A ocupação da sala da superintendência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária(Incra) em São José/SC deve permanecer pelo menos até esta quinta-feira (10), quando haverá audiência para tratar da publicação do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) da comunidade quilombola Campo dos Polís na Justiça Federal. A decisão foi tomada nesta quarta (9) por representantes de áreas quilombolas e cerca de dez organizações dos movimentos negro e social como forma de pressionar pela publicação do documento que é etapa decisiva para concessão da titulação das terras. A sala teria sido ocupada depois que o Superintendente Regional, Nilton Tadeu Garcia, negou a publicação e suspendeu reunião que tratava da pauta. “Estamos aguardando que ele volte para concluir a reunião e nos atenda com dignidade, que é a obrigação dele enquanto superintendente deste órgão”, explica a integrante do Movimento Negro Unificado (MNU), Maria de Lourdes Mina, a Lurdinha.

Já dura onze anos o processo pelo processo de reconhecimento e demarcação da terra quilombola localizada no limite entre os municípios de Fraiburgo e Monte Carlo. Em abril, o Ministério Público Federal (MPF) de Caçador/SC ajuizou ação civil pública para determinar ao Incra a análise e a publicação do relatório no prazo de 30 dias. Como a publicação não ocorreu, a reunião com o superintendente foi requisitada pelo movimento negro. “Questionamos se a resistência em publicar tinha relação com os interesses de uma empresa que disputa as terras e que tem poder econômico. Ele não respondeu, se irritou com a situação e saiu”, conta Lurdinha.

A sede do Incra tinha entrada controlada na manhã dessa terça (9). Alguns funcionários permaneciam nas suas funções. O servidor agrário Vitor Adami informou que o superintendente estava em viagem a Vidal Ramos e que reiterou a indisposição em retomar a reunião enquanto a ocupação persistir. A assessoria de imprensa da autarquia não atendeu às ligações da reportagem.

O pedido da reunião desta quinta foi ajuizado pela Defensoria Pública da União. Movimentos sociais e a superintendência foram convidados.

Reconhecimento e visibilidade

Entre os ocupantes da superintendência do Incra, está Antônio Barreto, integrante da comunidade Campos do Polís, que veio de Fraiburgo especialmente para participar da reunião. Ele foi um dos responsáveis por dar início ao processo de reconhecimento do território. “Os mais velhos contaram que tinham muita terra, mas a firma tomou tudo; tiraram uma parte e deram outro pedaço pequeno, uns quinze alqueires que ficaram no nome da empresa”, conta. À época, eram umas quinze, vinte famílias. Hoje, cerca de 32 aguardam a regulamentação para retornar ao território. “É uma comunidade que fica na periferia de Fraiburgo. Eles estão fora do seu território porque foram expulsos de forma muito violenta, com incêndio das casas. As famílias tiveram que sair só com as roupas do corpo”, afirma Lurdinha, que também é pesquisadora da temática quilombola.

Apesar de antiga, a luta pelo reconhecimento das comunidades quilombolas apenas começou a ganhar visibilidade a partir de 2003, com a publicação do decreto 4887 que regulamentou a demarcação e a titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. Assim como Campos dos Polís, há outros treze territórios quilombolas em Santa Catarina. Pobres e distantes dos centros urbanos, as comunidades e suas lutas passam desapercebidas pela maioria da população. “A luta das comunidades é uma luta muito solitária. A gente tem uma história de resistência e, por mais que a gente faça plenárias, não tem tanta participação do movimento social. Com a ocupação, recebemos a solidariedade de muitas organizações”, diz Lurdinha.

Reconhecimento passo-a-passo

A publicação do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) é a segunda das sete etapas pelas quais passa uma comunidade quilombola até a titulação. A primeira delas é a abertura do processo junto ao Incra. Depois da produção e publicação do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), é aberta a possibilidade de recurso. Em seguida, ocorre a publicação da portaria que declara os limites territoriais, o decreto presidencial que autoriza as desapropriações privadas e a notificação para retirada dos ocupantes. Afinal, vem a concessão do título de propriedade coletiva. Das 17 comunidades remanescentes de quilombos com processos no Incra, apenas três estão nas fases mais avançadas.

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