Estudando quem desenha, e como, as maneiras e os meios para controlar a fertilidade nas mulheres foi como percebi que a maioria da população do mundo era, aos olhos dos dominadores/exploradores, descartável. Tinham mecanizado a agricultura, robotizado a indústria e informatizado os serviços.

E, além disso, quando o parque industrial se deslocou para a China, a ordem dos bilhões de chineses fez evaporar o velho conceito de exército de reserva de mão de obra, pelo menos para analisar a maioria dos outros países.

Dos campos de esterilização à distribuição em massa de pílulas contraceptivas, o desenho da contracepção passou a obedecer a estratégias que pouco ou nada têm com a saúde das mulheres. A via hormonal começou com as pílulas diárias. Muitas esquecem, muitas interrompem por pesados efeitos colaterais. como evitar essas “taxas” de abandono? Injetáveis, uma injeção de 6 em 6 meses. abolição da menstruação, outros efeitos ainda, abandono do método pela usuária. solução? Implantes. Meia dúzia de bastonetes, para durarem 5 anos ou mais. Efeitos colaterais? normais, dizem os médicos que se recusam a retirar os implantes.

Outros métodos que dependem de profissionais treinados, como o DIU vão sendo usados como vias outras de liberação de hormônios, para reforçar a eficácia e diminuir a necessidade de mais profissionais treinados.

Vem a AIDS, mesmo as esterilizadas têm que usar camisinha. Mas camisinha? recusam-se maridos e parceiros. parceiros? Palavras como esclarecimento, autonomia, controle do próprio corpo são para algumas poucas. Bem poucas.

Aborto? Assassinas, assassinas, bombas nas clínicas de Interrupção Voluntária da Gravidez, cristãos e muçulmanos perseguem, encarceram e executam mulheres. Se alguém tem dúvida do tamanho da importância do aborto para o patriarcado (esse poder maior que paira sobre todos os regimes econômicos e políticos) saiba que foi o último item discutido entre as duas Alemanhas, na reunificação. Deixaram por último, pra não azedar o resto todo, que não era pouca coisa, visto estarem juntando um país capitalista com um socialista de foice e martelo.

Com o advento da engenharia genética, os controladores de populações, não contentes com todo aquele arsenal, enveredaram pela via imunológica para fazer suas armas na guerra contra os descartáveis. Acoplando toxoide do tétano e difteria a gonadotrofina coriônica, o hormônio que mantém a gestação, faz-se uma vacina contra a gravidez. Vacina é coisa que todo mundo associa com erradicação de doenças, seria muito bem aceita.

Essa doença chamada terceiro mundo que infecta o planeta é pra ser erradicada, purificando a espécie.

Quando trabalhei no IPEA, nos anos 1970, tive o privilégio de conhecer Dr. Mario Magalhães da Silveira, um dos mais importantes teóricos da saúde coletiva. Era nosso assessor e mestre. Um homem divertidíssimo, de humor zombeteiro que dizia as duras verdades com calma e precisão. Ele é um caso raro de homem menos famoso que a esposa, a doutora, como a ela se referia, Nise da Silveira.

Grande estudioso de demografia, ele me emprestou um livro de um autor famoso cujo nome esqueci completamente, mas era um enorme tratado em que se lia, logo no começo – e acho que era pra ler só isso mesmo que ele me emprestou- que as políticas de população podiam incluir políticas de deixar morrer as pessoas.

Então, antes do Foucault começar a falar em biopolítica e de Achille Mbembe anunciar o conceito de necropolítica, aquele autor famoso e reconhecido discorria calmamente sobre deixar morrer as gentes.

Daí que estamos assistindo, em confinamento (mas não ainda não incomunicáveis), a uma política demográfica explicitamente necro, que vai do genocídio ao deixar morrer escancarado. Gostaria de finalizar com alguma frase pra cima. Já sei: vamos pra cima deles!

*Ana Regina é médica e trabalhou em planejamento, organização de serviços e formação de agentes de saúde. Acompanha o desenvolvimento e aplicação de tecnologias que incidem sobre o corpo das mulheres, com o olhar da crítica feminista

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