Papel do Direito na garantia de liberdade de expressão, crença e justiça para as religiões de matriz africana é tema de debate

Criola, Conectas e Portal Catarinas, com apoio de Synergia, realizaram no último dia 14 de julho o segundo debate do ciclo “Diálogos sobre racismo religioso“. Guiado pelo questionamento sobre qual o papel do Direito na garantia de liberdade de expressão, crença e justiça para as religiões de matriz africana, as/os participantes foram convidadas/os a compartilhar estratégias em prol de quem sofre com ataques decorrentes do fundamentalismo religioso e do discurso de ódio crescentes no Estado Brasileiro.

O encontro está disponível no canal no Youtube do Portal Catarinas e da Criola e contou com a participação de Hédio Silva Jr., advogado e Coordenador Executivo do Idafro; Ingrid Limeira, conselheira tutelar de Santo André e conselheira política da Ocupação Cultural Jeholu; e Vera Baroni, Iyabassé do Ilê Obá Aganju Okoloyá, integrante da Coordenação Executiva Colegiada da Rede das Mulheres de Terreiro de Pernambuco e Coordenação da Uiala Mukaji Sociedade das Mulheres Negras de Pernambuco.

A atuação e o papel divergente que os conselhos tutelares vêm desempenhando ao violar o direito de crianças e famílias quando retiram a guarda de pais e responsáveis que participam de religiões de matriz africana foi destaque na fala da conselheira Ingrid Limeira. Casos como o de Ribeirão das Neves, Região Metropolitana de Minas Gerais, em que uma mãe denunciou ter perdido a guarda da filha, de 14 anos, após levá-la a um culto de umbanda, tem se multiplicado no noticiário. 

“São conselheiros fundamentalistas religiosos, preconceituosos ou racistas que não entendem a religião, não conhecem e não reconhecem o direito de liberdade próximo. São essas pessoas que também não reconhecem crianças e adolescentes como sujeitos de direito”, afirma Limeira. 

Ela ressalta a importância de eleger conselheiros progressistas, com conhecimento jurídico, formação em pautas dos direitos humanos e sem ideologias religiosas fundamentalistas para que esses profissionais não usem o órgão como aparato para a produção do racismo. “O ano de 2023 é um ano de eleição do Conselho Tutelar e é importante desde já trazer essa reflexão”, lembra a conselheira tutelar. 

A ocupação de espaços como os conselhos e outros ligados ao judiciário foi apontada como urgente na fala dos presentes. Para Vera Baroni, por exemplo, o sistema de justiça precisa passar por uma mudança profunda, enquanto o Estado brasileiro tem que incentivar a presença de pessoas negras nessas áreas para que possam contribuir para uma mudança radical desse sistema como é hoje.

“O papel do Estado para o povo negro precisa sofrer uma grande modificação. O Estado precisa entender que diversidade é uma riqueza e se organizar para que todas as pessoas tenham a sua dignidade garantida. Só assim vamos poder dizer que estamos nos aproximando de uma vida humana e digna”, afirma Baroni. 

Hédio Silva Jr. também reforça que a presença de mais pessoas negras nas instituições da administração da justiça é fundamental para que haja uma disputa de interpretação e, consequentemente, uma pluralização das interpretações jurídicas. Além disso, ele também cita a preparação dos profissionais que advogam em defesa de quem sofre ataque por conta da religião. Segundo Silva Jr., é preciso ter treinamento, pois o tema requer conhecimento, acúmulo e reflexão. 

Já a ausência de políticas públicas voltadas à população negra desde o período da Abolição da Escravatura em 1888 foi levantada por Vera Baroni como consequência visível na realidade de milhares de brasileiras/os que estão completamente à margem dos investimentos públicos em qualidade de vida. Ela cita os recentes estragos causados pelas chuvas em Recife, sentidos principalmente pela população mais vulnerável que moram nas favelas da cidade. Ainda assim, reforça que o diálogo precisa ser ampliado para diversas frentes e setores da sociedade. 

“Precisamos fazer com que o diálogo seja o mais plural possível para que a gente caminhe na direção de uma sociedade verdadeiramente democrática.”, completa Baroni.

Para somar forças, o envolvimento de pessoas de outras religiões ou entendimentos filosóficos, como ateus, agnósticos, adventistas do sétimo dia, judeus, muçulmanos e igrejas protestantes devidamente comprometidos com os direitos humanos é visto pelo advogado Silva Jr. como mais uma estratégia a ser adotada no enfrentamento às violências praticadas pelo Estado.  

“O diálogo é fundamental para tirar a luta das religiões afro-brasileiras do isolamento político e para fortalecer essa agenda em defesa da liberdade de crença e da liberdade de culto no nosso país”, encerra.  

O ciclo de debates “Diálogos sobre racismo religioso” prevê ainda outros dois encontros nos próximos meses. Acompanhe as redes sociais da Criola, Conectas e do Portal Catarinas e fique por dentro da programação. 

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  • Kelly Ribeiro

    Jornalista e assistente de roteiro, com experiência em cobertura de temas relacionados a cultura, gênero e raça. Pós-gra...

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