Entre o caos e a solidariedade: o papel das lideranças feministas na enchente no Rio Grande do Sul
Em meio ao caos da maior enchente do estado, feministas se uniram para combater a precariedade, a violência e a falta de políticas públicas, destacando a urgência da justiça reprodutiva em tempos de crise.
Em maio de 2024, quando a enchente atingiu 96% do estado do Rio Grande do Sul, o Conselho Estadual dos Direitos da Mulher do RS, responsável por promover políticas públicas de igualdade de gênero e apoiar mulheres em situação de vulnerabilidade, enfrentava uma situação crítica. Segundo a presidenta do Conselho, Fabiane Dutra, o órgão estava operando há um ano em um prédio alugado pelo governo estadual, mas sem recursos básicos, como telefone, computadores e acesso à internet, dificultando a resposta às demandas das mulheres. Essa precariedade já evidenciava as fragilidades do serviço prestado, que foram agravadas pela catástrofe climática.
A enchente trouxe consigo o colapso de serviços básicos, a desorganização das cidades e o aumento dos riscos enfrentados por populações vulneráveis, especialmente mulheres e meninas. Essas, já impactadas pela precarização do atendimento básico, tornaram-se ainda mais suscetíveis à violência e a violações de direitos em meio ao caos gerado pelo desastre. Atualmente, afirma o governo do Estado, a situação do Conselho foi regularizada, com equipamentos e serviços instalados.
As chuvas que ocorreram no Rio Grande do Sul atingiram 2,4 milhões de pessoas em 478 dos 497 municípios gaúchos. Segundo dados oficiais do Estado, mais de 581 mil moradores tiveram que deixar suas casas, 183 pessoas morreram e 27 continuam desaparecidas. Segundo o monitoramento de abrigos do governo do Estado, em 12 de maio de 2024, 78,7 mil pessoas haviam sido atendidas em abrigos. Até o dia 5 de fevereiro de 2025, 951 pessoas continuavam desabrigadas em municípios da Região Metropolitana, Serra Gaúcha, Vale do Taquari, Centro Serra e Região Carbonífera. Outras regiões apresentam um índice de abrigamento menor de 1%.
Na ocasião, o governo federal decretou estado de calamidade pública e criou uma secretaria extraordinária para apoiar a reconstrução do Rio Grande do Sul. Em 15 de maio, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, anunciou o repasse de R$ 5,1 mil para as famílias diretamente afetadas pela catástrofe climática. De acordo com a Casa Civil, os dados mais atualizados indicam que cerca de 407,6 mil famílias já receberam o auxílio, totalizando um repasse de aproximadamente R$ 2,1 bilhões.
Já o governo do Estado lançou o Plano Rio Grande, programa que já destinou R$ 5,4 bilhões em medidas emergenciais e estruturais, incluindo habitação temporária, desassoreamento de rios e contenção de cheias. Parte dos recursos foi destinada à recuperação de moradias e assistência às famílias afetadas.
Em 3 de maio, uma sexta-feira, quando a água começou a subir na capital Porto Alegre, mulheres ligadas ao trabalho voluntário e organizações sociais já estavam atuando no atendimento a pessoas afetadas na região. Decisão que não foi fácil para muitas delas, uma vez que também estavam enfrentando o desastre, são mães e os pilares de suas famílias.
“No dia 5 de maio à noite a gente foi em uma comitiva para Canoas levar colchões, água, coberta, produtos de higiene. No dia 6 ou 7 eu tive que, inclusive, sair de casa, na Cidade Baixa, onde eu moro. Não cheguei a perder nada porque eu moro no terceiro andar, mas minha rua ficou alagada. Relembrar é duro, foram dias muitos difíceis”, contou Fabiane Dutra, que além de presidenta do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher do RS, é mãe de dois e atuou como ativista do movimento feminista na enchente.
