O projeto de lei 478/2007 do Estatuto do Nascituro, de autoria de Luiz Bassuma (Avante/BA e PT à época) e Miguel Martini (PHS/MG à época) será votado nesta quarta-feira (7), na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher (CMulher) na Câmara Federal. O PL coloca o direito à vida como inviolável desde a concepção, impedindo, por exemplo, o acesso ao direito do aborto nos casos permitidos por lei. Estará em votação o parecer pela aprovação da proposta, emitido pelo deputado Emanuel Pinheiro Neto (MDB/MT), relator do Estatuto na Comissão. Caso seja aprovado na CMulher, o projeto ainda precisa passar pela Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania ( CCJC ) para ser levado ao plenário da Câmara.
Entre os 20 projetos apensados à proposta do Estatuto do Nascituro está o da deputada federal Carla Zambelli (PL/SP), que cria o crime de incitação ao aborto. “Assim, o projeto também cria insegurança e amplia o risco de criminalização e perseguição contra quem divulga informações básicas de saúde e defende os direitos humanos”, explica Laura Molinari, coordenadora da Campanha Nem Presa Nem Morta.
Outro projeto apensado ao Estatuto do Nascituro é o PL 11148/2018, do deputado Gilberto Nascimento (PSC/SP), que, entre outras punições, prevê o mínimo de seis meses de detenção para quem “fazer publicamente apologia do aborto ou de quem o praticou, ou incitar publicamente a sua prática”.
O PL foi colocado em pauta durante a sessão do dia 30 de novembro, mesmo com o compromisso entre o Gabinete de Transição e os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP/AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD/MG), para que nenhuma “pauta-bomba” fosse votada até o final do ano. A presidente da Comissão, deputada Policial Kátia Sastre (PL/SP), adiou a votação para o dia 7. As sessões da CMulher, como a de amanhã, são transmitidas pelo canal no YouTube da Câmara dos Deputados. Assim, é possível acompanhar a votação online.
“Os bolsonaristas que dirigem a Comissão colocaram em pauta o projeto para tentar seguir mobilizando a base deles depois da derrota eleitoral, através de uma agenda fundamentalista”, defende Sâmia Bomfim (PSOL/SP), uma das deputadas que resistiram à votação durante a sessão do dia 30.
O relator do parecer e a presidente da Comissão são ambos abertamente contrários ao direito à interrupção da gestação, mesmo em casos em que o aborto é legalizado no país, como estupro, risco de morte da gestante e anencefalia. Sastre integra a lista do Movimento Brasil Sem Aborto, de parlamentares que assinaram um termo de compromisso de defesa da vida do nascituro. Neto escreveu em uma rede social em 6 de outubro que “em relação ao aborto, tema muito caro pra mim, cabe ao congresso nacional decidir e, lutarei contra esse ato contrário à vida”.
Molinari reforça que o Estatuto contraria o que está na Constituição brasileira. “O PL defende que a vida começa na concepção e equipara os direitos de fetos/embriões aos direitos de pessoas nascidas, sendo que a Assembleia Constituinte de 1988 não acolheu este princípio”, explica.
Aumento de barreiras
Apesar de não proibir expressamente o aborto em caso de estupro ou risco de vida à gestante, cuja autorização está expressa desde o Código Penal de 1940, Molinari ressalta que o texto do projeto aumenta as barreiras para o acesso ao aborto legal, pois cria confusão jurídica sobre quando o aborto pode ser realizado.
O projeto coloca, por exemplo, que é proibido, “sob qualquer pretexto, motivo ou razão, inclusive ato delituoso praticado por algum de seus genitores, aplicar qualquer pena ou causar qualquer dano ao nascituro”.
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“Isso aumenta o medo e a insegurança em profissionais de saúde e em mulheres, meninas e outras pessoas que precisam abortar após uma violência ou porque correm risco de vida. Já existem inúmeras barreiras de acesso ao aborto no Brasil, que vão desde a quantidade ínfima de serviços que realizam o procedimento até a falta de informação e o estigma relacionado ao aborto. O que o projeto faz é justamente ampliar esses obstáculos”, coloca Molinari.
