Escrito pelo jornalista Caê Vasconcelos, o livro será lançado no Dia da Visibilidade Trans, em 29 de janeiro.

Quantas pessoas trans fazem parte da sua vida? Quantas trabalham ao seu lado? Se você, assim como a maioria, respondeu “nenhuma”, talvez não saiba que o Brasil é o país que mais mata essa população no mundo. Um extermínio que não podemos ignorar. 

Pessoas trans e travestis muitas vezes já enfrentam dificuldades dentro do espaço familiar. Do lado de fora, sua exclusão persiste na ausência de direitos básicos como saúde, educação, moradia e trabalho. Este último, sintoma da transfobia estrutural, é o tema do livro “Transresistência: pessoas trans no mercado de trabalho”, escrito pelo jornalista Caê Vasconcelos e que será lançado no Dia da Visibilidade Trans, 29 de janeiro, na Livraria Martins Fontes Paulista, em São Paulo.

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Imagem: divulgação.

Não há dúvidas que ser uma pessoa trans no Brasil é resistir. Daí o título transresistência. O livro pretende contribuir para a visibilidade de pessoas trans e travestis, indo contra a corrente conservadora e transfóbica que existe no Brasil, inclusive em movimentos da própria esquerda.

“Vivemos em uma sociedade que é estruturalmente transfóbica. Aprendemos desde a infância que menino tem que fazer isso e menina aquilo. O discurso da Damares, no primeiro dia como ministra, não estava falando sobre cores e roupas, mas sobre pessoas trans. Se no primeiro dia a Ministra de Direitos Humanos fala que menino vai usar azul e menina rosa, é dizer que não seria tolerado ser trans, que você tem que viver do jeito que você nasceu e não pode desvirtuar disso”, exemplifica Caê.

No livro, o leitor irá conhecer histórias como a de Luiza, que viajou à Europa na trilha do tráfico sexual, lá descobriu os museus e anos depois tornou-se a primeira funcionária trans do Museu de Arte de São Paulo (MASP). Entre outras histórias narradas está a de Renata Peron, que antes de se tornar uma das figuras mais conhecidas no meio LGBTQIA+ de São Paulo, quase foi morta por skinheads e, anos depois, ninguém foi punido. O livro também conta a história de Bruno, do lar cristão à cozinha de uma hamburgueria LGBT.

Além de abordar a realidade trans, o livro também trabalha as interseccionalidades, ou seja conecta as opressões de gênero, raça, classe social, entre outras. Uma história de amor transcentrado faz parte da obra. O capítulo narra as vivências do casal Helena, mulher trans branca da periferia de São Paulo, e Klaus, homem trans negro do interior de Minas Gerais. Outras histórias que o leitor poderá conhecer é a de Santana, roterista, preta, de identidade transfeminina e da quebrada, que foi expulsa de casa, passou por muitas residências até encontrar um lar, e agora busca mudar a forma como corpos trans e negros são reproduzidos pela mídia.

Por meio da história de Mar, pessoa não binária e estudante de psicologia, o livro aborda a importância do uso dos pronomes neutros. Já para abordar vivências na política brasileira, o livro apresenta histórias como a de Carolina Iara de Oliveira, primeira vereadora intersexo do Brasil, e Erika Hilton, a mulher mais votada no Brasil nas eleições de 2020. Essas são algumas das histórias que formam o “Transresistência: pessoas trans no mercado de trabalho”. O próprio Caê conta sua história de vida em um dos capítulos do livro.

Jaqueline Gomes de Jesus, psicóloga e presidenta da Associação Brasileira de Estudos da Homocultura (ABEH), é quem abre o livro. Ela ressalta a importância do tema do livro e do olhar engajado de Caê no empoderamento das falas e ações da população trans, representada pelas histórias da obra.

“O livro de Caê Vasconcelos é o símbolo de uma aliança. É uma dádiva. Desbrava os caminhos desse universo de exclusão sistêmica, eivado da criação de condições mínimas de vida pelos próprios excluídos, e marca um lugar não de mera observação, mas, acima de tudo, e devido à empatia do autor, de posicionamento crítico e indicador de novas possibilidades de existência da transgeneridade no mundo do trabalho”, destaca a psicóloga na abertura do livro.

A orelha do livro é assinada por Neon Cunha, primeira mulher trans a ter o direito de retificar o nome no Brasil. “Foi a coragem de pessoas como Neon que facilitaram as coisas para pessoas que, como eu, vieram depois. Eu gosto muito de referenciar essas pessoas, que chamamos de transcentralidade”, pontua Caê.

Trajetória paralela entre autor e obra

Caê Vasconcelos é um homem trans, bissexual e jornalista. Ele nasceu em Vila Nova Cachoeirinha, região periférica da Zona Norte de São Paulo, onde viveu por 28 anos. Começou a escrever sobre pautas LGBT+ quando produziu, de forma independente, a primeira edição deste livro, “Transresistência: histórias de pessoas trans no mercado formal de trabalho”, apresentado como trabalho de conclusão do curso de jornalismo à FIAM-FAAM Centro Universitário, em 2017. 