Denúncias de violência e assédio nos abrigos
Para entender como foi a organização dessas demandas de gênero durante a enchente, o Portal Catarinas ouviu cinco mulheres que atuaram na linha de frente em abrigos, participando da entrega de doações e ajudando nos encaminhamentos relacionados à saúde, direitos sexuais e reprodutivos, e relatos de violência.
As entrevistadas são: Fabiane Dutra, já mencionada anteriormente; Renata Jardim, advogada e integrante do Cladem Brasil e Fórum Aborto Legal RS; Ana Carolini Andres, diretora executiva do Instituto E Se Fosse Você? e coordenadora dos abrigos organizados pela organização; Eriane Pacheco, vice-presidenta do Coletivo Preta Velha; e Lurdes Santin, liderança do Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos do Rio Grande do Sul (MTD-RS) e do Grupo de Base Erotildes Brasil, em Eldorado do Sul (RS).
Logo no início da organização dos abrigos para acolher as vítimas, as primeiras denúncias de assédio e abuso sexual começaram a chegar às organizações que atuam pelos direitos das mulheres. Segundo Renata Jardim, nos primeiros dias da enchente, a sociedade civil e outras instituições organizaram os primeiros abrigos enquanto o governo estava focado nos resgates. O policiamento nos abrigos só teria iniciado após as denúncias de violência. Várias delegacias foram alagadas, o que também teria dificultado o registro de boletins de ocorrência. O primeiro relato de violência sexual, segundo Fabiane Dutra, veio de um abrigo na Região Metropolitana.
Segundo a Secretaria de Segurança Pública do RS, os registros de ocorrências como ameaça, estupro e lesão corporal reduziram 28%, 38% e 21%, respectivamente, no mês da enchente, em comparação com o mesmo período do ano anterior.
Segundo o Estado do RS, houve policiamento nos abrigos e “todas as ocorrências envolvendo abuso sexual ou violência doméstica” que chegaram ao conhecimento das autoridades, “foram devidamente registradas e acompanhadas”. Para as entrevistadas, no entanto, não houve redução da violência em si, mas sim dos registros de ocorrência por causa do caos imposto pela enchente.
Em pouco tempo, os abrigos ficaram lotados. Segundo Fabiane, faltaram água e luz nos espaços de acolhimento municipais, o que também limitou o acesso à informação. A falta de energia elétrica, além de aumentar a vulnerabilidade das mulheres, impossibilitava o uso de celulares, prejudicando a comunicação e o pedido de ajuda.
Elaboração de protocolo para proteger mulheres e meninas
Diante das denúncias de violência contra mulheres e meninas nos abrigos, as instituições que atuam na defesa dos direitos das mulheres no Rio Grande do Sul convocaram uma reunião com o Ministério das Mulheres, que ocorreu em 7 de maio.
“Chamamos essa reunião com o Ministério das Mulheres e com o Fórum Estadual de Mulheres para elaborar um protocolo de atendimento às mulheres e meninas vítimas da catástrofe. Ficamos quase quatro dias sem dormir para entregá-lo no dia 12”, relatou Fabiane.
Renata Jardim, do Cladem Brasil e Fórum Aborto Legal RS, também participou da reunião com o Ministério das Mulheres e atuou na elaboração do protocolo inicial, entregue à pasta pelas lideranças do Rio Grande do Sul. O Cladem atuou de forma coletiva durante a enchente, a partir das denúncias de abusos nos abrigos.
O protocolo continha recomendações tanto para o momento do resgate quanto para os abrigos e a atuação de voluntários. Ele visava orientar as pessoas nos abrigos, já que cada um agia por conta própria. Segundo Renata, a falta de fluxo de atendimento e a dificuldade de comunicação entre as instituições foram grandes obstáculos.
“Essa era uma preocupação muito grande que a gente tinha, que era dar minimamente alguma orientação para esse voluntariado que estava super contribuindo, mas que tinha várias falhas que colocavam as mulheres e crianças em risco”, afirmou Renata.
