Potência é o que tem poder, força, vigor e importância; é o resultado de um número multiplicado por si uma ou mais vezes.  Somos muitas: multiplicamos com a vigorosa força que, no conjunto, propõe, denuncia, e pode alterar rumos e situações adversas. A potência desse conjunto uníssono tem poder, tem poderes. Um exemplo foi o movimento “EleNão”, que em poucos dias tomou as redes sociais e se potencializou na mais importante concentração de mulheres nas ruas contra o fascismo.

A potência das mulheres, sua força, vigor, importância as habilita, dentre outras funções e qualificações, para os exercícios do poder na política. Em 2018, muitas mulheres foram eleitas: 7 senadoras (13%); 77 nas Câmara Federais (15%); e 161 no legislativo Estadual (15%), de vários partidos e ideologias políticas. Todavia, está muito longe de ter paridade e equidade: no total, as eleitas não ultrapassam 15%, e as mulheres são pouco mais da metade da população brasileira.

Dentre as eleitas, muitas têm consciência do lugar que ocupam, cuja história de lutas por direitos as habilita para o pleno exercício das legislaturas. São mulheres que vão somar-se às pautas feministas por educação inclusiva e democrática; por direito ao corpo; por saúde das mulheres; por segurança; por nenhum preconceito de cor, raça, sexo, classe, etnia, gênero, geração; por salários dignos; por moradia; por cidadania para todas: camponesas, operárias, professoras, profissionais do sexo, profissionais liberais, trabalhadoras domésticas, dentre outras profissões.

Mas, nem todas as que se elegeram pensam assim. Dentre estas, estão as que difamam o Feminismo e são ultra-conservadoras. Defendem a exclusão dos estudos do gênero, sexualidades, diversidades e das lutas feministas dos currículos escolares; e, por mais paradoxal que possa parecer, evocam pela volta das mulheres ao lar, prendadas, dedicadas a seus homens, e recatadas. Mas, se estão na esfera pública política, quais argumentos seriam plausíveis neste paradoxo?

Terão essas mulheres coragem de denunciar, se, desafortunadamente, sofrerem assédios, ou estupros? E, se dessa relação violenta e/ou proibida, resultar uma gravidez indesejada, como irão lidar com isso? Incluídas como classe, poderão resolver com segurança. Mas, é justo criminalizar milhares de outras mulheres por uma decisão das mais difíceis que enfrentam, quase sempre advinda de uma fecundação violenta e não consentida? É possível não se perturbarem com a violação de corpos como prova de macheza, virilidade, poder, domínio e posse? Lembrarão da pauta mais cara do feminismo, a de que o corpo nos pertence? Terão consciência que a vida uma mulher vale muito, muito mais do que chamam de pecado? Retomo a frase bíblica: “quem salva uma vida, salva o mundo” – nenhuma a menos!

É admissível defender quem faz apologia ao estupro, e participar de conselhos tutelares, de comissões de defesa das crianças violentadas que estão na casa de recolhimento, muitas descontadas nas pernas, trituradas por dentro na tenra idade?

É ético e moral rezar para um deus de misericórdia, e enxotar o próximo por que é gay, lésbica,  negro/a, índio/a, nordestino/a, não branco/a??  É atitude cristã rezar para a senhora Aparecida, e, ao mesmo tempo, ser indiferente às violências e exclusões das mulheres, as suas próximas?

É correto retirar direitos e excluir mulheres que se embrenham em três jornadas de trabalho para dar conta das responsabilidades de prover uma família? É digno enxotar uma pessoa pobre excluída da condição de cidadã, e que só lhe resta como propriedade seu corpo e a foça de trabalho? É razoável desmoralizar as profissionais do sexo, cujo sustento advém dos senhores dominadores, ávidos por poder e luxúria?

Essas mulheres empoderadas nas funções legislativas, e executivas, aprenderão em pouco tempo que, no lugar onde estão, também sofrerão discriminação; passarão dissabores já que expostas aos assédios e outras violências nos parlamentos. Os seus pares homens, em boa parte machistas, misóginos, homofóbicos e racistas, estão alinhados às práticas do uso de armas; e tem demonstrado uma cultura de violência, sedentos de poder, posse e domínio.

Sem medo de errar, algumas delas sofrerão violência política de gênero praticados por seu pares homens, e até mesmo mulheres, de suas relações políticas; algumas sofrerão perseguição, ameaças, hostilidades; outras, sofrerão assédios para votarem em projetos que não consentem, serão induzidas a tomar decisões contra sua vontade. São mulheres, e trazem na pele e na alma a experiência da desqualificação das mulheres num país onde o patriarcado vem de longa data.

Desejo que nada disso lhes aconteça. Mas, se por desventura acontecer, espero que tenham serenidade para sobreviver aos assédios morais e até mesmo sexuais, e a coragem de denunciar.  E, se assim o fizerem, apresentando projetos de melhoria de vida para as mulheres e ao combate as violências, terão o apreço das feministas:  são muitas, barulhentas, e tem seus poderes, saberes e potência. O Feminismo lhes deu a possibilidade de estarem nos parlamentos; façam de suas pautas o vigoroso brado propondo soluções generosas de convivência de paz, sem violências de gênero. Não lhes faltará exemplos e estatísticas lastimáveis, criminosas, que eliminam a vida de mulheres todos os dias por posse, poder e domínio.

Há divergências ideológicas entre os dois grupos; diferentes maneiras de pensar o mundo e as relações, o que é salutar, dada que toda unanimidade é burra. Todavia, existem pautas que deverão unir as lutas: a violência psicológica, física e sexual contra mulheres é incontingente; é real, está nas relações cotidianas; tem classe, raça, etnia, gênero, geração.

Desejo que, no ano que entra, ao assumirem suas funções delegadas pelas urnas, lembrem que são mulheres, e exerçam o poder com força, vigor e importância; que usem  da potência para a coerência, lucidez e discernimento para enfrentar o que lhes advier.

Senhoras parlamentares, respeitosamente e em nome de todas as mulheres, desejo que tenham serenidade, e sororidade. As acolheremos, caso venham com o coração aberto, para lutarmos juntas. Não sabemos o que esperar dos dias, meses, e anos próximos; mas temos consciência de que para muitas de vocês é a primeira vez num parlamento, e que vão aprender muito das relações da vida política e suas inevitáveis incontingências.  Da experiência da exacerbação de violências, dos fascismos que se reatualizam, urgem respostas, e proposições contra toda sorte de discriminações, violências e preconceitos.

As mulheres querem existir como sujeitos da História, tecendo nas resistências as redes do cotidiano juntos com os homens, com as outras mulheres, em harmonia, segurança e paz. A nós, que não nos falte potência, e o orgasmo revolucionário – na potência de um orgasmo também se faz a revolução!

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  • Marlene de Fáveri

    Marlene de Fáveri, natural de Santa Catarina, Historiadora, professora Aposentada do Departamento de História da UDESC....

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