O direito à cidade é uma pauta complexa e que cada vez mais está presente nas lutas mulheristas e periféricas. Com a discussão sobre a questão racial, o direito à moradia, trabalho, educação, alimentação, segurança, entre outras frentes, o movimento de mulheres negras/pretas se une na arena pública contra o sistema patriarcal para descolonizar as relações sociais.
Às vésperas das eleições municipais, convidamos as candidatas e candidaturas coletivas comprometidas com a pauta dos direitos das mulheres e da igualdade de gênero em Santa Catarina para contarem ao Portal Catarinas sobre suas trajetórias e propostas.
Vamos conhecer Luciana Freitas (13131), candidata pelo Partido dos Trabalhadores (PT) para a Câmara de Vereadoras/es de Florianópolis (SC).
PORTAL CATARINAS – Conte um pouco sobre sua trajetória de vida/militância e quais motivações a levaram a disputar essas eleições.
Luciana Freitas: Sou Luciana de Freitas Silveira, mulher negra, mãe, irmã, avó e moradora do Maciço do Morro da Cruz há 27 anos. Sou casada com Lindomar desde 1994. Como a maioria dos moradores do Maciço, minha família vê e constrói Florianópolis desde o morro. Me somo a um número grande de pessoas que fazem a cidade com suor, sangue e trabalho, respirando movimento e luta.
Fui trabalhadora doméstica e assim, como muitos daqui, pude compreender que ser uma pessoa negra neste país me impedia de estar em alguns lugares e de fazer determinadas coisas, como por exemplo, terminar em tempo certo o ensino médio.
Mãe trabalhadora, lutei para ingressar na Universidade, entendendo que o curso universitário permite melhorar as condições na luta pela própria vida, pela família, pela comunidade, qualificando a cidadania. Sou formada em Ciências Sociais e estou mestranda em Educação.
Sou candidata a vereadora pautada na luta e ações de combate ao racismo, ao machismo, ao capacitismo, pela educação popular e quilombola, acesso à saúde, contra a violência, pelo direito à cidade.
Estou aqui pois acredito que é hora de falarmos por nós, de dizer o que queremos, de construir leis e políticas públicas que nos representem, que valorizem nossas crianças, nossas jovens e nossas jovens negros e periféricos, nossas mulheres, idosos, comunidade e territórios.
Nestes 45 anos de vida sempre estive nos espaços periféricos, como mulher negra e da classe trabalhadora, mas foi aos 36 anos, quando acessei a Universidade e me deparei com outras pessoas negras, com movimentos sociais e intelectuais da questão racial, nesse percurso na busca pela educação como uma promotora da possibilidade de uma outra vida para minha família, que pude entender que o campo educacional é primordial para as pessoas negras e periféricas. E me entendi ainda mais enquanto mulher negra junto aos meus e às minhas.
Já fui doméstica, já fui trabalhadora do comércio varejista, e percebi que pessoas como eu são qualificadas para o debate político e para as mudanças estruturais que o nosso povo merece. Decidi entrar para o pleito de 2020 pois sou forjada na luta da militância racial e social da cidade de Florianópolis. Decidimos, dentro do Movimento Negro Unificado, da Gestão Estudantil Universidária Integral (Gestus) e do Projeto de Educação Comunitária Integrar, que era a vez de uma mulher negra periférica entrar na Câmara e abrir possibilidade de diálogo diretamente com a população mais vulnerável politicamente, socialmente e economicamente falando.
Certas e certos de que 2020 seria um ano duro, lançamos o meu nome como uma esperança na possibilidade de que, de fato, possamos pensar juntas, juntos e juntes, políticas que efetivem uma real mudança na vida dos trabalhadores e das trabalhadoras, das mulheres, homens, jovens e crianças negros e periféricos dessa cidade.
PORTAL CATARINAS – Você tem conseguido verba para a campanha? Como são divididos os fundos eleitoral e partidário entre as candidatas? Você recebeu apoio e recursos do seu partido?
Luciana Freitas: A verba foi distribuída entre todos os candidatos (advogados, contabilidade e material de rua). Os demais recursos vieram ao longo da campanha.
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PORTAL CATARINAS – Quais as principais questões a superar hoje em relação à desigualdade entre homens e mulheres? E quais suas propostas para isso na câmara municipal?
Luciana Freitas: Enquanto mulher negra eu não me coloco só no campo que vai pensar as perspectivas das mulheres, mas no campo da libertação do povo negro. É sabido historicamente que mulheres negras no período da escravidão e pós-abolição trabalharam social e politicamente para libertação de suas irmãs e irmãos. Compreendo ainda assim que somos nós, as da base da pirâmide, as mulheres negras, que temos menos acesso às políticas públicas e estamos nos piores empregos/cargos. Portanto, nessa pirâmide social, econômica e racial nós estamos na base e, ao nosso lado, estão os homens negros também. Minha luta é ampla no sentido de potencializar as mulheres pensando a libertação de um povo.