O objetivo principal era que as recomendações fossem adotadas pelo poder público e repassadas aos voluntários, assegurando um atendimento organizado e eficiente. O protocolo incluía diretrizes específicas sobre a gestão de abrigos exclusivos para mulheres e crianças. Além disso, buscava formalizar um acordo entre diversas organizações, respaldado pelo governo, pela sociedade civil e por instituições, garantindo visitas regulares aos espaços e o monitoramento da implementação das orientações.
Apesar da importância do protocolo, a revisão pelo Ministério das Mulheres levou 17 dias e só foi concluída em 29 de maio. Durante esse período, as organizações, os voluntários e governos locais que atuavam na linha de frente tiveram que continuar o trabalho com as limitações existentes.
Segundo o Ministério das Mulheres, o documento final, intitulado “Diretrizes de Proteção às Mulheres e Meninas em Situações de Emergências Climáticas”, foi elaborado com base na proposta de protocolo local, nos diálogos realizados tanto com o governador Eduardo Leite quanto com cerca de 20 representantes de órgãos públicos e movimentos sociais, e em parceria com a ONU Mulheres.
Desafios no atendimento à meninas e mulheres nos abrigos
A enchente fez transbordar vulnerabilidades e problemas que já estavam presentes na realidade dos grupos mais fragilizados, como a violência intrafamiliar. Casos de crianças abusadas pelos próprios pais e mulheres vítimas de violência doméstica se tornaram ainda mais evidentes nos abrigos.
Segundo relatos das ativistas entrevistadas, a situação de pobreza extrema em alguns abrigos era tão gritante que, mesmo com a precariedade dos serviços oferecidos, muitas pessoas preferiam permanecer ali. Isso porque, apesar dos problemas de infraestrutura e segurança, os abrigos forneciam todas as refeições do dia e produtos de higiene, algo inacessível para quem vive em situação de escassez.
Os relatos de assédio e violência nesses espaços teriam levado à criação de abrigos exclusivos para mulheres. Essa medida, no entanto, gerou novos desafios. Algumas mulheres relutaram em deixar os filhos maiores de 12 anos ou parentes próximos, como companheiros, pais e tios, que precisavam permanecer nos abrigos mistos. A separação familiar causou sofrimento e angústia para muitas delas.
O acesso a itens de higiene menstrual foi mais uma das dificuldades relatadas pelas ativistas que atuaram no desastre. Doações foram recebidas e distribuídas, mas faltou calcinha e sutiã, por exemplo, principalmente em tamanhos maiores.
As entrevistadas apontaram que faltou uma coordenação pública geral durante a crise, o que dificultou o atendimento específico para as mulheres e meninas.
O Instituto E Se Fosse Você? foi uma das organizações que criou um abrigo exclusivo para mulheres. Localizado na escola estadual Luciana de Abreu e mantido por voluntárias, o espaço oferecia refeições, cuidados infantis, produtos de higiene, máquinas de lavar, suporte psicológico e apoio para acessar medicamentos e contraceptivos. Além de acolher as mulheres, a organização as ajudou a retornar para casa com mutirões de limpeza, doação de móveis e cestas básicas.
Ana Carolini Andres, diretora do instituto, criticou a falta de coordenação do governo. Segundo ela, a ausência de diretrizes claras e ações eficientes afetou principalmente as mulheres em situação de vulnerabilidade.
“Não havia uma coordenação do estado e nem da prefeitura. Nós entendemos que foi um caso super atípico, mas o governo tem equipe, né. Foi um absurdo o que aconteceu de as entidades precisarem fazer esse trabalho [dos abrigos]. E uma das coisas que talvez tenha sido mais gritante é que as pessoas mais prejudicadas foram as mais pobres”, destacou Ana Carolini, do instituto E Se Fosse Você?.
Outra organização que atuou no atendimento às mulheres durante a enchente foi o Coletivo Preta Velha, localizado em uma comunidade periférica de Porto Alegre, chamada Vila Cruzeiro. O coletivo ocupa um prédio de uma escola abandonada. No espaço, que não foi atingido pela enchente, as voluntárias ofereciam aulas de capoeira, dança e costura, reforço escolar, preparação para o vestibular, além de auxílio psicológico e jurídico.