“Foi a primeira vez que sentei com homens trans para poder entrevistá-los, meu primeiro contato com meninos trans, e a primeira vez que realmente veio a dúvida na minha cabeça ‘será que eu sou uma pessoa trans também?’”, relata Caê. O jornalista lembra que existia uma sensação de identificação extremamente forte com as histórias que ele estava ouvindo e contando em seu livro, quando pensava sobre a própria vida. “Mas eu ainda achava que era uma questão jornalística”, explica.

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Caê em apuração jornalística | Foto: Sérgio Silva

Ainda em 2017, começou a colaborar como repórter na Agência Mural de Jornalismo das Periferias e na Ponte Jornalismo, na editoria de Direitos Humanos e Cultura. Em 2019, tornou-se repórter fixo da Ponte e passou a cobrir as áreas de segurança pública e sistema prisional. “Eu fiquei de 2017 a 2019 indo e voltando, será que eu sou? Será que eu não sou? Será que eu tô confundindo? Mesmo no comecinho de 2018 eu comecei a fazer terapia, mas não consegui investigar isso muito bem”, recorda.

A mãe de Caê faleceu em julho de 2017 e era o tema da maior parte das suas sessões de terapia no período, porém na época ele deu alguns sinais para sua psicóloga sobre como se sentia.

“Eu já vivenciava esse universo paralelamente e sabia todas as dificuldades que eu ia enfrentar. Poderia perder meu emprego, minha família poderia virar as costas para mim. Eu não estava consolidado como jornalista, tinha acabado de me formar. E tinha também a questão da morte da minha mãe”, explica Caê.

Como revela, foi a cantora Linn da Quebrada quem o guiou no processo de autodescobrimento. “Quando eu assisti ao documentário Bixa Travesty, em dezembro de 2019, é que realmente pensei ‘é isso, não dá para voltar atrás, sou uma pessoa trans’. Entrei no cinema achando que era uma pessoa cis, saí com 100% de certeza que era uma pessoa trans”, descreve.

Caê começou a conversar sobre o assunto com sua família alguns momentos antes da declaração do status de pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em março de 2020. A partir de maio de 2020, Caê iniciou a terapia hormonal e transição de gênero. “Eu acho que as pessoas viram como algo muito rápido. Eu percebi que sou uma pessoa trans em dezembro de 2019. Em março de 2020 eu comecei a contar para todo mundo e em maio publiquei o meu texto na Ponte. Quem não estava muito perto acabou se assustando, mas é uma coisa que desde 2015 estava sendo trabalhada dentro de mim”, relata.

Em fevereiro de 2021, Caê foi o primeiro jornalista trans a ocupar a bancada do Roda Viva na entrevista com a vereadora Erika Hilton. “Ás vezes eu até volto para assistir e ver se eu não sonhei que aconteceu, não apenas por mim na bancada. Se estivesse só a Erika Hilton no centro já seria histórico, mais que isso a bancada não tinha um homem cis hetero branco”, destaca.https://catarinas.info/web-stories/cae-o-primeiro-jornalista-trans-na-bancada-do-roda-viva/

Porém, o jornalista ressalta que apesar da importância, é preciso questionar porque esses espaços não são ocupados por minorias a todo momento. “Foi bonito e simbólico. Mas eu sempre provoco outras reflexões. Primeiro, por que só chamaram a Erika naquela noite para falar sobre as ameaças que estava sofrendo? Ela não foi chamada por ser a mulher mais votada nas eleições de 2019, mas porque era uma parlamentar trans e negra que estava sofrendo ameaças. De novo a imprensa só está olhando para a gente quando somos violentados e ameaçados”, ressalta.

O jornalista saiu da Ponte no ano passado para começar a própria agência de jornalismo, feita só por pessoas transvestigêneres, que ganhará o mundo em 2022.  Caê pode ser encontrado no Instagram (@cae.vasconcelos) e no Twitter (@caevasconcelos).

Dita Livros

Dita é palavra, o que é dito. Sorte favorável, fortuna, ventura. Destino, aquilo que tem que ser. Dita Livros é uma editora e livraria online que publica, reúne e facilita o acesso a livros escritos por mulheres e pessoas LGBT+, que abordem questões contemporâneas fundamentais. Em comum, as perspectivas de gênero, raça e classe.

Na loja virtual, além dos livros próprios, o Dita oferece uma seleção de obras de autoras independentes e editoras parceiras. A escolha parte de recomendações de mulheres engajadas nas causas feminista, antirracista, antiLGBTfóbica e de proteção à infância, à maternidade e aos direitos humanos.

Os títulos são vendidos pela internet, com envio para todo o Brasil, pelo site ditalivros.com.br. Também podem ser encontrados em eventos, congressos e espaços culturais parceiros, como as livrarias Martins Fontes Paulista, Mandarina e Simples, em São Paulo.

Serviço

Livro: Transresistência: pessoas trans no mercado de trabalho

Autor: Caê Vasconcelos

Editora: Dita Livros

Formato: 14×21 cm

Páginas: 232

Data de publicação: 2021

Preço livro físico: R$ 58,90

Preço e-book: R$39,90

Onde comprar:ditalivros.com.br

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  • Daniela Valenga

    Jornalista dedicada à promoção da igualdade de gênero para meninas e mulheres. Atuou como Visitante Voluntária no Instit...

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