A 13ª edição do Seminário Internacional Fazendo Gênero (FG), que começa nesta segunda-feira, 29 de julho, e vai até a próxima sexta-feira, 2 de agosto, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), oferece pela primeira vez estrutura operacional voltada à acessibilidade de pessoas com deficiência.
Além de audiodescrição e intérprete de Libras nas quatro conferências magnas e em todas as mesas redondas que ocorrerão no Auditório Garapuvu, o FG também vai disponibilizar sala de regulação sensorial (espaço seguro e acolhedor para que pessoas neurodivergentes se recuperem do excesso de estímulos do ambiente), cadeiras de rodas para pessoas com mobilidade reduzida, abafadores de ruído simples para pessoas autistas, 15 monitores-guia e intérpretes de libras para atividades diversas.
Os monitores-guia e os intérpretes farão plantão num espaço chamado “QG da acessibilidade” e poderão ser acionados por whatsapp (55 48 8861-4011) para auxiliar, por exemplo, no deslocamento de participantes ou na descrição de ambientes para pessoas cegas e com baixa visão. O QG ficará montado durante todo o evento ao lado do Auditório Garapuvu, no Centro de Cultura e Eventos da UFSC, em Florianópolis. O local conta com acesso por rampas laterais e entrada interna sem elevador.
De acordo com João Avelino, consultor em acessibilidade e inclusão e coordenador da Comissão de Acessibilidade, toda a estrutura foi pensada a partir da experiência da mesma comissão na última edição do FG, compartilhada pela então coordenadora, Karla Garcia Luiz.
Foi possível também por meio do mapeamento das demandas das pessoas com deficiência inscritas na edição atual. Ao todo, 119 pessoas sinalizaram, durante a inscrição no FG 13, necessitar de algum recurso de acessibilidade.
“Diante do sucateamento da educação pública no Brasil não foi possível ampliar os recursos de acessibilidade a todas as atividades. Por isso, buscamos entender a demanda dos participantes para priorizar os investimentos e garantir a melhor experiência possível durante o evento. Trabalhar a partir da demanda das pessoas com deficiência está de acordo com o que assumimos como premissa, que é disponibilizar recursos considerando a agência e a emancipação das pessoas com deficiência, para não cair em caixinhas de manuais de boas práticas, mas levando em conta que há diversidade na experiência da deficiência”, explicou João Avelino.
O número de participantes com deficiência no Fazendo Gênero 13, que corresponde a 2% do total de 6 mil pessoas inscritas, é inferior à proporção de pessoas com deficiência no Brasil: 8,9% ou 8,6 milhões de pessoas com 2 anos ou mais de idade, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD): Pessoas com Deficiência 2022, divulgada no ano passado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Para João esse número representa “o muito que ainda precisa ser feito” para garantir que a inclusão não seja apenas um discurso, mas uma prática constante e efetiva em todos os ambientes.
Leia mais
- Violência de gênero no Brasil: mulheres cis, trans e travestis são as maiores vítimas
- Por que ser antirracista é tão importante na luta contra a opressão racial?
- Fumaça das queimadas alerta Florianópolis sobre crise ambiental e falta de ações concretas
- Além dos Molotovs: manual reúne símbolos antifascistas de 50 movimentos no mundo
- 5 casos que mobilizaram o debate sobre aborto seguro no Brasil
“Cada passo dado é resultado do esforço contínuo para garantir que nossos direitos sejam reconhecidos e respeitados. No entanto, precisamos avançar para que pessoas com deficiência ocupem todos os espaços com visibilidade e agência. É fundamental que continuemos a trabalhar juntos para ‘aleijar’ os sistemas, reduzir barreiras e promover uma sociedade verdadeiramente inclusiva, onde todos possam participar de maneira plena e participativa”, acrescentou ele, que divide os trabalhos na comissão de acessibilidade com os também integrantes do Núcleo de Estudos da Deficiência (NED/UFSC) Isabella Novelli e Matheus Tanaka, com mediação da professora Marivete Gesser, coordenadora do NED.
João é surdo oralizado; Matheus tem deficiência física; e a professora Marivete é uma pessoa autista. Isabella não é pessoa com deficiência.
Ainda segundo João Avelino, a inserção da temática da deficiência em um evento sobre gênero – o maior realizado no Brasil – ajuda a repensar alguns sistemas hegemônicos, que orientam práticas nas diversas dimensões da vida social e até na realização do evento.
“Buscamos orientar e sensibilizar as outras comissões, palestrantes e expositores no sentido de que há um dispositivo colonial vigente sustentado num ideal de capacidade, de produtividade e de produção do tempo. Nem sempre vai ser necessário um recurso específico de acessibilidade, mas uma medida relacional, como a compreensão de um tempo diferenciado para a realização de determinadas atividades. Isso contribui para que todas as pessoas possam participar de forma plena, elevando a autonomia, a interdependência e a possibilidade de agência das pessoas com deficiência na experiência do evento”, disse ele.
Deficiência na programação do Fazendo Gênero
Ao todo, foram aprovados 31 trabalhos, entre comunicações orais e posters, que abordam questões da deficiência. Entre eles, o trabalho da doutoranda na Universidade de São Paulo (USP) Daniela Alves de Lima Barbosa, intitulado “Gênero, corpos, sexo e sexualidade das mulheres transexuais e pessoas travestis com deficiência”, que discute gênero e deficiência numa perspectiva interseccional.
Para a autora, que também é assistente social em um Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) do município de São Bernardo do Campo (SP), “eventos como o Fazendo Gênero “são espaços potentes de diálogo, de atravessamentos e afetamentos, uma vez que viabilizam a discussão sobre formas múltiplas de existência no mundo”.
Daniela é pessoa sem deficiência, mas afirma que tal marcador social atravessa sua história de vida por ser filha de uma mãe solo e empregada doméstica que também é pessoa com deficiência visual.
As questões da deficiência também serão discutidas em três Simpósios Temáticos específicos: o ST 054: Por uma educação linguística crítica: intersecções de gênero, raça, classe, sexualidade e deficiências no processo de ensino e aprendizagem de línguas; o ST 010: Gênero e Deficiência: diálogos e intersecções; e o ST 072: O que as mulheres surdas dizem em Libras? Dos silenciamentos aos protagonismos.
Fará parte, ainda, dos debates da mesa redonda 36: Gênero, Deficiência e Intersecções, que contará com a participação das pesquisadoras Anahí G. de Mello (Anis), Marcia Moraes (UFF), Marivete Gesser (UFSC) e Thais Becker (NED/UFSC) e será coordenada pela professora Geisa Letícia Kempfer Böck; e está presente em um livro que será lançado durante o seminário: A Pastoral da Mobilidade Humana e os migrantes retornados com deficiência. Construindo caminhos para a reintegração, de Tuila Botega Cruz de Oliveira.
A programação completa do Fazendo Gênero 13 está disponível no site do evento.