Durante a catástrofe, o espaço foi transformado em um ponto de coleta de doações de itens essenciais, como água, alimentos, roupa, absorventes, fraldas, leite em pó e produtos de higiene. O coletivo organizou um cadastro para gerenciar as demandas e fazer as entregas, inclusive para os abrigos.
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Os produtos essenciais relacionados à dignidade menstrual, como absorventes, e os destinados a bebês, como fraldas e leite em pó, chegaram em quantidade insuficiente durante as ações de auxílio. Além disso, houve uma grande demanda por itens de higiene pessoal, como shampoo, que também não foi atendida com frequência.
“Essas doações (absorvente, fralda, leite em pó e shampoo) não chegavam no primeiro momento porque não está no imaginário das pessoas que doam que vai ter uma mãe com uma criança que precisa tomar um leite em pó. A partir disso, a gente montou um cadastro das demandas”, disse Eriane Pacheco, vice-presidenta do Coletivo Preta Velha.
Diante dessas necessidades específicas, o coletivo passou a solicitar doações direcionadas, priorizando lingeries, absorventes, fraldas e outros produtos de higiene, que foram identificados como demandas urgentes. A situação se mostrou ainda mais desafiadora para mulheres negras, que enfrentaram maiores dificuldades no acesso à informação e a recursos materiais. Além disso, muitas das mulheres acolhidas tinham bebês entre seis meses e um ano, o que aumentou a necessidade de apoio e a urgência por suprimentos adequados.
No Dia das Mães, o grupo realizou ações especiais, distribuindo kits de higiene que incluíam produtos como shampoos e condicionadores, um gesto que teve grande impacto para as mulheres abrigadas.
“A gente preparou um kit para as crianças, que incluía docinhos e pipoca. Mas também havia um kit para as mães. Quando elas receberam, ficaram confusas e demoraram a entender que o presente era para elas. O impacto maior foi com o shampoo e o condicionador porque fazia muito tempo que elas não lavavam os cabelos. Esse gesto simples teve um significado muito profundo para elas”, contou Eriane.
Saúde mental e sociabilidade nos abrigos
Segundo Lurdes Santin, liderança do Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos do Rio Grande do Sul (MTD-RS) e do Grupo de Base Erotildes Brasil, em Eldorado do Sul, na Região Metropolitana de Porto Alegre, os grupos sociais organizaram cozinhas solidárias para oferecer alimento aos atingidos pela enchente e rodas de escuta para as mulheres.
Em Eldorado do Sul também houve demanda urgente por itens de higiene, como absorventes, além de fraldas e alimentos para bebês. Segundo Lurdes, a prefeitura não ofereceu apoio suficiente e muitos abrigos enfrentaram dificuldades. Nos espaços de acolhimento oferecidos pelos grupos de voluntárias, surgiram relatos de medo de abuso e violência sexual, tanto intrafamiliar quanto por desconhecidos.
“Os abrigos não estavam devidamente preparados. Colocavam apenas um coordenador ou coordenadora para dar conta de tudo. Na minha avaliação, é essencial que tenham equipes formadas por psicólogos e assistentes sociais imediatamente”, avaliou.
“Além disso, é preciso pensar que as pessoas não precisam apenas de um cobertor ou de uma marmita, muitas vezes mal feita. Elas necessitam de espaços de sociabilidade”, completou.
Lurdes e as demais lideranças ouvidas pela reportagem também reforçaram a importância de haver espaços de sociabilidade nos abrigos, especialmente para as crianças e os adolescentes, não só para oferecer um acolhimento mais humanizado e respeitoso, mas a fim de preservar a saúde mental.
Segundo Lurdes, que ainda atende mulheres atingidas pela enchente em rodas de conversa, a saúde mental delas foi gravemente afetada, com aumento de casos de depressão e tristeza.
