Por Gabriele Oliveira, Fernanda Pessoa e Paula Guimarães.

Quatro mil pessoas marcham pelos direitos das mulheres, pautando a descriminalização do aborto, e contra o governo Bolsonaro.

O retorno das mulheres às ruas no 8 de março, depois de dois anos de pandemia, justamente em um ano decisivo de eleições no país, deu o tom da luta que está por vir e das pautas fundamentais dos feminismos e dos movimentos de mulheres na arena política brasileira. Em Florianópolis, o 8M levou em marcha o nome de Elza Soares, trazendo à tona questões denunciadas pelo seu canto: fome, exploração, violência contra as mulheres, racismo.

Cerca de 4 mil pessoas caminharam pelas ruas do centro da cidade, unidas sob o tema “Da terra aos nossos corpos: respeitem nossas histórias”. Mote sugerido por uma mulher que, como a cantora, vem das bases: Aline Sales, do Movimento Nacional de Luta em Defesa das Pessoas em Situação de Rua (MNLDPSR) e do Coletivo Voz das Manas.

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Imagem: Fernanda Pessoa.

As atividades começaram às 13h na tenda cultural instalada em frente ao Terminal de Integração do Centro (Ticen). Ao longo da tarde, o público acompanhou uma programação intensa de apresentações artísticas e rodas de conversa, que culminou na tradicional marcha do 8M. 

“É maravilhoso estar na rua com as companheiras. É muito bom estar gritando de volta, mesmo de máscara. A gente se renova e é por isso que o 8M tem que acontecer, é por isso que temos que juntar nossas forças e lutar. É o momento da gente se revitalizar”, emociona-se a integrante da Frente 8M Florianópolis, Elaine Salas.

A luta através da arte 

A banda Ilu Oju Inu abriu a programação com uma apresentação musical na tenda cultural, onde se concentraram os eventos do dia. Em paralelo, o Coletivo Voz das Manas – composto por pessoas em situação de rua – realizou uma intervenção teatral em frente à Catedral, denunciando a transfobia, o racismo e as diversas formas de violências que os corpos feminizados sofrem nas ruas. 

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Imagem: Gabriele Oliveira.

“Na intervenção tudo isso é dito: o quanto, dentro do próprio movimento feminista, acontece transfobia e racismo. O quanto o direito à maternidade, para mulheres em situação de rua, é diferente”, comenta a atriz e redutora de danos, Carolina Pomer, se referindo aos crescentes casos de destituição do poder familiar.  

O Grupo PeDaÇo apresentou a performance “Ni Una Muerta Más”. Uma homenagem à poetisa e ativista mexicana Susana Chávez Castillo, autora da frase que se tornou símbolo da luta contra o feminicídio em toda América Latina, que foi assassinada em 2011. “Queremos que todos saibam de onde vem essa frase, quem foi a criadora, quem veio antes e quem sofreu antes de nós”, explica Flor Carrizo, artista do grupo de pesquisa sobre dança contemporânea.

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Imagem: Gabriele Oliveira.


Durante toda a tarde, a programação do #8MElza foi acompanhada pela exposição do projeto “100 mulheres, 5 perguntas”, criada pela artista visual Julia Pereira Steffen Muniz. Recortes de tecidos tingidos de vermelho sangue destacaram relatos de violências enfrentadas por mulheres de diferentes classes e origens.

Premiado pelo edital Aldir Blanc de Santa Catarina, o projeto resultou em um livro digital gratuito. “O objetivo é poder dar voz para mulheres que são silenciadas. Mulheres, que muitas vezes, não contam pra ninguém. Que vão na polícia, e não chegam a lugar nenhum. Que contam pra família, e alguém ri”, ressalta Julia.

 

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Imagens: Fernanda Pessoa.

Ativismo com diálogo e afeto  

A Frente Catarinense de Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto realizou um debate sobre justiça reprodutiva, educação sexual, o direito ao exercício da maternidade e ao aborto legal, seguro e gratuito. 

“A nossa mensagem traz informações que muitas pessoas não têm acesso no cotidiano ou que chegam até elas com algum grau de confusão. Na rua, atingimos pessoas que precisam daquela informação e nos dá muita força ver essa mensagem chegar para mais gente”, explica uma das integrantes da Frente.

O público teve a oportunidade de participar da performance “Abortamos”, inspirada na intervenção das companheiras argentinas durante a campanha pela legalização do aborto no país vizinho. O grito pelo aborto legal, seguro e gratuito esteve presente durante toda a programação do 8 de março.  

A Mudiá – Coletiva Visibilidade Lésbica de Florianopolis refletiu sobre como o sistema de poder heteropatriarcal é retroalimentado pela invisibilização das experiências das mulheres lésbicas, que enfrentam a negação de suas identidades e desejos nos espaços públicos. 

A Coletiva atua, entre outras pautas, em defesa da criação de um espaço de acolhimento para as mulheres lésbicas, em Florianópolis, e na realização do Lesbocenso, primeiro censo de mulheres lésbicas de todo o Brasil. “Nós temos várias frentes de atuação no estado, principalmente em Florianópolis, onde ocorrem vários casos de lesbofobia nas praias”, afirma a integrante, a bibliotecária Guilhermina Cunha. 