PORTAL CATARINAS – Quais os principais temas a serem debatidos, hoje, no município para o qual se candidatou vereadora? Quais propostas apresenta para pautá-los?
Luciana Freitas: Novamente, como mulher negra e periférica, nossas pautas de lutas e compromissos são direcionadas preferencialmente para a população negra e periférica da cidade. Entre as pautas, ampliar as redes nas periferias, propor centros de segurança para a vida nas comunidades (que serão criados em espaços já existentes, ou seja, não se trata de prédios, mas de política pública estrutural de educação, formação, cultura etc), potencializar a participação das mulheres negras na efetivação da cidadania, propor e potencializar políticas públicas de ampliação e criação dos quintais produtivos para alimentação do povo (usando muito a experiência das mulheres quilombolas e seus espaços), apoio à implementação do centro de parto normal (principalmente voltado às mulheres negras e periféricas), lutas em defesa da juventude negra e periférica, entre outros.
PORTAL CATARINAS – Como pretende atender as diferentes especificidades das mulheres, contemplando em seus projetos as mulheres negras, indígenas, lésbicas e mulheres trans?
Luciana Freitas: Novamente, pautada pelo meu espaço coletivo de mulher negra e periférica militante, atuarei em prol de políticas públicas para a diversidade, em todos os setores, sempre atravessadas pelas questões que dizem respeito diretamente às especificidades citadas.
PORTAL CATARINAS – Enquanto uma candidata feminista, como pretende atuar de forma a enfrentar os discursos reacionários que não admitem que as mulheres tenham autonomia plena sobre seus corpos, que acreditam na existência de uma “ideologia de gênero” e que comprometem a implementação de políticas públicas, principalmente na área da educação, voltadas a equidade de gênero?
Luciana Freitas: Enquanto mulher negra, novamente, e militante de um movimento que tem 42 anos de luta no Brasil, o Movimento Negro Unificado (MNU), que possui um amplo diálogo das formas mais váriadas se de lutar pela vida das mulheres negras, compreendo e sei o quanto é fundamental termos mulheres como Lélia Gonzalez, Jurema Werneck e Nilma Lino Gomes, por exemplo, do campo do feminismo negro. Mas também compreendo que outras formas para além do feminismo dialogam e sempre dialogaram com a vida e a proteção das mulheres.
Eu me coloco como uma simpatizante do Mulherismo Africano, no qual somos pautadas pela centralidade em África, buscando nossos valores e nossos resgates ancestrais.
A diversidade de lutas para as mulheres é importante e todas nós que nos colocamos no front por outras mulheres somos lutadoras e guerreiras.
Acredito que só a presença de uma mulher negra e periférica na Câmara, talvez a primeira eleita em Florianópolis, já será uma forma de enfrentamento, assim como a própria candidatura já é um afronte ao patriarcalismo e ao colonialismo da Câmara de Florianópolis.
PORTAL CATARINAS – Santa Catarina é o primeiro estado do País em taxa de tentativa de estupro, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2020. De acordo com o mesmo relatório, em 2019, o estado ocupou a terceira posição em taxa de lesão corporal dolosa contra mulheres no ambiente doméstico. Como você pretende atuar para a redução da violência contra as mulheres em seu município de SC?
Luciana Freitas: Uma das propostas que temos são os Centros de Segurança para a Vida. A ideia é fortalecer espaços já existentes nas comunidades, não construir estruturas que muitas vezes ficam só no concreto. Usar espaços que a comunidade já usa, que já têm potência, para trabalhar junto no controle comunitário de agressores. Medidas objetivas, pensadas a partir das políticas públicas, que trabalhem o combate à violência contra as mulheres e a reparação através da educação, conselhos comunitários de segurança, convênios etc. O poder público agindo para além da Lei Maria da Penha na potencialização e entendimento de que a violência contra a mulher é uma questão de toda a comunidade e não situação isolada.
PORTAL CATARINAS – A sua plataforma política prevê o incentivo à participação da sociedade na discussão e elaboração de políticas públicas. De que forma?
Luciana Freitas: Pretendemos fomentar e qualificar a presença de nosso povo negro e periférico em todos os conselhos municipais, fortalecendo esses espaços que foram devastados pelos atuais governos, municipal e federal. Reuniões periódicas para canal permanente de diálogo com as populações periféricas, comitês de luta e espaços dos territórios.
PORTAL CATARINAS – De que forma você tem feito sua campanha neste período de pandemia? Que estratégias têm adotado para se comunicar com a sociedade?
Luciana Freitas: Temos atuado nas redes sociais com muitos vídeos, materiais gráficos e outras ferramentas de alcance virtual. Com todo o cuidado e proteção relativos à questão da Covid-19, temos feito algumas visitas às comunidades e territórios com nosso material de propostas.