A votação do Estatuto do Nascituro na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher (CMulher), na Câmara Federal, que ocorreria nesta quarta-feira (7) foi mais uma vez adiada em uma sessão marcada por agressões físicas e verbais às deputadas e ativistas presentes. O parecer emitido pelo relator do Estatuto na Comissão, o deputado Emanuel Pinheiro Neto (MDB/MT), foi favorável ao Estatuto e será levado à votação no próximo dia 14, após pedido de vista por deputadas/os. O projeto de lei 478/2007 propõe alterar a Constituição Federal para incluir o direito inviolável à vida desde a concepção, impedindo, por exemplo, o acesso ao direito do aborto nos casos permitidos por lei.
“Lamentamos o nível dessa sessão, tantas agressões e tantas violências, tudo isso para tentar aprovar um projeto que ataca os direitos das mulheres”, descreveu a deputada Natália Bonavides (PT/RN) sobre a sessão.
Foi a penúltima sessão agendada pela Comissão em 2022. Deputadas tentaram colocar outros projetos em votação, como o de autoria de Sâmia Bomfim (PSOL/SP) que garante igualdade de homens e mulheres na Câmara, mas todas as discussões foram rejeitadas pela maioria. “Estamos em sessão de pauta única, como se as vidas das mulheres do Brasil inteiro não tivessem várias questões para serem resolvidas”, destacou Bonavides.
Tradicionalmente, a comissão se reúne às 13h30min, mas nesta quarta-feira, foi agendada para às 10h e teve início somente por volta das 11h. “De forma oportunista, daqueles que não acham que a vida das mulheres importam, chamam uma sessão extraordinária, no horário de outras comissões permanentes ordinárias”, apontou Erika Kokay (PT/DF).
Manifestantes de ambos os lados se aglomeraram na porta da sala, pois foram proibidos de entrar na sessão pela presidenta da Comissão, a deputada Policial Kátia Sastre (PL/SP). “Quem tem medo da participação popular? Quem tem medo das mulheres organizadas?”, questionou Bomfim no Twitter.
Bolsonaristas se pautaram pela propagação de informações falsas como subsídio para apoiar a aprovação do Estatuto. A deputada Chris Tonietto (PL/RJ) afirmou que a maior parte da população brasileira é contrária ao aborto. Porém, a pesquisa Percepções sobre direito ao aborto em caso de estupro, realizada pelo Instituto Patrícia Galvão e Locomotiva, indica que 52% acreditam que o aborto deve continuar a ser permitido nos casos já enquadrados na legislação e, para 22%, o aborto deveria ser direito em mais casos.
Leia mais
- Projeto de Lei propõe criação do Programa de Atenção Humanizada ao Aborto Legal
- PEC que proíbe abortos previstos em lei pode ser votada na CCJ
- A PEC 164/12 e a criminalização do aborto em todas as circunstâncias
- Filmes para debater o aborto que você pode assistir em streamings
- Catarinas assina compromisso global sobre planejamento familiar
A proteção do feto, em detrimento dos direitos fundamentais das mulheres, baseou a defesa do Estatuto por bolsonaristas. Bomfim se referiu à hipocrisia de parlamentares favoráveis à proposta, apoiadores do governo Bolsonaro que, entre outros retrocessos aos direitos das mulheres, acabou com a Rede Cegonha e incentiva violência obstétrica. “Como eles estão protegendo o feto?”, questionou Bomfim.
Deputados contrários aos direitos fundamentais e humanos das meninas e mulheres, recorreram até mesmo a um questionamento sem lógica, utilizado com recorrência para deslegitimar moralmente cidadãs que decidem pelo aborto. “Se sua mãe tivesse te abortado, você não estaria aqui”, disse o deputado Pastor Sargento Isidório (Avante/BA) à Sâmia Bomfim. “Que tipo de argumento é esse? Se a minha mãe tivesse me abortado, ela ter me abortado não seria uma questão pra mim, afinal eu não teria nascido”, ironizou a campanha Nem Presa Nem Morta no Twitter.
“Estatuto do Estuprador”
Entre os pontos do parecer aprovado está o que ficou conhecido como Bolsa Estupro. Deputadas apontaram que o Estatuto não beneficia nem as mulheres, tampouco a figura do nascituro, mas, sim, os estupradores que terão status de pais. “Nenhuma mulher pode ser obrigada a carregar a violência que sofreu”, destacou a deputada Fernanda Melchionna (PSOL/RS).
“Quero batizar este projeto como Estatuto do Estuprador. O que está em pauta vai retroceder a vida das mulheres”, manifestou Reis.
“Têm pessoas que vem aqui tranquilamente dizer que precisamos falar para uma menina de 10 anos que ela precisa levar adiante uma gestação do estuprador”, criticou Bomfim.
Agressão, LGBTfobia e a decisão de ser mãe
Uma membra da Executiva Nacional da Setorial de Mulheres do PSOL foi agredida por um homem, que foi identificado e levado ao Departamento de Polícia Legislativa (DEPOL). Em depoimento, o agressor afirmou que foi até a câmara para falar com o deputado Éder Mauro (PL/PA). “Quero registrar minha solidariedade à menina que acaba de ser acredita quando veio manifestar sua cidadania”, afirmou Bonavides.
Outra agressão, desta vez lgbtfóbica, foi dirigida à deputada Vivi Reis (PSOL/PA), que é bissexual, pelo deputado Pastor Sargento Isidório. Reis usou a própria expectativa de um dia ser mãe para ilustrar como o Estatuto prejudica as mulheres que poderiam vir a realizar uma fertilização in vitro. “Eu sou uma mulher bissexual, quero ser mãe. Será negado o direito de ser mãe a mim e as mulheres lésbicas e bissexuais?”, questionou. Em seguida, Isidório leu um trecho da bíblia, sem antes afirmar que existe uma “bibliofobia” no Brasil e disse que se Reis quisesse ter filhos, “tem que fazer as coisas direito”. Ou seja, seguir o método de reprodução cisheteronormativo.
Emocionada, Reis pediu a palavra para denunciar o ato de LGBTfobia. “Quer dizer que eu não posso ser mãe? Que eu não posso lutar pelo meu direito? Porque eles não aceitam que existam mulheres lésbicas e bissexuais neste país, mas nós sim existimos, vamos continuar resistindo e lutando por nossos direitos”.
Deputadas do PSOL e PT prestaram solidariedade e saíram em defesa de Reis. “Pelo Estatuto, vai ser impedido a gravidez por fertilização in vitro, tão acabando com o sonho das mulheres que desejam ser mães”, destacou Sâmia Bomfim (PSOL/).