Construção de armadilhas tradicionais guarda identidade da cultura Mbyá-Guarani
Denilza Samuel fala sobre a importância das armadilhas tradicionais para a cultura e identidade do povo da TI Morro dos Cavalos, de Palhoça (SC).
A produção de armadilhas é tema do quarto e último vídeo da série produzida pela juventude do Território Indígena Morro dos Cavalos, de Palhoça (SC). Seja para capturar animais para alimentação ou para proteger plantações, as arapucas são outro aspecto fundamental da cultura e construção da identidade Mbyá-Guarani.
O vídeo “Jajeporeka – Armadilha tradicional” mostra como é feito o mondé, uma armadilha para pegar tatu, elaborado com troncos de árvores, galhos, cipós e folhas.
Quando um animal cai em uma armadilha, ele é levado para a casa de reza onde os Mbyá-Guarani pedem desculpas aos espíritos protetores e os agradecem, pois acreditam que se o animal caiu ali não foi por acaso. Havia um propósito. Além disso, eles também pedem a autorização desses espíritos, do contrário podem sofrer punições.
A relação dos Mbyá-Guarani com a alimentação é baseada na espiritualidade. Plantas e animais são considerados sagrados, alguns com uma história mítica por trás, como é o caso do milho, e outros não podem ser caçados, como é o caso da paca. Esse aspecto foi abordado na segunda temporada do podcast Alimentação Ancestral, mais especificamente no segundo episódio.
O vídeo foi realizado pelo grupo composto por Dalvinha de Castro, Denilza Samuel, Douglas Fernandes, Marianny Antunes, Natan Almeida Evaristo e é resultado das oficinas ministradas pelo Portal Catarinas entre março e junho deste ano na comunidade.
A iniciativa faz parte do projeto “Olhar, ouvir e documentar: oficinas de audiovisual no território Mbyá-Guarani do Morro dos Cavalos”, uma Proposta Cultural realizada com recursos do Governo do Estado de Santa Catarina, pela Fundação Catarinense de Cultura (FCC), por meio do Prêmio Elisabete Anderle de Estímulo à Cultura – Edição 2023.
Denilza Samuel (Itamirim em Guarani) é professora na aldeia e conversou com a jornalista Fernanda Pessoa, que ministrou as oficinas, sobre o que motivou a escolha das armadilhas como tema para o vídeo. Confira.
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Fernanda Pessoa: Por que vocês escolheram produzir um vídeo sobre as armadilhas e por que esse tema é importante dentro da aldeia?
Denilza Samuel: Nós escolhemos uma das armadilhas tradicionais para mostrar como elas são feitas. Também para valorizá-las, pois na nossa cultura elas são bem importantes. Escolhemos uma, mas tem várias outras.
Quem são as pessoas da aldeia que fazem as armadilhas?
Os mais velhos sabem fazer. Alguns jovens também sabem. Não todos, né? Mas alguns sabem.
Como esse conhecimento é compartilhado? Vocês fazem atividades culturais para repassar esse conhecimento?
Então, é repassado de geração em geração também. Na própria escola tem dias que a gente chama os mais velhos para que eles repassem um pouco do ensinamento deles para as crianças e para os jovens aprenderem também. Eles aprendem em casa, mas também aprendem na escola.
Hoje em dia as armadilhas são importantes para a alimentação da aldeia? Como funciona isso?
As armadilhas sempre foram importantes para a nossa cultura. Hoje em dia é um pouco difícil fazê-las porque como a gente mora perto da BR não têm muita caça para pegar porque o barulho da BR espanta tudo. Então, são poucas as pessoas que fazem e quando fazem também elas vão bem para dentro do mato, onde não esteja fazendo muito barulho.
É bem interessante isso que você fala, né? O quanto a BR afetou essa cultura, essa prática.
Sim.
Cada pessoa que faz armadilha e acaba pegando alguma caça, essa caça em geral é para a própria família ou existe alguma caça que seja compartilhada? Em algum momento também que seja, que tenha alguma cerimônia. Como é essa dinâmica?
Cada pessoa que faz, pega para a família. Mas quando pega mais de um, aí é compartilhado com a comunidade. Quando a caça é maior, todo mundo é convidado para pegar um pedaço para cada família.
E tem mais alguma coisa que você acha importante falar sobre as armadilhas? Algo que eu não tenha perguntado?
Para mim sempre é importante falar um pouco da cultura para mostrar também para o pessoal de fora que ainda cultivamos a nossa cultura, valorizamos. No caso das armadilhas, muitos devem pensar que não fazemos mais. Só que a gente faz ainda. Mas como moramos perto da BR, é mais difícil pegar.
Essas armadilhas também são usadas para proteger alguma plantação?
Sim. Algumas que são feitas para proteger as plantações, também para que os pássaros não fiquem pegando.
Além dos pássaros, tem algum outro animal que vocês tentam afastar da plantação com as armadilhas?
Os tatuzinhos que às vezes aparecem nas plantações para tirar a minhoca e acabam tirando as plantações, os milhos, por exemplo.