL, fizeram a entrega de um documento que pede apoio do Ministério das Mulheres para o estabelecimento de uma unidade da Casa da Mulher Brasileira em Florianópolis. Esse documento foi protocolado na Câmara na última semana, e sugere que o município seja inserido no Programa Mulher, Viver sem Violência. 

O Programa Mulher, Viver Sem Violência tem como objetivo integrar e ampliar os serviços públicos de atendimento às mulheres vítimas de violência. Editado em março deste ano pelo presidente Lula junto à ministra Cida Gonçalves, tem como uma de suas estratégias a implementação de unidades da Casa da Mulher Brasileira – centros de atendimento especializados para casos de violência de gênero. Atualmente, há unidades da Casa da Mulher em apenas 8 cidades no Brasil.

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  • Fernanda Pessoa

    Jornalista com experiência em coberturas multimídias de temas vinculados a direitos humanos e movimentos sociais, especi...

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