O projeto em votação na Comissão também acaba com a permissão do aborto em caso de anencefalia, direito conquistado por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2012. “Que espécie de sofrimento se quer impor a uma mulher ou pessoa que gesta, ao obrigá-las a manter uma gestação sabendo que sairão do hospital para o cemitério, já que não existe nenhuma possibilidade de vida para este feto, ao nascer?”, questiona a coordenadora do Nem Presa Nem Morta.
Campanha Não Ao Estatuto do Nascituro
A Frente Nacional Contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto, em parceria com mais 20 organizações, lançou, nesta terça-feira (6), a campanha “Não ao Estatuto do Nascituro”. A iniciativa busca pressionar o deputado Emanuel Pinheiro Neto e o MDB para que o projeto seja retirado da votação, de maneira que honrem o compromisso de não votar nenhuma pauta-bomba até o final do ano.
Para participar da campanha, basta acessar o site, preencher os campos indicados com seu e-mail, nome, sobrenome, estado e clicar em “pressionar agora”. O site encaminha um e-mail padrão para o deputado solicitando que ele retire o PL de votação.
“Estou escrevendo este e-mail para solicitar que V.Exa retire de pauta o projeto 478/2007, que estabelece o Estatuto do Nascituro. Esse projeto é um retrocesso para as meninas, mulheres e pessoas que gestam no Brasil: o Estatuto estabelece uma gama direitos a um feto em estágio embrionário em detrimento ao direito das mulheres, inclusive nos casos em que o aborto já é legalizado, tais como estupro, anencefalia e risco de vida para mulher”, diz o e-mail.
“O objetivo da Campanha é engajar a sociedade para se posicionar contra este enorme retrocesso que será imposto às mulheres, meninas e pessoas que gestam no Brasil. Porque mesmo que o parecer do relator ‘proteja’ os casos de aborto legal, na prática viveremos a desvalorização das mulheres, de seus corpos e de suas vidas, em detrimento do nascituro”, explica Jolúzia Batista, que integra a frente pelo Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea).
Sessão do dia 30
A votação do Estatuto em 30 de novembro mobilizou políticos e organizações contrárias e a favor do direito ao aborto, que ocuparam o plenário da Comissão.
Durante a fala de Sâmia Bomfim, o deputado Pastor Eurico (PL/PE), tentou aos gritos impedi-la. “A condução da sessão foi péssima, absolutamente parcial em favor dos fundamentalistas, especial dos homens, que se utilizaram de muita violência, física inclusive, pra tentar nos impedir de falar, de usar o nosso tempo regimental, de fazer obstrução que também é regimental, para que a gente não pudesse se expressar contra a matéria, mas a gente resistiu e saiu vitoriosa da comissão”, aponta Bomfim ao Catarinas.
A deputada Talíria Petrone (PSOL/RJ) lembrou que a realidade das mais de 25 mil meninas de 10 a 14 anos que são mães no Brasil todos os anos. Segundo o que estabelece o Código Penal, qualquer relação sexual com menores de 13 anos é estupro. “Essas meninas, hoje, deveriam ser protegidas pelo Código Penal da década de 1940, que garantem às vítimas de estupro não prosseguirem com a gestação. Mas, infelizmente, temos essa proposta que quer criar a entidade de um nascituro, que é anticientífica, parte de uma pressão de fundamentalistas religiosos”, destacou durante a sessão.
“O aborto legal é uma realidade para proteger a vida de mulheres, meninas, jovens que não podem levar adiante uma gravidez, seja porque gera risco a vida da gestante, seja porque o feto é inviável, seja porque é fruto de uma violência sexual, de um estupro”, afirmou a deputada Áurea Carolina (PSOL/MG) também durante a sessão.
“O estatuto viola o princípio constitucional do Estado Laico, impondo que a vida começa a partir da concepção, mesmo quando não existe consenso científico a esse respeito. As consequências desse absurdo serão aumento do aborto inseguro e da mortalidade materna. Não podemos permitir esse retrocesso!”, destaca a Rede Feminista de Saúde nas redes sociais.