O Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra a Mulher é marcado anualmente no 25 de novembro, e a efeméride existe internacionalmente para reforçar tanto denúncias quanto demandas por políticas públicas que visem sua erradicação.
A data marca o assassinato das irmãs Mirabal, em 1960 na República Dominicana, e foi proposta pelo feminismo latino-americano para a ONU em 1981. Em 1999 a Assembleia Geral das Nações Unidas oficializou a data, passando a orientar governos, ONGS e outras organizações internacionais a prepararem comunicação e ações de sensibilização do público ao respeito do problema.
Vinte anos depois, na data, a Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgou que uma em cada três mulheres, no mundo, já foi vitimada por violências físicas ou sexuais, e aquelas agredidas por parceiros têm duas vezes mais chance de desenvolver depressão e alcoolismo.
O alerta da OMS é de que a violência contra as mulheres é uma das mais graves e amplas questões de saúde pública, e que tem proporções epidêmicas, e por isso a mesma ONU aproveitou a ocasião para solicitar que governos tornem mais rigorosas as leis que existem em função de violências de gênero.
Isto foi feito por meio de um comunicado, divulgado pelo escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos e composto por especialistas independentes, cobrando mudanças legislativas na batalha contra a impunidade.
Li mais de uma matéria reportando este dado aterrorizante da OMS, e infelizmente não é novidade que uma em três mulheres já tenham sofrido violência no mundo. Não é novidade, pois sabemos que a violência de gênero é epidêmica, porém segue sendo importante que dados como esses sejam inseridos nos ciclos de notícias.
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Estas matérias, em geral, não escondem os números alarmantes nem o fato de que traumas relacionados a violência de gênero geram consequências – não somente depressão, mas sequelas físicas e até feminicídios. Mais uma vez, nenhuma novidade: os números e consequências da violência contra a mulher são, e devem seguir sendo divulgados.
No entanto, o assunto ainda é enquadrado como sendo “de mulher”. Um hábito que evidencia que o assunto é tratado não como pauta social, mas como sendo “de mulher”, é que a linguagem sobre o tema tende a ocorrer na voz passiva.
Nas manchetes e chamadas, é comum ler “mulheres sofrem violência” ou “mulheres arcam com as consequências desta violência”. Fica parecendo que quem causa a violência poderiam ser girafas, alienígenas de visita, ou um motim do Reino Fungi.
Esta fala na voz passiva gera um apagamento insidioso do perpetrador. Quem são os responsáveis pela violência contra a mulher? Quem comete crimes tipificados como feminicídio, uma das consequências mais comuns desta violência? Quem?
Culturalmente, falta muita franqueza na abordagem sobre estas violências, que são maciçamente cometidas por homens. Geralmente somos nós, as feministas, quem dá este salto – e não por essencialismo, mas porque o cometimento de ações de violência já é marcado por gênero. Essa responsabilização dos homens é factual, não é inventada.
“Uma em três mulheres é violentada” é um dado concreto, assim deve também ser concreta a informação sobre quem violenta. E a concretude por detrás do ato violento contra este terço de mulheres se chama “homens”.
O elemento não-fantástico da realidade trazido para a narrativa da violência contra a mulher revela, para além da vítima, os responsáveis. Já é insidioso, quando apontamos sofrer violência, que sugiram que estejamos “nos vitimizando” ou que questionem nossa razão. É vil que quando fazemos apontamentos para além da posição justificada de vítima, e na direção dos perpetradores, que isso cause tanto furor.
Há energia demais investida no escape da demanda de que homens tomem responsabilidades. E, ironicamente, #nemtodohomem: estas violências tendem a vir de homens cis e organizados a partir de normas sociais da heterossexualidade, justamente a identidade protegida por essa hashtag, pelo patriarcado… e por este hábito de reportar a violência contra a mulher na voz passiva.
*Joanna Burigo é mestre em Gênero, Mídia e Cultura (LSE), coordenadora Pedagógica da Emancipa Mulher e conselheira editorial do Portal Catarinas.