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Imagem: Fernanda Pessoa.

As políticas públicas do município também foram tema da roda de conversa promovida pelo Conselho Municipal dos Direitos das Mulheres de Florianópolis (Comdim).

“Florianópolis é composta por mulheres indígenas, mulheres do campo, mulheres brancas, mulheres negras, mulheres lésbicas, mulheres trabalhadoras. Para combater a violência, nós precisamos ter, de fato, um plano de políticas públicas de defesa dos direitos dessas mulheres”, comentou Ingrid Sateré Mawé, integrante do Comdim e organizadora do 8M. 

Mulheres indígenas Kaingang compartilharam suas vivências na Ilha e reivindicaram o seu direito à Casa de Passagem Indígena em Florianópolis. Jéssica Mendes de Oliveira, que ocupa o antigo Tisac no bairro Saco dos Limões com sua família desde outubro, denunciou as condições precárias da instalação.

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Imagem: Fernanda Pessoa.

A construção do Ponto de Cultura e Casa de Passagem Indígena Goj Ty Sá é adiada pela Prefeitura Municipal de Florianópolis através de manobras políticas e jurídicas desde 2019. “Estamos com bastante dificuldade. Em tempo de chuva forte, por exemplo, o nosso barraco rasga e fica tudo remendado. As crianças não têm um lugar para brincar, os banheiros não são adequados, não tem uma cozinha que dê para todos nós”, afirmou Mendes.

A participação no 8M fortalece, para Mendes, o seu desejo de mais liberdade.

“Que todas as mulheres guerreiras do Brasil, sejam brancas, negras ou indígenas, tenham mais liberdade, mais voz ativa. Tanto aqui fora, quanto no governo. Tem muitos homens e poucas mulheres no poder. E, na verdade, a palavra da mulher teria que ser a mais presente, porque somos nós que sofremos mais: com os filhos, com o trabalho, com a casa.” 

No encerramento das rodas de conversas e intervenções, o palco foi um importante espaço de denúncia das violências sofridas por mulheres em Florianópolis. Entre elas, Raquel Afonso, sobrevivente de um caso de violência obstétrica que resultou na morte de sua filha e na perda do seu útero. 

O feminismo que se constrói coletivamente e trata sobre as variadas questões que atravessam as mulheres como classe, raça e sexualidade traz às ruas esta multiplicidade de demandas e caminhos. E a marcha é o ápice da energia, do grito, da resistência.  

Para Vanda Piñedo, do Movimento Negro Unificado e professora da educação quilombola no Morro da Queimada, marchar é uma maneira de chamar a atenção da sociedade para pautas do cotidiano. A nossa luta é o ano inteiro. Aqui é um momento de consagração, é quando a gente sai para rua dizer à população que é preciso envolvimento de massa, que é preciso que a sociedade assuma essa responsabilidade”, destaca.

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Imagem: Fernanda Pessoa.

Nos últimos momentos da caminhada, Paula Lopes, da Resistência Feminista, descreveu a sensação gratificante que teve com o ato. “Sentir a galera na rua de volta é muita potência, reunimos muita gente, fizemos um trajeto lindo e mostramos a força do feminismo. Viva a revolução!”, destaca.

“Nós somos mulheres, somos movimento, somos feministas. O que nos une é o movimento feminista. E que a gente possa gritar, todas as vezes que estivermos nas ruas: Fora Bolsonaro”, finaliza Guilhermina. 

O fora Bolsonaro em ano eleitoral

A programação em Florianópolis se soma à mobilização nacional: “Pela vida das mulheres, Bolsonaro nunca mais – sem fome, sem machismo e sem racismo”.

Após quatro anos de uma gestão nacional genocida e racista, machista e homofóbica, as eleições são compreendidas como decisivas por mulheres que marcharam neste 8 de março. 

“Estamos todas com bastante vontade de se encontrar e de lutar contra esse governo da morte, contra essa política e contra o capital”, aponta Tânia Slongo, coordenadora executiva do Marcha Mundial das Mulheres (MMM Nacional).

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Imagem: Fernanda Pessoa.

Além do governo atual, a pandemia de Covid-19 agravou as desigualdades, fazendo os ricos ficarem mais ricos, enquanto as minorias perderam direitos. Segundo Slongo, todos perderam muito com esse desgoverno e a pandemia que é uma consequência da emergência climática e da destruição voraz do capital.

A bibliotecária e integrante da Mundiá, Guilhermina Cunha, expõe que nos últimos anos houve um movimento de retrocesso nos direitos das mulheres, somado a um cenário de ausência de políticas públicas efetivas. Por isso, a importância do 8M se amplifica em 2022:

“Fora Bolsonaro! Estar na rua, na marcha, nesses espaços, é justamente pra que esse governo genocida acabe e voltemos, pelo menos, a ter os direitos que a gente tinha antes, sem sofrer os abusos que sofremos por sermos mulheres”, fala.

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