O histórico de colonização em países latino-americanos como Brasil, Uruguai e Colômbia tem influência direta no racismo religioso enfrentado atualmente pelos povos originários e praticantes de religiões de matriz africana. É o que destacam participantes de cada um desses países durante o terceiro encontro do ciclo de debates sobre racismo religioso. O evento online promovido por Criola, Conectas e Portal Catarinas, ocorreu na última quinta-feira, (29), e tem apoio do Synergia – Iniciativa para Direitos Humanos. 

“Essa discriminação não vem sozinha. Ela vem junto com o poder político, sistêmico, com o objetivo de eliminar conhecimentos ancestrais, por isso também há um efeito emocional, psicológico e espiritual de cortar a relação que temos com os seres que acreditamos”, afirma Roseli Finscue Chavaco, que compartilhou suas experiências enquanto mulher indígena dos povos Nasa e Misak, da Colômbia. Ela é co-fundadora da Rede Nacional de Mulheres Defensoras de Direitos Humanos. 

Conforme argumentou, para enfrentar o racismo religioso é preciso também enfrentar o desconhecimento e o preconceito dentro da própria Colômbia, pois a herança colonizadora imposta ao povo, em particular aos povos originários do país, desconsiderou a humanidade dessas pessoas, suas relações com outras divindades e seus modos de pensar, sentir, existir e suas linguagens.

“Por isso, quando pensamos em toda a discriminação religiosos pensamos também no poder político e no controle territorial”, destaca. 

Este terceiro encontro do ciclo de debates teve como objetivo compartilhar experiências em relação à compreensão do racismo religioso e ao seu enfrentamento, considerando as especificidades de cada país, de modo a contribuir para um diálogo sobre articulações possíveis entre as populações dessas regiões. 

A questão do território, por exemplo, também foi trazida como fundamental por Edina Shananewa, mulher indígena, cacica da aldeia Shane Tatxa, no estado do Acre, e coordenadora executiva da União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira (UMIAB). Edina destacou que apesar do estado onde vive não ter registrado queima de casas de reza, esse tipo de violência se tornou prática frequente contra outros povos.

“Os pastores, com essa discriminação, queimam as casas de reza de parentes. Isso não significa que só porque aconteceu em outro estado isso não nos afeta. Se está queimando a casa de reza de Guarani Kaiowá, por exemplo, estamos sofrendo juntos, chorando juntos”, completa. 

Ela se refere à atuação de fundamentalistas religiosos evangélicos que têm invadido territórios indígenas para incendiar as casas de reza dessas populações. Em março deste ano, indígenas foram até a ONU denunciar o Brasil diante do “aumento sistemático da violência” motivada por intolerância religiosa. Segundo o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), os ataques contra a espiritualidade indígena escalaram nos últimos três anos

Sergio Albino destaca a importância de olhar para a educação como ferramenta necessária para a garantia da livre expressão de fé das novas gerações. “É importante reconhecer que assumir os processos de educação é fundamental para uma emancipação cultural”. Sergio é Babalorixá do Ile de Bara Lode – Kimbanda Zumbi, em Montevidéu, Uruguai. 

Ele trabalha justamente no desenvolvimento de propostas educacionais e de pesquisa na “Casa da Cultura Afro-Uruguaia”, em Montevidéu que visam promover processos educativos significativos, voltados para o sujeito a partir de sua singularidade; sobre equidade social e intergeracionalidade e com foco na população afro e seu contexto social.

Albino também destacou em suas falas a urgência de mais informações para o fortalecimento intergeracional em torno do valor das religiões de matriz africana e a necessidade de intercâmbio entre terreiros para resgatar cosmovisões que foram ocultadas pelo sincretismo resultante da imposição de violência pelos colonizadores.

O encontro contou ainda com a mediação de Bábà Adailton Moreira de Ogun, Babalorixá do Ilê Omiojuaro, em Miguel Couto, Nova Iguaçu (RJ). O articulador da campanha #LutoNaLuta, contra o racismo e os crimes de racismo religioso/intolerância religiosa, encerrou o encontro grifando que as populações latino-americanas alvos de violações dos direitos humanos têm muito o que aprender e colaborar umas com as outras, pois as similaridades são maiores que as diferenças, ainda que elas venham pela dor. 

“Peço sempre a Exú, orixá do impossível, que ele transforme em possibilidades e continue nos dando força para que consigamos seguir em frente com nossa dignidade, nossa força ancestral e nossas identidades culturais”, finaliza. 

CONFIRA OS ENCONTROS ANTERIORES

As duas lives anteriores estão disponíveis em youtube.com/c/PortalCatarinas e o segundo encontro também está no canal youtube.com/c/Criolamulheresnegras.

Acompanhe as redes sociais de Criola, Conectas e Catarinas e fique por dentro da programação para o quarto e último encontro do ciclo.

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  • Kelly Ribeiro

    Jornalista e assistente de roteiro, com experiência em cobertura de temas relacionados a cultura, gênero e raça. Pós-gra...

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