Além disso, o aborto legal é um tema frequentemente cercado de tabus entre os grupos de mulheres, e seu acesso já enfrenta grandes limitações mesmo em condições normais. Lurdes destacou a importância de criar espaços seguros e oferecer atendimentos especializados que garantam às mulheres informações claras sobre o serviço de aborto legal, além de suporte direcionado a gestantes, mães solo e pessoas neurodivergentes, como autistas, em situações de emergência.
A entrevistada criticou a desumanização nos abrigos e enfatizou a importância de tratar as pessoas com dignidade.
“As pessoas não podem ser jogadas que nem um bando de saco de batata, que elas não são.”
Essas palavras refletem a urgência de políticas públicas mais estruturadas e humanizadas para lidar com situações de catástrofe.
Diretrizes recomendam atendimento adequado a mulheres e meninas
De acordo com as diretrizes desenvolvidas pelo Ministério das Mulheres em parceria com a ONU Mulheres, após pressão das organizações locais, mulheres e meninas, frequentemente mais vulneráveis, devem receber tratamento adequado às suas necessidades específicas, assim como as mulheres que são responsáveis pelo cuidado de familiares e devem ser resgatadas junto a eles sempre que possível. Caso a separação seja inevitável, é essencial garantir o cadastramento emergencial para a rápida reunião das famílias, especialmente no caso de crianças.
“Deverão ser priorizadas suas decisões e autonomia para aceitar ou não os encaminhamentos propostos. A recomendação se aplica, por exemplo, ao encaminhamento para locais de abrigamento temporário, cabendo à mulher decidir se deseja ir para um local exclusivo para mulheres ou não. Devendo também ser assegurado o direito de rever essa decisão caso se sinta insegura ou se encontre em situação de ameaça ou violência contra si ou crianças e adolescentes que estejam em sua companhia”, reforça o documento.
A equipe de resgate, segundo as diretrizes, também deve oferecer escuta sensível e informações claras para tranquilizar as vítimas da catástrofe, garantindo um atendimento humanizado. Os profissionais envolvidos precisam ser credenciados e identificados, e as equipes de saúde devem estar presentes para prestar primeiros socorros e identificar necessidades emergenciais.
O documento reforça ainda que o atendimento pós-resgate deve ocorrer em locais seguros, acessíveis e devidamente equipados, que podem incluir prédios públicos ou privados. Cabe aos governos estadual e municipal garantirem a infraestrutura mínima necessária para proporcionar atendimento adequado à população resgatada. É importante que os cadastros das pessoas abrigadas registrem informações sobre orientação sexual e identidade de gênero, raça/etnia e pessoa com deficiência. Essas informações são úteis para direcionar de forma mais efetiva e adequada os encaminhamentos.
O relatório “Combate à violência contra mulheres e meninas no contexto das mudanças climáticas”, elaborado em conjunto pela ONU Mulheres e pela IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza) e publicado em 2022, faz um alerta para as lacunas nas políticas e ações relacionadas ao tema. De acordo com o documento, apesar do crescente reconhecimento sobre a importância em desenvolver políticas públicas com perspectiva de gênero, ainda falta um olhar para a interseção entre mudanças climáticas e violência contra mulheres e meninas (VAWG na sigla em inglês). Além disso, faltam dados e pesquisas que permitam compreender melhor os fatores de risco e as estratégias eficazes.
“O Acordo de Paris sob a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) e o Pacto Climático de Glasgow reconhecem a centralidade da igualdade de gênero e do empoderamento das mulheres, mas não abordam especificamente a VAWG. Ainda há lacunas significativas na criação de vínculos entre a mudança climática e a VAWG em pesquisas, políticas, programas e no estabelecimento de parcerias intersetoriais nos setores de mudança climática e de combate à VAWG”, diz o documento.
Apesar das falhas, o relatório aponta algumas Iniciativas promissoras, como a Iniciativa Spotlight da União Europeia (UE) e das Nações Unidas, que busca integrar a prevenção da violência de gênero em projetos relacionados ao clima; o Fundo Fiduciário da ONU para Acabar com a Violência contra as Mulheres que apoia ações de prevenção adaptáveis a crises, incluindo relacionadas ao clima; e o Fundo de Mulheres para a Paz e Humanitário que apoia projetos que abordam a violência sexual e de gênero em situações de desastres climáticos.
CONTRAPONTOS
- Governo do Estado do RS
- Gestão de abrigos: A responsabilidade pela implantação e gestão dos abrigos foi dos municípios, mas o Estado ofereceu apoio técnico, financeiro e logístico, além de realizar um censo para identificar as necessidades das pessoas acolhidas. O governo do Estado atuou diretamente nos Centros Humanitários de Acolhimentos (CHAs) estabelecidos em Porto Alegre e Canoas, em parceria direta com a Agência da ONU para as Migrações (OIM), responsável pela gestão dos espaços, e com a Agência da ONU para Refugiados (Acnur), cujos ambientes contaram com estrutura adequada, incluindo dormitórios setorizados, refeitórios, lavanderias, áreas médicas, policiamento 24 horas e serviços específicos para gestantes e lactantes.
- Conselho Estadual dos Direitos da Mulher: o governo do Estado afirma que durante a enchente, o Conselho operava em uma sala sem infraestrutura adequada pois aguardava a conclusão de obras necessárias para a instalação de internet e telefonia no local. Atualmente, a situação foi regularizada, com equipamentos e serviços já instalados.
- Relatos de Violência: dados comparativos de maio de 2023 e maio de 2024 mostram redução em ocorrências de violência. O policiamento foi reforçado nos abrigos durante o período da enchente, com registro e acompanhamento de casos de violência.
- Falta de recursos nos abrigos: a gestão de abrigos municipais não está sob responsabilidade direta do Estado, mas foram repassados recursos para manutenção. Nos espaços geridos pelo governo, como os CHAs e a Casa Violeta, não houve relatos de desabastecimento.
- Ministério das Mulheres
- O Ministério das Mulheres confirmou as datas da reunião com lideranças locais e da entrega do protocolo. Segundo o órgão, após a reunião de 7 de maio, assumiu-se a tarefa de ampliar o protocolo proposto para torná-lo uma referência em situações de calamidade no Brasil.
- Em 12 de maio, uma comitiva liderada pela ministra Cida Gonçalves reuniu-se com o governador Eduardo Leite, em Porto Alegre, para reforçar a urgência de implementar o protocolo de atendimento às mulheres afetadas pelas chuvas. A ministra também participou de uma reunião com cerca de 20 representantes de órgãos públicos e movimentos sociais para discutir propostas para o protocolo emergencial.
- Com base na proposta inicial e nos diálogos realizados, o documento final, intitulado “Diretrizes de Proteção às Mulheres e Meninas em Situações de Emergências Climáticas,” foi concluído em parceria com a ONU Mulheres e enviado, em 29 de maio, ao governo estadual e ao Conselho Estadual dos Direitos da Mulher.
- Secretaria extraordinária
- Segundo a Casa Civil, a Secretaria de Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul foi extinta em dezembro. Em seu lugar, foi criada a Casa de Governo, pequena unidade administrativa responsável pelas atividades de interlocução e acompanhamento das ações de reconstrução no estado, e que ficará extinta automaticamente em 30 de maio deste ano. A Casa Civil compartilhou um documento com o balanço das ações que pode ser acessado aqui.
- As prefeituras de Porto Alegre e Eldorado do Sul não responderam.
Acesse o “Guia da Esperança: práticas para garantir justiça reprodutiva e climática”
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Esta é uma produção do Catarinas, dentro do compromisso com o FP2030, uma iniciativa global para assegurar acesso universal a planejamento familiar e direitos reprodutivos até 2030, com apoio da FP2030, Share-Net Colombia, Profamilia, Save the children.